a Sobre o tempo que passa: SOS SOS SOS

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

18.10.08

SOS SOS SOS


Quase uma da tarde deste primeiro sabado de Dili. Uma internet lenta demais e, com longas brancas, especialmente no "wireless" que concedem aos agentes da cooperacao, apesar de o gestor, um engenheiro informatico paquistanes, ou la o que e, tentar superar o problema. Logo, volto a escrever de uma maquina sem regras ortograficas lusitanas, no espaco para agentes de negocio do Hotel Timor, pouco adaptado a nossa ortografia, apesar de ter sido reconstruido gracas ao apoio da Fundacao de Carlos Monjardino. Apenas para comunicar aos meus amigos e leitores que ontem ja tive o prazer de longas e belas horas de aulas e que, depois de tantas trocas e baldrocas, me voltei a sentir professor na sua plenitude, naquela funcao que e missao e que e vocacao, onde o trabalho nao e uma imposicao do regulamento ou objecto de analise dos tecnocratas da avaliacao, mas daquela comunidade em torno das coisas que se amam e que se chama sala de aula. Agradeco a todos os deuses esta oportunidade de libertacao.

Quando sai da universidade, voltei a reviver e aquilo que foram noites de dormir que o meu ritmo circadiano interpretou como se fossem uma curta sesta acabaram, esta noite, compensadas, porque foram quinze horas seguidas de soneca, para me sentir finalmente liberto neste novo fuso horario. Agora, perante novas circunstancias de tempo, posso novamente peregrinar pelo lugar, ja sem o peso da tralha burocratica a que estava agarrado, especialmente daquilo que o meu Professor Rogerio Soares qualificava como elefantiase legiferante, como aquela que temos em Portugal, esse universo comcentracionario de leis e regulamentos que obriga o agente aplicador a ter que cair naquele estilo da administracao otomana a que Hannah Arendt dava o nome de governo dos espertos, dado que o cipaio e o administrador de posto podem sempre escolher arbitrariamente qual a lei que hoje podem aplicar aos incautos cidadaos que estao na lista dos mal-amados.

Dai que me apeteca citar Camoes de memoria e proclamar que vale mais experimenta-lo do que julga-lo, para que julguem os que nunca o puderam experimentar. Basta reparar nos erros ortograficos deste postal para algum leitor poder pedir ao Carlos Monjardino que mande aqui para o hotel a que ele esta ligado um carregamento de teclados em segunda mao que tenham um til e uma cedilha. Basta que outros leitores tenham a ousadia e a imaginacao de pedir as respectivas escolas e aos respectivos editores que mandem para a Universidade Nacional de Timor Leste todos os livros que tenham em armazem e que querem amanha remeter para as maquinas de destruicao de papel. Nao custa nada fazer um embrulho dessas coisas e despacha-las ca para esta terra. Ate mas podem mandar, aqui para o Bairro da Cooperacao, que eu farei chaga-las ao sitio certo. Lembro a coiss, especialmente ao Henrique Mota e ao Paulo Teixeira Pinto que a devem sentir por dentro.

Ainda ontem, nas aulas, reparei que estes meus alunos manejavam o manual de Financas Publicas do meu querido Professor Teixeira Ribeiro. Tentando espreitar a edicao que nao conhecia, notei que a mesma era, afinal, uma bem montada fotocopia emitida, num destes recantos imaginativos de uma oficina de comerciantes chineses. Imediatamente, autorizei que o meu volume de filosofia do direito, por acaso esgotado, ha varios anos, em Lisboa pudesse ser editado clandestinamente por esta magnifica casa eleitoral da necessidade. Hei-de sugerir que facam o mesmo ao manual introdutorio do saudoso Professor Joao Castro Mendes, apesar de haver o mesmo na biblioteca, ao lado de longos codigos anotados sobre o nosso direito do trabalho e a nossa estrada que, naturalmente, ninguem consulta.

Quanto ao manual de Castro Mendes, peco imensa desculpa a Dona Lurdes e ao Senhor Costa, da ex-editora do PBX da Faculdade de Direito de Lisboa, a que concorria com o "stencil" do senhor Charneca, mas quero aqui perpetuar a palavra de um dos mais maravilhosos mestres que ainda conheci na Faculdade do Campo Grande. Julgo que a logica dos futuros magistrados desta terra do sol nascente merece ser impregnada pelas obras mais pedagogicas que a nossa ciencia do direito produziu no seculo XX. De qualquer maneira, este meu testemunho, se tiver alguma alma caridosa que o receba, bem pode ter alguns frutos, se certos leitores tiverem a pachorra de o transformar num "mail" que remetam as nossas escolas e editoras, do Rei dos Livros a Almedina, nao esquecendo a Coimbra Editora e todas as escolas de direito lusitanas. Remetam para a Universidade Nacional de Timor Leste os livros necessarios para a sementeira.

Do mesmo modo, se houver brasileiros nas mesmas circunstancias e alguem que faca chegar o apelo ao Rio de Janeiro, a Sao Paulo ou a Brasilia, todos agradeceriamos. Infelizmente, ja esta falecido o meu querido mestre Miguel Reale, porque ele, de certeza, iria bater a porta do maior editor de livros juridicos de lingua portuguesa, o Saraiva, esse mesmo, da Editora Saraiva, que nunca por Portugal repararam que era compatriota, ate para podermos furar o esquema da edicao de livros juridicos portugueses no Brasil. Porque nao bastam as boas feiras de livros que fazemos no Brasil ou noutros paises dos PALOP. E necessaria muita imaginacao e o esforco individual do portugues a solta.

PS: podia utilizar a tecnica do copy paste para resolver o problema da ortografia, mas apenas a deixo para verem como ate no Hotel mais portugues de Dili ninguem se lembrou de solucionar este pequeno nada...