Europa, Sistema Eleitoral e Greve: Faz falta ouvir a malta
Na sua opinião, como é que o poder político olha para as manifestações dos trabalhadores? Como «honestas» manifestações de descontentamento? Como manipulações de outros partidos? Como provas de vida dos sindicatos? Com desprezo ou com preocupação?
Julgo que o chamado poder político nacional, no contexto da globalização e da integração europeia, já funciona em regime de pilotagem quase automático, dado que a maioria dos factores de poder que consegue gerir já não são intra-nacionais e, mesmo no plano nacional, há uma contabilidade de orçamentações plurianuais e até inter-geracionais. Logo, um qualquer governo sabe, que acima de tudo, tem que gerir dependências ditas internacionais e interdependências globais. As ditas manifestações de trabalhadores não passam de mais uma das pressões que entram na caixa negra daquilo que alguns qualificam como governança sem governo, algo que se contabiliza friamente como mais um incêndio florestal, uma cheia ou uma pequena catástrofe natural. A não ser que dê em tsunami e provoque um curto-circuito no sistema global, coisa pouco previsível, dado que, como Jacques Delors definiu a Europa, ela consegue viver com um terço de excluídos sociais, desde que garanta uma contenção, ou uma pequena melhoria de rendimento dos dois terços do centrão sociológico, dos remediados da classe média baixa que, entre nós, sustentam os partidos do Bloco central que, aliás, também são as secções portuguesas das duas multinacionais partidárias dominantes na Europa (PPE e PSE).
Quanto a credibilidade, basta assinalar que o líder da CGTP é mais qualificado academicamente que a maioria dos ministros e dos dirigentes das associações patronais, assim revelando que está prestes a patentear-se uma nova forma de questão social, não prevista por Karl Marx e Álvaro Cunhal, a emergência do proletariado intelectual. Com 65 000 licenciados no desemprego, talvez surjam manifestações de massas das pretensas elites, esses novos clérigos donde podem surgir novos fundamentalismos, provocados por certa ditadura da incompetência na organização do trabalho nacional, na vertente da formação e do sistema educativo. Claro que os sindicatos, agarrados à velha questão social do século XIX, no marxismo ortodoxo do cunhalismo cêgêtêpista, ou à questão social-democrata do relatório Beverigde, fundador do Welfare State do pós-guerra, na versão do Engenheiro Proença, ainda não entraram no século XXI.
- O que precisam os sindicatos de fazer para ganhar relevância política em Portugal, como têm em França ou na Alemanha? E para mobilizar os trabalhadores?
A embriaguez discursiva dos aproveitadores das velhas lutas de classes não tem permitido inventariar as vítimas da novíssima questão social, esses novos marginais da globalização, da europeização e do chamado desenvolvimento situacionista, os quais são a efectiva realidade deste pretenso paraíso que, sem qualquer espécie de solidariedade, lança no desemprego essa nova forma de escravatura doce. A sociedade que estamos a gerar, para garantir os pretensos direitos adquiridos de cerca de dois terços de instalados, lança as novas gerações no precário da falta de esperança. E porque os privilegiados têm o monopólio da palavra e do reformismo, continuam a música celestial das reformas do sistema de ensino e da luta pela qualificação, pensando que todos os jovens têm que ter o futuro dos "jotas" da partidocracia, dos sete aos setenta anos, que eles empregam como assessores e adjuntos, através da velha encomendação neofeudal da cunhocracia e do clientelismo, sem vergonha. Basta notarmos como começam a surgir pequenas organizações contra o precariado, esses que sabem o que significam palavras como "call center", estágios, bolsas, recibos verdes e contratos a prazo e que não podem constituir família, ou comprar casa, mas até pagam imposto.
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