a Sobre o tempo que passa: De Scolari à madailização que nos envolve

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

13.9.07

De Scolari à madailização que nos envolve


Nestes reinos da quotidiana, horária e semi-horária hiper-informação, onde todos somos agentes da Judiciária ou treinadores de sofá, também todos pudemos assistir, em directo, à verdadeira "mentira" do fora de jogo de um esboço de murro que talvez tenha apenas arranhado "um pouquito" quem queria agredir o "menino". Por outras palavras, o senhor Felipão, talvez em homenagem à visita do Dalai Lama, caiu na esparrela de responder a uma eventual provocação e abandonou a sua posição de autoridade, para entrar nos terrenos movediços do poder do murro, isto é, deixou de ser o “mister”, o “professor”, o “coacher” e encenou uma imagem de agressor que agora ocupa todas as parangonas.

O que aconteceu no relvado de Alvalade já sucedeu em sessões de conselhos científicos de universidades entre doutíssimos catedráticos, quando ainda não
havia a hipótese de recurso a jagunços blogosféricos. A rapidez com que se passa de bestial a besta, ou de engraxado a punido, é facilmente demonstrada pela ligeireza com que agora se analisam as volutas cerebrais dos McCann, neste ambiente de “voyeurismo” de uma época essencialmente analisadora; onde o nosso público é zelosamente empenhado em julgar os grandes e pequenos acontecimentos, desde a revoltosa queda de uma dinastia de quinze séculos até à demissão imprevista de um cabo de polícia, também julga os grandes e pequenos homens, desde os heróis de cem batalhas até bagageiros inofensivos: desde César a João Fernandes, para utilizarmos palavras de Camilo Castelo Branco, de 1852.

Gostei mais, ontem, dos comentários, de “muita tranquilidade”, de Paulo Bento, quando confessou estar arrependido de um excesso que cometeu, enquanto jogador, no Europeu de 2000. E preferiria concluir que este episódio não constitui a eventual causa de uma qualquer mudança. Ele não passa de um sintoma da “madailização” que nos invadiu por dentro.

Como já escrevi há uns anos, tanto não tenho jeito para Sancho Pança, como também prefiro usar a lança da palavra, não contra moinhos de vento, mas contra as vacas sagradas que nos continuam a poluir. Não quero é abdicar daquele supremo direito da cidadania que é a liberdade de expressão, mesmo que continue a ter razão antes do tempo e que sofra alguns incómodos de vingativos salazarentos reciclados pela mentira. Neste sentido, julgo que seria uma ilusão tirar-se um bode expiatório da cena, mantendo os bastidores que o sustentam e os autores do guião de que ele é mero executante. Não vale a pena tratar as moscas com insecticida se permanecer, no ambiente, a fonte poluidora de que elas se alimentam.
PS Por mera coincidência, a revista "Sábado" transcreve, hoje, parte de um desses depoimentos que vou prestando, no âmbito da minha função de professor publicista: já não temos pugilatos parlamentares como em 1887, quando o 1º tenente Ferreira de Almeida esbofeteou, em plena Câmara dos Deputados, o ministro da marinha e ultramar Henrique Macedo, que respondeu a murro (7 de Maio). O pretexto da discussão foi um caso de indisciplina verificado no navio de transporte Índia. O Ministro acabou demitido e o deputado, condenado a quatro meses de prisão. Mas a Câmara dos Deputados alterou a sanção disciplinar aplicada a Ferreira de Almeida, que é suspenso como deputado e passa a estar sujeito a julgamento a levar a cabo pela Câmara dos Pares (28 de Maio). Ao que acrescentei: estamos longe de 1909 , quando o deputado regenerador, e futuro ministro de Salazar, Caeiro da Mata, em pleno parlamento, acusa Campos Henriques (um governo de camarilha e de sacristia, presidido por um traidor ) e Manuel Afonso Espregueira (chamou-lhe burlão, por causa de um empréstimo para os Caminhos-de-ferro do Estado) (10 de Março). Tudo acabou num duelo entre Caeiro da Mata e o ministro da fazenda (17 de Março). Também disse: não parece que tenha ocorrido, depois de 1974, a célebre sessão da noite de 16 para 17 de Julho de 1925, quando o deputado João Camoesas, para garantir a presença de deputados pró-governamentais fez um discurso parlamentar que durou nove horas (das 0 às 9 horas). Seguiu-se o deputado Agatão Lança, que começa às 9 horas termina às 13 horas e 30 minutos já do dia 17. Esperava-se a chegada dos deputados democráticos nortenhos no rápido das 14 horas. Mas as chamadas mulas de reforço não chegaram. O governo acabou por perder a votação (49-58), sendo aprovada a moção de desconfiança. Aliás, vários deputados da situação votaram contra o governo do respectivo partido, sendo, depois, irradiados.