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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

25.8.09

Em nome daquela transcendência que se chama humanismo...


Porque sou liberal, à Fernando Pessoa, odeio que artificalmente se criem clivagens entre a esquerda e a direita, ou, pior do que isso, entre laicistas e católicos, em nome de causas transversais, especialmente quando a demagogia pode levar à confusão entre política e religião e ao regresso às teorias da conspiração e da diabolização. Alguns catolaicos ainda estão na era de José dos Santos Cabral, esse que além da proposta de restauração da pena de morte, nos anos trinta do século XX, continuou até à primeira lei do regime do dito Estado Novo, já pleno de polícias secretos querendo extinguir aquilo que pensavam poder ser extinto, dando o primeiro sinal de ódio face àquele conceito de transcendência que se chama humanismo, mas que não pode ser medido por sacramentos, clérigos e dogmas, visando emancipar as consciências e não salvar as almas.


Grão a grão, nos vamos assim amargurando, com o consequente cortejo de intolerância, de fanatismo e de ignorância, tudo misturado com celestiais discursos de defesa do funcionamento regular das instituições. O primeiro passo foi a instrumentalização do fantasma centralista e capitaleiro, que certo neomilitarismo acarinhou com bandeirolas. Agora é a defesa de certos valores que se dizem falsamente conservadores, só porque querem conservar o que está, em vez de quererem salvar o que deve ser, com adequadas saudades de futuro. E ai de quem chame os bois pelos nomes, porque corre o risco de ser diabolizado, com velhos argumentos inquisitoriais, mosquíferos, formigueiros ou bufentos.


Claro que não há fogueiras nem grades, mas continua o sabor amargo da estrela amarela contra a liberdade de consciência, através do arremesso de adjectivações que tentam comprimir a possibilidade do jogo da dialéctiva, da palavra livre posta em discursos de racionalidades finalísticas e axiológicas. Apenas se tenta atirar sobre o adversário o manto do labéu, fugindo do debate das ideias e procurando passar-se, não para o insulto, mas para o carimbo unidimensionalizador, onde deixa de haver a possibilidade de uma troca de razões entre lugares comuns.


Caros amigos, quem saiba o significado da armilar ou da sagração da constituição, neste dia seguinte ao 24 de Agosto, deve ter reparado como há mais de duas décadas consolidei sementes que que vão além do aparente milenarismo e estão bem distantes do fugaz charlatanismo esotérico. Só quem diaboliza posições como a minha, ligando-as ao jacobinismo e não atendendo à nossa tradição regeneradora pode compreender como é difícil avivar a tradição liberal em Portugal. Porque, infelizmente, persiste certo vício congreganista, sempre disposto à denunciação e à perseguição dos heréticos. Não reparam num subsolo especulativo que vai de Fernando Pessoa a Agostinho da Silva e que talvez tenha direito de dizer o que pensa e de viver como pensa, nesta cidade pluralista, onde muitos não estão dispostos a depender de um relatório elaborado pelo Professor Abel de Andrade, ou pela Dedução Cronológica e analítica do velho despotismo ministerial.


A guerra civil de causas fracturantes poderá reavivar o caduco conflito entre política e religião, desenterrando um machado que parecia recoberto com as cinzas do referendo sobre a IVG. São directamente proporcionais aos argumentos extremistas de certos paradigma da defesa dos direitos LGBT, politizando-se um processo que tem mais a ver com a consciência individual do que com a benção decretina de uma qualquer ordem estadual. Porque o ideal conjuntural de uma sociedade, o chamado politicamente correcto, não pode confundir-se com a ordem profunda, apesar de não ser a história que faz o homem, mas o homem que faz a história, mesmo sem saber que história vai fazendo. As uniões de facto não são os casamentos de pessoas do mesmo sexo, não são bandeira da esquerda contra as bandeiras de direita e não têm nada a ver com as clivagens entre católicos e não católicos. Ponto final! Prefiro a coligação liberal, a que aderiu o bisavô de Manuela Ferreira Leite! E a ruptura desencadeada pelo avô da mesma senhora...Pessoa começou aí...