a Sobre o tempo que passa: O estado a que chegámos a nível universitário

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

9.1.07

O estado a que chegámos a nível universitário

Ontem, na minha escola, foi distribuída uma "declaração", subscrita por mim e mais dois companheiros de valores. Deixo-a em anexo, para a torre do tombo da blogosfera. Ela é bem reveladora do estado a que chegámos a nível universitário. A resposta que obtive foi curiosa: um número de telefone anónimo e sem registo, tipo "vitamina" (912093760), começou a golfar, junto de muitos outros docentes, "SMS" com ataques à minha pessoa. Tal como antes, uma série de "mails" de um tal "Óscar Moreira", emitia mais comentários anónimos que, dolosamente, pareciam subscritos por mim, a fim de influenciarem o processo de decisões em curso, num ambiente típico de quem perde tempo a não dar aulas e a não investigar, transformando a universidade num anexo dos dejectos partidocráticos.

Estas duas últimas ocorrências de pretenso assassinato de carácter, que aqui relato, apesar de não terem grande importância (só ontem tive seis horas de aulas), revelam a doença larvar das nossas instituições dependentes do leme do Estado, quando os pretensos reformadores ameaçam alteração de rota. Por isso, reafirmo que não tenho medo e que continuo a apoiar a candidatura a reitor do Professor Espinho Romão.

Aqui vos deixo a declaração emitida:


A profunda reestruturação por que passa o ensino superior na Europa e, em particular, no nosso País, está a colocar em causa velhos métodos e práticas e, consequentemente, a obrigar as instituições universitárias a redefinir objectivos e linhas de desenvolvimento, tudo isto num contexto académico e político de forte turbulência.

A actual situação é grave e se, em diversos graus e condições, ela preocupa legitimamente as famílias, os alunos, os docentes e demais agentes do ensino superior, há que saber associar às ameaças que a situação actual pode acarretar, as oportunidades que o novo paradigma irá, por certo, trazer.

Em Portugal, as nossas fraquezas colectivas estão bem espelhadas no sistema de ensino superior. Também aqui, para só referir algumas delas, encontramos assimetrias sociais e regionais claras, lógicas de pulverização da oferta dirigida a mercados de alunos sem mercado de trabalho à vista, ausência de uma vontade de especialização da oferta, disfunções e vícios provocadas por uma gestão sem controlo de resultados, falta de competitividade e, "last but not the least", uma produtividade muito baixa por parte dos docentes, dos funcionários e dos alunos.

Neste quadro, a eficácia das nossas respostas só poderá assentar na mobilização estruturada das nossas forças, sacudindo interesses particulares e visões de “sacristia”, em favor de uma redefinição da visão e da missão de cada instituição e da sua articulação nos espaços sociais e geográficos em que se insere e do consequente desenho estratégico, capaz de encontrar soluções integradas na cultura organizacional que harmonizem objectivos, meios e públicos relacionais.

No caso concreto do ISCSP, escola que, convém recordar, tem, como contrapartida das vantagens da sua integração na UTL, a limitação na sua autonomia para a definição de estratégias próprias, a análise rigorosa das ameaças e das oportunidades que o novo paradigma do ensino superior proporciona e o recenseamento lúcido dos nossos pontos fortes e fracos só apontam num único sentido: a imperiosa necessidade de encontrar soluções amplamente participadas, capazes de mobilizar órgãos académicos e de gestão, docentes, funcionários e alunos.

No actual contexto, em que o próprio modelo de gestão irá ser profundamente alterado a curto prazo, a pior de todas as soluções corresponde à afirmação de grupos contra grupos, cuja definição e justificação reside quase exclusivamente na sua própria alteridade. Não é tolerável, em termos institucionais, assistirmos impassíveis a uma “balcanização” (ou, para ser mais actual, a uma “somalização”) do espaço comum de convivência do ISCSP, ou deixar que ele se torne num palco de “senhores da guerra” que se alimentam do medo e da cobardia, para os quais contribuem eventuais sentimentos de orfandade ou de submissão a diversas heranças autoritárias.

Num momento em que a primeira preocupação deverá ser a de juntar o que anda disperso, os subscritores deste documento, após terem procurado, com afã, definir caminhos do entendimento e da tolerância das diferenças, entendem tornar público um apelo à imprescindível convergência dos agentes no "ágora" comum que é o ISCSP.

Na encruzilhada em que escola e a própria universidade se encontram, é imperioso que os docentes do ISCSP assumam uma atitude de “salvação pública” e de integração plena nas exigências que o Estado e a comunidade nos impõem.

Os subscritores deste documento, não querendo contribuir com mais frases de sonora ineficácia para o ambiente poluído de contra-informações, de insinuações vazias de sentido, de rivalidades pessoais, de feudalizações e de endogamias, que é o que actualmente vigora no ISCSP, e rejeitando qualquer tipo de plebiscitação de personalizações do poder ou de apetite desenfreado por um sistema de gestão que a breve trecho será extinto, ensaiaram, desde há longos meses, propiciar soluções de não exclusão que, exprimindo a institucionalização democrática dos conflitos, pudessem recriar um projecto de escola, assente na tradição, voltada para a vida e apostando no futuro, num futuro amplamente participado.

Tudo foi tentado e quase tudo foi reduzido a escrito, com lealdade e confiança, num processo que mobilizou a participação de muitas vontades da escola (que os subscritores deste documento representaram), sem outra motivação que não fosse a de obter um forte empenho colectivo que as circunstâncias actuais impõem para salvaguarda do ISCSP face às ameaças reais que pesam sobre o seu futuro enquanto instituição autónoma e necessitada, para que possa dar continuidade às suas raízes fundacionais, de um espaço de afirmação alargado e próspero.

A unidade pretendida por essas vontades, a quem não move qualquer ambição pessoal, não impediu a deturpação e a rejeição das suas propostas sérias e transparentes por quem deveria ajudar a contribuir para adequar a escola às reformas globais que se aproximam e que, para sobreviver, temos que integrar, a fim de podermos lutar para continuarmos a viver.

Conscientes do contributo que foi dado para este objectivo central, os signatários desta declaração decidiram retirar-se de qualquer disputa eleitoral, como exemplo de uma actuação totalmente desinteressada e para manter aberto, em permanência e com firmeza, o diálogo sem o qual só nos restará a amargura de ver ruir o edifício construído com o esforço de mais de 100 anos de trabalho colectivo.

ISCSP, 6 de Janeiro de 2007

Fernando Condesso Jorge de Sá José Adelino Maltez