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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

16.6.07

Como vamos caçar formigas com o DIAP se não enxergamos os elefantes nesta lojeca de chinesíssemas porcelanas?


Julgo que sou um velho liberal com modestas provas dadas, mesmo a nível do aparelho de Estado, como técnico que fui do extinto ministério do comércio e adjunto político de governos da mesma área. Mas também julgo nunca ter prestado uma só hora do meu suor em avenças, consultadorias, subsídios ou contratos com entidades empresariais, à excepção de uma universidadezeca privada, em regime de "part time", onde, aliás, fui explorado. Pelo menos, posso invocar, desses tempos da minha meninice curricular, ter estado na base da revogação dos preços controlados, ou na viragem para a instauração de um modelo concorrencial, quando a maioria dos peritos estaduais meus colegas ainda era adepta do 11 de Março, ou da interferência do corporativismo salazarento.

Estive também com Lucas Pires, no Largo do Caldas, como membro eleito da sua comissão política, ou como um dos pioneiros do Grupo de Ofir, quando o Jacinto Leite Capelo Rego ainda não fazia donativos a um partido que não era PP. Tal como participei como membro estadual em várias instâncias julgadoras de multinacionais e assumi funções de vice-presidente do comité de práticas comerciais restritivas da UNCTAD, eleito como candidato do grupo OCDE. Tudo antes de 1989.

Isto é, não falo apenas de som palavroso e de abstracções conceituais. Negociei taxas sobre biqueiras de sapatos em Genebra e sei o que foram tabelas de preços de cafetaria, tal como despachei sobre processos da Coca Cola, ou de hipermercados, aconselhando sempre o não intervencionismo. Conheço, de experiência vivida e mãos sujas em compromissos cívicos e políticos, estes meandros e até fiz a carreira toda, de técnico de segunda a assessor, com passagem por chefe de divisão, director de serviços e subdirector-geral, antes de moder dedicar doutoralmente a filosofices.

Hoje, como professor catedrático de nomeação definitiva, sou mero funcionário da comunidade, com concurso público que me dá independência igual à que costumam ter todos os que têm o mesmo estatuto nos países mais liberais e capitalistas do mundo que, sem ser por acaso, também são os menos corruptos e aqueles onde o Estado é mais respeitado, sem evasões fiscais e com rápidas condenações dos vigaristas, como ainda recentemete sucedeu com os USA de George Bush. Que cá, tudo como dantes, com as vaias de Abrantes.

Agora, tenho orgulho de poder dizer que o meu único patrão é a república dos portugueses, com quem me contratualizei em dedicação exclusiva. Daí que tenha as mãos livres para denunciar tanto os nossos estadualistas de trazer por casa, pintados de socialistas à onze de Março, mas pós-revolucionariamente convertidos à economia mística, como os herdeiros da União dos Interesses Económicos de Alfredo da Silva, que consideram os servidores do Estado como feitores dos respectivos interesses.


É como liberal que aqui protesto solenemente contra a manifesta arrogância de alguns agentes patronais, na sua procissão demonstradora da vergonhosa interferência do poder económico sobre o poder político, mesmo quando arrogantemente se abstêm de referir o financiamento partidário e os empregos que foram dando a políticos desempregados. Ao menos, na I República, quando foi constituída a União dos Interesses Económicos, o grupo de pressão assumiu a forma de partido político e foi a votos. Hoje, a entidade que se assume como sucessora dessa estrutura prefere as reuniões com as cúpulas governamentais e presidenciais, impõe o segredo de negócio, e o patrão dos patrões, sem qualquer pudor, declara, um pouco desleixadamente, sobre um ministro em funções, que ele já deu provas que é um bom funcionário e faz aquilo que se lhe pede.

Julgo que já Platão distinguia claramente a plutocracia da democracia. Tal como os democratas e liberais contemporâneos não confundem aquela com o capitalismo e sabem que o Estado moderno e o libertacionismo individual sempre foram irmãos gémeos do mesmo capitalismo democrático.

O Governo, a Assembleia da República e o Presidente da República não podem ser feitores de interesses particulares. Mesmo que não queiram, ou não saibam, ler a Constituição nos seus pormenores de pequena letra e pequeno espírito, são obrigados a servir a ideia de Constituição e os fundamentos de qualquer comunidade política.

Julgo que mesmo um destes juízes partidocráticos do Tribunal Constitucional pode escrever, numa folha de A4, um bê-á-bá de mínimos de um Estado de Direito ao serviço do bem comum. Pior ainda, quando a quase totalidade dos agentes que representam a república se diz detentora de uma ideologia dita socialista democrática ou social-democrata.

Por mim, como liberal, apenas digo que não há liberdade económica se for extinta a res publica, através deste processo amplo de leilão do poder que sempre foi a pior das formas de corrupção. Como vamos caçar formigas com o DIAP se não enxergamos os elefantes nesta lojeca de chinesíssemas porcelanas?