a Sobre o tempo que passa: Democracia não é sondajocracia, o Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

24.9.09

Democracia não é sondajocracia, o Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado


1
Esta incerteza, estas sucessivas fintas à Eusébio nos últimos dias de campanha são o mais excitante de uma democracia que já está fora do controlo dos "agenda setters". O que as sondagens acabadinhas de fazer, ou ainda em curso, vão fotografar estaticamente, eis o grande abalo. Eu só sei que nada sei, sou indeciso.

2
Até ao lavar dos cestos, ainda é vindima, mesmo depois de se colherem os cachos. E depois ainda há que espremer. Que nos espremer.

3
PS em sondagem passou o número mítico dos 40%. Sócrates sobe. Portas salta. O resto, o previsível. O cavaquismo ensarilhado. O cavaquismo sem Cavaco preso nas teias dos propagandistas maneleiros.

4
Parece que o modelo delorsiano de dois terços de remediadinhos que vivem melhor, que não sentiram menos dinheiro na carteira, considera que isso do endividamento é discurso de Medina Carreira. Até a direita prefere o voluntarismo estético de Portas. Porque o eixo da decisão é a disputa entre o PS e o Bloco. O povo é aquele que temos e é este quem mais ordena.

5
As sondagens são fotografias do passado. O povo em voto pode ser projecção cinematográfica, a não sei quantas dimensões. E a intuição dos grandes políticos é hierarquicamente superior às análises de "politólogos", como eu, e dos sondageiros, como eles próprios reconhecem. Os políticos podem e devem ter o lume da profecia, se tiverem saudades de futuro.

6
Democracia não é sondajocracia. Ou pelo menos, não deve ser. A sondagem mostra a vontade de todos conjugada no pretérito. A democracia é a vontade geral. Quando cada um decide como se fosse a própria república, abdicando do respectivo interesse. Rousseau o disse, Kant o teorizou, pelo imperativo categórico. António Sérgio o recordou. Parece que muitos nunca o compreenderam.

7
Dreyfus foi injustamente condenado num determinado dia. Só três anos depois é que Zola conseguiu começar a virar a opinião pública, pondo a consciência humana acima do respeitinho por um Estado que se portou mal. Dreyfus continua a ser aqui e agora.

8
Dreyfus é quando um homem quiser. Qando quiser resistir, em nome da consciência humana contra o aparelhismo de Estado, quando este pretende assumir o monopólio do patriotismo e inventa bodes expiatórios. Mesmo quando volta Pilatos e fingindo a justiça daquele Salomão que cortou a criança reivindicada ao meio. Também houve inventonas e espiões em autogestão, cheios de boas intenções.

9
"A posteriori", depois do apito final, todos farão as habituais interpretações retroactivas da história, com a consequente literatura de justificação dos revisionistas, mesmo que o crime acabe por triunfar. Mas no caso Dreyfus, toda a república se portou mal. Foi de 1895 a 1898-99 e ainda não aprendemos.

10
O Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado. Fernando Pessoa sintetizou tudo neste lema.