a Sobre o tempo que passa: O interregno, para continuarmos a procurar Portugal fora de Portugal e sermos verdadeiramente universais

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

11.6.09

O interregno, para continuarmos a procurar Portugal fora de Portugal e sermos verdadeiramente universais



Ontem, foi doloroso dia de discursos metapolíticos para rasteiras interpretações politiqueiras. Mais uma vez se confirmou que, aos portugueses, falta Portugal, ideia de obra que não pode receber adequadas manifestações de comunhão por parte dos chamados portugueses. Porque os únicos portugueses que restam, mesmo estando cá, já não são de cá, dado que, atingindo o universal pela diferença, não correspondem ao paradigma sociológico dominante. São tão do contra que nem pela oposição conseguem ser mobilizados, achando absolutamente desinteressante qualquer preocupção quanto ao destino dos actuais depositantes dos poderes públicos.



Quem passou os olhos sobre a cerimónia dos penduricalhos, com que se fizeram ontem as viagens na minha terra ao ritmo pimba, compreendeu que os portugueses oficiais estão entalados entre a comenda dada a Roberto Carneiro e a outra posta no professor Pedrosa, isto é, entre os ministros educativos de Cavaco e de Guterres, esses sinais da presente luminosidade reformista, cuja sínteses estava batendo palmas na primeira fila: Maria de Lurdes Rodrigues. Isto é, Rui Belo, Jorge de Sena, Almeida Garrett e Fernando Pessoa, depois de mortos, foram instrumentalizados no mau sentido. E o discurso inconformista de António Barreto soou a falsete, porque, na prática, a teoria foi outra. Se calhar, os melhores portugueses não podem ser mesmo portugueses. Têm que ser reconhecidos no exílio, externo ou interno, quando decidiram mesmo ser Portugal e tiveram que procurar Portugal fora daquele Portugal que elevou a primeiro condecorado um ex-ministro dito o petroleiro, porque o cacilheiro já deve ter recebido a sua carica.




Por esta e por outras, mandei para o DN de hoje o seguinte comentário:


O discurso presidencial confirma que entrámos em interregno, até à eleição de uma nova governação. Viajando pela super-estrutura da metapolítica, com exercícios de retórica sobre o dever-ser, apenas confirmou que há uma espécie de suspensão da confiança pública nos actuais donos do poder.



Porque, se os mecanismos dos aparelhos governamentais e parlamentares continuam em plena legalidade, têm apenas legitimidade de título, mas já não a de exercício. Porque a legitimidade é algo que não se decreta, dado que vem de baixo para cima. Aliás, um governo legítimo é aquele que, além de deixar de inspirar medo aos súbditos, actua predominantemente pela persuasão, não recorrendo aos espaços do autoritarismo ministerialista, do ideologismo, da propaganda e da manha.



O presidente, no dia seguinte ao veto da lei do financiamento partidário, apenas avisou que também é um dos fundamentos do sufrágio universal do regime e que, já sem precisar de usar a bomba da dissolução, será o garante do funcionamento leal da concorrencialidade neste nosso tempo de vésperas. Porque, nas últimas eleições europeias, a maioria do povo calou e, sem consentir com o estado a que chegámos, apenas nada disse. E Cavaco, hábil gestor de silêncios, apenas prometeu que estaria vigilante contra os manipuladores da resignação!



P.S. Na imagem falta a caricatura de outro exemplo de péssimo seleccionador nacional, o que nos mandou para o empate na Estónia, porque todos os surrealistas ficam sempre como o épico verso dos meninos do Huambo, expondo crochet e chinelas no palácio que nos marca o fim da Rua da Junqueira e da Calçada da Ajuda, onde tenho varanda com a bandeira basca içada, diante da terraplanagem do futuro museu de cera da republiqueta. Sobre a legitimidade, leiam-se os clássicos da teoria.