a Sobre o tempo que passa: Pode haver quem seja quebrado, mas não torça por dentro

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

4.7.10

Pode haver quem seja quebrado, mas não torça por dentro


Fim de semana é quando a caixa de correio electrónica não se enche com emissões de regulamentos, fichas, grelhas e requerimentos com que os burocratas nos entopem, justificando o aparelhismo do poder pelo poder, seja qual for o sinal pavloviano que os ensaliva...

O correio electrónico, para desgosto da minha cachorra, ainda não consegue que o "spam" do estadão posto na net tenha o destino reciclador e ambientalista de mais de metade do "espesso" e das páginas de anúncios dos diários do Ti Oliveira ...

Cavaco, Santana Lopes, Freitas do Amaral, Fernando Nobre e Manuel Alegre acabaram de inscrever-se retoricamente no partido de Bava/Granadeiro, como se houvesse Ultimato. E Sócrates, depois de mostrar o capacete, deixa escapar uma fuga de informação para o inimigo: não vai acatar a decisão de Bruxelas. Porque, segundo Silva Pereira, não usou a "golden share", apenas quis dormir uma sesta. Assim se confirma como as empresas de regime não foram uma invenção de Sócrates... Por mim, prefiro a clarividência profética de Belmiro de Azevedo, embora não tenha os respectivos interesses...

Cumpre reflectir sobre os momentos em que temos mais olhos do que barriga. Porque, de boas intenções, está o inferno das nossas frustrações bem prenho... E a pega de cernelha da fusão da PT com a OI já começou a pingar para a primeira página do Diário Económico... Não me apetece ser carne de canhão para jogadas negociais das pombinhas do espírito santo...

Eu digo de outra maneira: a maior parte de Portugal está fora daquilo que são os cidadãos da República Portuguesa, não por causa da "forma republicana", mas por culpa de um estadão onde o Estado não somos nós, é um quaquer "lui" soberano que paira sobre os povos...

Há uma qualidade fundamental na arte da república (arte de governar é expressão do absolutismo) que tem o nome de estratégia: a arte de transformar vulnerabilidades em potencialidades e de evitar que as potencialidades se esvaiam em vulnerabilidades.

Isto é, a função para poder ser cumprida tem que preencher-se de poderes efectivos... o que quase sempre se consegue pela mobilização colectiva de um sonho que dê ideia de obra à comunidade e a mobilize através de manifestações de comunhão, mas cumprindo as regras do jogo político! Não me parece que a chamada soberania exprima essa fibra.

Aliás, não é por acaso que a coisa soberana só foi baptizada e inventada em 1576, tal como o seu irmão-gémeo, o Estado, é do primeiro quartel do século anterior. Por outras palavras, só fomos grandes antes de haver Estado e Soberania. Por acaso, um dos primeiros portugueses a reflectir a teorização de Jean Bodin foi um tal de Miguel de Vasconcelos que, com toda a coerência, sempre defendeu que soberanos só eram os Filipes (não é ironia).

1640 foi feito com outra teoria, aquela que os soberanistas qualificaram com "monarcómaca e republicana" (Dedução Cronológica e Analítica do pombalismo o disse)...

Os "eus" são uma emanação das "circunstâncias". Por enquanto, apenas há sementeira de resistência espiritual, onde pode haver quem seja quebrado, mas não torça por dentro