Depois da tempestade com que trovejou o começo da noite, chega a bonança da madrugada, as ruas lavadas, o ar limpo e o silêncio que precede o bulício da cidade. Espreito as notícias do dia, tento descortinar os signos que mobilizam o "agenda setting" e as bandeiras que se agitam nas guerras informativas. Até reparo que a nossa presidência da União Europeia já não é o "jogging" de Washington, mas a possível visita de Mugawe a Lisboa, ou a nomeação do bastonário dos nossos advogados como defensor dos McCann, sempre com Gordon Brown em fundo e com a saída de José Mourinho do Chelsea, enquanto Menezes queima os últimos cartuchos da sua saga antimendista. Desvenda-se o nome do académico com experiência empresarial que vai suceder a Paulo Macedo como Senhor Impostos e o novo Código do Processo Penal continua a ser confundido com as parangonas dos preventivos que têm de ser libertados. Espero que a Autoridade Nacional da Concorrência não abra um processo às universidades públicas que, em vaga, decidiram aumentar as propinas quase até ao máximo legal: perdoaram 14 euros...
Já mergulhado em plena "rentrée", apenas tenho saudade dos passeios que dei no Parque do Castelinho, da mochila, das sapatilhas dos "jeans", ouvindo as rolas e as gaivotas e o som dos galos de além fronteira. Recordo o lançador de morteiros à beira-rio, na festa de nossa Senhora da Ajuda, a azáfama das zeladoras dos altares de rua e os mordomos e mordomas que desenhavam flores diante da Igreja, usando chá verde, segundo as técnicas das mandalas budistas.
Por isso tento esquecer os bacanais de ódio que certa face invisível do poder estabelecido costuma provocar, esquecendo-se que assim se gasta pelo mau uso e se prostitui pelo abuso, quando coloca os instrumentos aparelhísticos disponíveis a nível da cloaca. Apenas noto, como dizia mestre Herculano, ao definir o essencial de um liberal: "Há uma cousa em que supponho que ate os meus mais entranhaveis inimigos me fazem justiça; e é que não costumo calar nem attenuar as proprias opiniões onde e quando, por dever moral ou juridico, tenho de manifestá-las".....
Repito o que já aqui observei: tudo parece continuar como dantes, entre aqueles resignados cujo destino sempre foi o de comer chicote, calar cenoura e esperar por mais, admitindo a hierarquia dos filhos e enteados, especialmente quando quem manda depende do levantamento mediático que instrumentaliza o pedibola, ou que faz assentar o financiamento partidário na barganha dos resultados e das arbitragens, nesse conúbio mesquinho onde continua a pagar o justo pelo pecador, para gáudio místico dos vendedores da banha da cobra, que tanto comentam a encíclica como o défice, como se Jesus Cristo percebesse alguma coisa de finanças. E quase apetece passar para o estado de activa intolerância face aos hipócritas e falsários que, refugiados no colectivismo moral da seita em que se inscreveram, nos querem condenar às grades da dependência.
Os restos da sociedade de corte provindos do salazarismo têm redobrado de actividade. Sabem que o poder em Portugal não é uma coisa que se conquiste, mas uma teia de relações de cumplicidade, quase todas discretas e algumas delas secretas. Utilizando a linguagem de Michel Foucault, podemos dizer que há uma rede de micropoderes, de poderes centrífugos, locais, familiares e regionais, com uma variedade de conflitos, dotados de articulações horizontais, onde também surge uma articulação vertical, uma integração institucional dos poderes múltiplos tendente para um centro político, para um poder centrípeto.
E entre esses vários micropoderes feudais e patriarcais, importa salientar os chamados poderes difusos que actuam pela persuasão e pela sedução, onde, para além dos controlos dos meios de comunicação social, há que salientar os gestores de conversas de salão, gabinete e conferências, desses pretensos "gurus" que, pintando-se de "mahatmas", não passam de almas policiescas, ávidas do caceteirismo expurgatório. Por mim, resisto.
Há sempre o tal poder que, segundo Robert Dahl, é "qualquer meio pelo qual uma pessoa pode influenciar o comportamento de outra". Em sentido amplo, qualquer meio utilizado por um actor para aumentar as suas possibilidades de atingir o objectivo pretendido. Um meio de que dispõe o sistema político para transformar os "inputs", das reivindicações aos apoios, em "outputs", em decisões.
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