a Sobre o tempo que passa: Cavaco aliviado, patriarca politiqueiro, um estalinista resistente e morgadinha feita super-polícia

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

26.3.05

Cavaco aliviado, patriarca politiqueiro, um estalinista resistente e morgadinha feita super-polícia



Neste sábado de aleluia, quando os relógios adiantam uma hora, mas não mentalmente, os portugueses confirmam que António Guterres não será candidato a presidente de todos os portugueses, dado que já recebeu o patrocínio para o exílio doirado por parte de figuras do PS com a dimensão de José Sócrates, Jorge Coelho ou Maria de Belém, as quais, certamente, não dariam tal solidariedade de forma irreflectida e não concertada. Daí que Cavaco Silva recobre de energia, talvez suspeitando como à segunda pode ser de vez.

Ficámos também a saber que o conhecido bilionário George Soros foi considerado culpado de um caso de «insider trading» que ocorreu há 16 anos atrás e onde terá registado um lucro de 2,2 milhões de euros, que terá agora de restituir. A coisa passou-se, naturalmente, longe das nossas fronteiras de justiça morosa, dado que, por cá, os ricaços caseiros da engenharia banco-burocrática, só depois da nomeação de Maria José Morgado para um cargo de coordenação na área das polícias, é que poderão a começar a fazer contas às vida.



Mais coerente parece ser Francisco Martins Rodrigues, o "xico" estalinista, criador da primeira dissidência anti-revisionista no PCP, que, ainda hoje, em "A Capital", e bem, vem declarar que não se considera um humanista, mas antes um revolucionário. Por outras palavras, vem admitir que qualquer revolução, tendo em vista o fim superior da humanidade, pode usar os adequados meios, nomeadamente o limpar o sebo aos contra-revolucionários. Já do outro lado da barricada, o porta-voz eclesiástico, o cardeal D. José Policarpo, fazendo o voto de não confusão entre a política e a religião, começou a campanha eleitoral para os próximos referendos. Disse, ao "JN", que votará “sim” no Tratado da Constituição Europeia e “não” no da interrupção voluntária da gravidez, a que acintosamente chamou de aborto. Não disse se dará a comunhão aos que digam "não" ao dogma de Bruxelas. Espera-se que um jornalista manhoso, ao serviço do futuro candidato socialista a Belém, faça Cavaco Silva confessar que posição pública tomará no caso da IVG, não vá o magno chanceler da Católica despedi-lo, ou requerer que se lhe abra um um canónico processo de excomunhão, para a salvação da cristandade.



No meio de todos estes choques noticiosos, bem apetecia voltar aos tempos em que, na minha santa terrinha, a miudagem assistia à queima do Judas, um boneco de trapos içado no Largo da Praça, onde lhe metiam no corpo muitas bombinhas de Carnaval e algumas bichas de rabiar. Por mim, no meio de todos estes choques, só sei que sei alguma coisa, porque, afinal, nada sei. Porque, querendo o que não posso e não podendo o que, na verdade, quero, fico, assim, bem preso na encruzilhada, temendo perder as forças para resistir, mas conservando o largo espaço daquela esperança que sempre foi o contrário da utopia, que sempre preferiu a revolta à revolução. Nunca fui revolucionário nem arrependido, prefiro a tradição à contra-revolução, mas nem por isso quero construir a Europa de báculo e espada. Aleluia! Prefiro a samaratina de Sicar à Maria Madalena de Dan Brown... Que, Dos amores do Redentor/ Não reza a história sagrada /Mas diz uma lenda encantada /Que o bom Jesus sofreu de amor...