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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

22.6.07

Retalhos da vida quotidana de um acoimado, dito utente


O futuro das universidades, depois da ofensiva lançada por Gago no dia de anteontem, foi ontem abalado pela reacção do situacionismo da endogamia vigente, onde o CRUP alargou a sua frente de resistência aos discursos anti-vitalmoreira de Jorge Miranda, Marcelo Rebelo de Sousa e Adriano Moreira. Continuo a repetir o que ontem aqui enunciei. Se me entalarem entre estes dois extremos, prefiro a primeira opção, dado que sempre abre umas janelas donde poderá vir uma ventania regeneradora que, apesar de causar alguns resfriados, afastará certos bafios bolorentos.

Entretanto, continua a saga da campanha autárquica lisbonense, onde Monteiro chama Ginjas ao Manuel do Bexiga, conquistando tanto tempo de antena quanto Paulo Portas, que pôs o seu Bexiga a lexiviar "grafitti" com uma electrónica máquina de sulfatar. Já na cimeira de Bruxelas, depois do teatro, todos foram para o bilateral da hierarquia das potências, com Bismarck e Napoleão III a desconfiarem dos amigos de Peniche, embora seja provável que Sócrates herde um qualquer fumo que não será preto nem branco, mas da cor que tem o cinzento de Barroso.


Cavaco discursou em Wasshington, mas Bush não teve agenda para o receber, que também por lá vigora a hierarquia das potências. Por cá, para além dos discursos de Berardo sobre o futuro banco Benfica, numa espécie de magazine que substitui o habitual espaço dos gatos fedorentos, ficámos a saber que um sacerdote foi preso em plena cerimónia baptismal, enquanto Pinto da Costa continua a ter os efeitos arguidosos, lançados por um certo "best seller" nascido da raiva ex-conjugal.

Por mim, fui acoimado. Estacionei o carro sem recorrer ao parquímetro durante alguns minutos e quando voltei tinha um papelucho amarelo da Dona Emel que, errando na indicação do artigo do Código da Estrada que teria violado, me ameaçava com uma penalização entre 30 e 150 euros, ao mesmo tempo que me mandava fornecer uma série de cerca vinte dados de identificação pessoal.

No papel, eu, cidadão e munícipe, era carinhosamente alcunhado como "utente" e convidavam-me a visitar um "sítio" que cliquei, mas que estava apenas em desactivada construção.

Tive que telefonar e fui recebido por alguém, meio simpático, que se assumiu como especialista em direito rodoviário e me explicou que tanto podia ser autuado por papéis brancos, os dos agentes das firmas subcontratadas pela Emel, que passam multas mais pequeninas, as quais se podem pagar por multibanco imediatamente, como por agentes autuantes da dita Emel, que passam os amarelinhos mais duritos. Porque face a estes, receberemos outro papel acoimante que, se for pago dentro de cinco dias, atingirá apenas os 30 euros.

Fiquei esclarecedíssimo sobre a utilidade da campanha eleitoral autárquica e decidi não votar ou votar no que mais facilitar a destruição criadora deste domínio do senhor ninguém e do seu comunismo burocrático.

Aliás, nada me disseram sobre esta possibilidade legal da Dona Emel poder constituir uma base de dados privativa, dado que, neste regime de
simplex, o autuante, com delegação de poder estatal, apenas deveria ser autorizado a recorrer, de forma limitada, à base de dados específica do Estado sobre a matéria.

Também fiquei esclarecido sobre o cumprimento do princípio da igualdade. Pode haver atrás de mim cinquenta carros em segunda fila e cem em cima do passeio, mas o autuante que usa postais amarelos apenas me pode lixar a mim, porque nessse dia e nessa hora não passou por lá a firma subcontratada que usa papelinhos brancos nem o agente da PSP.


Julgo que seria melhor ao Estado delegar o seu poder autuante, não numa empresa municipal que o pode subdelegar em subfirmas, mas num qualquer cidadão aposentado ou reformado, para que este entregue os fundos obtidos pelos mal estacionados aos administradores dos prédios da rua, para que estes possam cumprir mais um diploma que, invocando Bruxelas, vai controlar a eficiência energética.


Este
leviathan lá vai cantando e rindo e a malta já nem sequer pode protestar. Viva o simplex
desta cidadania com muitas lojecas de enganar os papalvos.