a Sobre o tempo que passa: A falta que nos faz o jornalista Pero Vaz de Caminha

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

16.1.07

A falta que nos faz o jornalista Pero Vaz de Caminha



Tenho seguido de forma vibrante a intensa cobertura que a imprensa internacional deu à vista de Cavaco Silva à Índia, nessa ofensiva de ligação de Belém aos emergentes, ditos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), no português do Brasil. Infelizmente para o Estado a que chegámos, nem uma linha aparece na imprensa brasileira de referência, coisa que é directamente proporcional à cobertura que a imprensa portuguesa deu à cimeira que, no Verão, reuniu os líderes do Brasil, da Índia e da África do Sul, assim se confirmando como, por cá, corremos o risco de não seguir os exemplos de Bartolomeu Dias, o das Tormentas, feitas Boa Esperança, Vasco da Gama, o de Calecute, onde havia uma feitoria chinesa, e Pedro Álvares Cabral, o de Porto Seguro que levava na comitiva o jornalista autor da "carta do achamento do Brasil".



Hoje, os jornalistas são bem mais prosaicos e o nosso presidente perde tempo a dar tempo de antena verbal à primeira dama, ambos dissertando sobre o enjoo que lhes causa a comida picante da Índia, coisa que poderia resolver-se se na próxima comitiva integrarem alguns agentes da ASAE. De qualquer maneira, o nosso mais recente doutorado em literatura, que ainda não andou de elefante como o Mário, apesar do reconhecido jeito que tem para escalar coqueiros, sempre pode reconhecer o brilho das visitas de Estado a Nova Delhi, certamente em memória da colonização britânica dessa antiga jóia da coroa de Londres, detida pela família alemã dos Hannover que só passaram a ser Windsor por ocasião da Grande Guerra.



Será mais útil assumirmos que a maior parte dos descendentes dos portugueses do tempo de Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral não são os detentores do BI de cidadãos da República Portuguesa e, consequentemente, os eleitores de Dona Maria para primeira dama. A maior parte desses luso-descendentes são, felizmente, "portugueses à solta" e vivem no hemisfério Sul, lá para as bandas de Porto Seguro. E a República dos Portugueses que restam na Europa, talvez por enjoarem, ganharia muito em abrir as janelas e as portas do respectivo provincianismo aos ventos que vêm do Atlântico Sul, do Índico e do Pacífico, com a humildade de reconhecerem que um Estado com a nossa dimensão, se quiser continuar a querer ser independente, terá que gerir dependências e navegar nas redes da interdependência.



Por cá, alguns dos descendentes de tais navegadores, já não conseguem ler relatos do jornalista Pero Vaz de Caminha. A nossa imprensa é mais interessante. Traz notícias sobre o bispo de Bragança-Miranda, D. António Montes Moreira, que equiparou ontem o aborto à pena de morte, referindo-se à indignação que o enforcamento de Saddam Hussein causou. "Toda a gente ficou horrorizada com a execução de Saddam. A questão do aborto é uma variante da pena de morte"



Felizmente que o governo anunciou ontem o QREN que integra ainda os programas operacionais de cooperação territorial transfronteiriça (Portugal, Espanha e Bacia do Mediterrâneo), transnacional (Espaço Atlântico, Sudoeste Europeu, Mediterrâneo e Madeira, Açores, Canárias), inter-regional e de redes de cooperação Inter-regional, onde os programas operacionais de Assistência Técnica são co-financiados pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e pelo Fundo Social Europeu.

Julgo que ainda ninguém comentou o seguinte telegrama que li na imprensa brasileira: Os meios de comunicação chineses terão que solicitar permissão antes de cobrir temas políticos sensíveis no período que antecede o congresso nacional do Partido Comunista da China (PCCh), informa o jornal South China Morning Post, de Hong Kong. O departamento de propaganda do comitê central do partido comunicou num documento distribuído à imprensa nacional que será necessária uma aprovação para cobrir eventos históricos importantes, além de aniversários de figuras políticas ou revolucionárias consideradas politicamente sensíveis ou polêmicas.

Segundo a agência Xinhua, a pressão sobre a imprensa aumenta com a aproximação do XVII congresso nacional, o primeiro presidido por Hu Jintao como chefe do PCCh, do governo e do Exército. A reunião fixará os planos para o próximo qüinqüênio e abrirá o caminho da renovação dos líderes. O jornal lembrou que em novembro o PCCh advertiu a revista Lifeweek, que havia publicado reportagens sobre o aniversário do fim da Revolução Cultural, centrado no julgamento da mulher de Mao Tsé-tung, Jiang Qing. Além disso, segundo a mesma fonte, os censores também exigiram a demissão de alguns dos seus críticos, como nos jornais Beijing News, Southern Metropolis Daily e Public Interest Times, além de "blogs" e fóruns universitários.

O português à solta era aquele que não se importava de "morrer tentando" e tinha como lema "navegar é preciso, viver não é preciso". Por isso é que, na "procura do paraíso", sabia construir. Leiam o Sérgio Buarque de Hollanda (ver acesso na coluna da esquerda, ao fundo) , o tal pai do Chico que queria voltar a desguar no Tejo, para nos voltar a trazer o que ainda resta desse "imenso Portugal", o tal do "mar sem fim".