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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

19.12.05

Servidão, bons alunos, gestores da dependência, escritórios de advogados e prémios ditos Pessoa



As notícias que fazem as primeiras páginas de Moscovo, Nova Iorque, Londres, São Paulo ou Buenos Aires pouco têm a ver com os desabafos serôdios dos nossos pretensos pais da pátria à procura do trono presidencial, como se isso fosse uma medalha de honra por feitos de um passado que já não há, nessa ilusão de medirmos a eficácia de uma pretérita governança pelas fitas cortadas nas inaugurações do estilo.

Aliás, os dados que marcam o ritmo das nossas presidenciais já foram quase todos lançados e grande parte do eleitorado parece reconhecer como inutilidade essa escolha do futuro inquilino do Paço de Belém. Porque qualquer um dos principais presidenciáveis não passa de simples bissectriz do mesmo paralelograma de forças que nos ultrapassa.



É por isso que os nossos candidatos não perdem tempo em discussões bizantinas sobre as banalidades da actual encruzilhada europeia, ou sobre os dramas da política atlântica ou da globalização, reconhecendo o nefelibatismo de qualquer atitude portuguesa face aos destinos do mundo.

Todos aceitam que fomos condenados a uma escolha que nos transformou em simples acompanhante do pelotão das potências secundárias, onde o máximo de independência a que temos direito é a de sermos bons alunos na gestão das nossas dependências.



Dependemos de algum jeito sindicalista no tabuleiro negocial da grande barganha das cimeiras europeias e, quando muito, podemos dar alguns pezinhos de dança com a superpotência que nos resta, junto da qual sempre podemos reivindicar alguma especificidade, invocando certas páginas originais da nossa história, nomeadamente as relações que pudermos manter com o Brasil e Angola.

Porque o sonho de uma CPLP, como espaço transversal de diálogo no contexto do multilateralismo depende fundamentalmente da evolução que venham a ter espaços de integração regional, como a União Europeia ou o Mercosul. A política internacional está cada vez mais neofeudalizada e pouco tem a ver com ilusão dos campeonatos mundiais de futebol.



É por isso que os grandes semanários de psicanálise da nossa classe política preferem falar de coisas bem menos nefelibatas, como o processo de fusão de dois grandes escritórios de advocacia, onde se recrutam consultores das principais empresas nacionais e distintos fazedores de opinião. Aliás, é destes donos do poder que vêm o próprio culturalmente correcto dos pretensos Nobel cá da parvónia, a que dão o nome de um escritor que nunca teve grandes prémios em vida nem a própria obra publicada, mas que agora tem casa-museu e director da dita, com acesso ao júri que se orna com o nome de quem era marginal quando estava vivo.

O problema nunca esteve nos nomes nomeados e premiados ou nos próprios jurados, mas naqueles que escolhem, ou podem escolher, estes últimos, sem os quais ninguém pode situar-se adequadamente na rede de controlo do processo de troca de bens, serviços, protecções e elogios.



A liberdade não é uma abstracção geométrica, mas a mera consequência de uma pluralidade de indivíduos autónomos. É uma vivência feita comunidade que só existe quando os homens livres são autores e não meros auditores, quando estes preferem a servidão à imprevisível revolta dos escravos. Hoje, não, amanhã será!