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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

11.9.07

É esotérico demais ascendermos ao universal a partir da variedade do tempo e do lugar, mas vale a pena


Os meus habituais leitores não devem estranhar que nada diga sobre questões que dizem exclusivamente ao foro académico e ao foro criminal. Claro que se cumpriu uma audiência que aqui anunciei no passado dia 7. Sobre ela, nada direi, antes de o dizer aos que as têm que tal ouvir em primeiro lugar. Preferi falar das muitas viagens em que atravessei as marés do rio Minho e as ondas do mar de Vigo, porque, nos pinhais do Noroeste não havia brumas e o Atlântico continuou a ser caminho. Não há margens que nos detenham quando procuramos a foz.


Não preciso de neblinas nem de signos célticos para ter que ir ao Norte, sempre que sinto vazio de pátria e preciso do simbólico das trovas para reencontrar a semente do universal, limpando as poeiras do passado através das proas de uma qualquer barca que me dê as raízes do mais além.
Há sempre líricos caminhos de aventura que nos podem mobilizar, para vencermos os silêncios por cumprir. Há palavras de esperança que, pelas mãos do amor, podem ser corpo que nos dê daquela terra que sempre foi espírito. Há viagens que são beleza, mãos, olhos, cheiros, ouvidos e outros mais sentidos que nos podem dar o prazer de semear, o sonho de acrescentar ou o activismo de reinventarmos a criação.


Esse humano, demasiado humano a que não podemos ser alheios, para que se descubra o infinito de vivermos cada hora que passa como se fosse a última. Porque não quero ser mais um desses cadáveres adiados que vão procriando sinais de servidão voluntária.


Porque, sempre e em toda a parte, há quem se decrete mais igual do que outros, logo que procura transformar o conceito em preceito, por causa das embaciadas lentes com que pensam olhar as circunstâncias. É esotérico demais ascendermos ao tal universal a partir da variedade do tempo e do lugar. Só conseguimos proclamar crenças, princípios e valores a partir das nossas estreitas perspectivas. Só acedemos ao mundo, de que somos ínfima parcela, na sombra profunda de quem somos.


Por estes dias, fui olhando o verde espelho das águas do Minho. Os serenos choupais da outra banda, reflectindo-se nas correntes, a caminho da foz que apetece. O sol vencendo as neblinas da manhã. A gente que foi passando. Porque só olhando os outros é que podemos pensar quem somos e viajar dentro de nós.


Sabemos que há sempre filhos e enteados, donos do poder e perseguidos, bem como regras do jogo sem comunhão nem ideia de obra, que variam de interpretação, conforme os que as usam de cima para baixo, nesse modelo decretino do estadão que, aos caprichos do doméstico e do serralho, atribuem o qualificativo de interpretação autêntica, assente na penca do nariz de uma qualquer sua excelência e dos demais comedores e comendadores do ilustre chicote acenourado.


É por isso que, ao receber um "mail" de um colega de há quarenta anos, voltei a ser o nº 31 do 4ºB do Liceu de Combra. E que reproduzo a fotografia de cima: é provável que ali estejas a descoberto ou incoberto. Eu estou agachado, de gravata, à frente. Por uma razão: a máquina era minha e tinha disparo automático temporizado (mal calculado). E ficou assim.

Não reproduzo as solidárias referências pessoais que o meu colega de sempre me comunicou sobre o pretérito e o presente. Vou telefonar-lhe ainda hoje. E continuar a tratá-lo por tu. Transcrevo apenas o intemporal do sentimento: os acontecimentos (melhor que eu saberás) são assim: vividos por muitos, mas lidos diversificadamente segundo a experiência de cada um. Provavelmente até levo umas chumbadas colaterais, dos teus disparos no blogue contra alguns ( ou muitos?) grupos de referência politica existentes e desaparecidos. Quero eu dizer que provavelmente me identifico, no que escreves, com muitos dos sentimentos expressos, mas com muito menos nas ideias e menos ainda nas soluções. Mas é salutar que assim seja e mais saúde dá quando vemos alguém com autenticidade dar corpo ao funcionamento da democracia e não se ficar pela defesa do regime.
Obrigado, companheiro de sempre!