Líbia, ou o vazio de república universal
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Só há arremedos de república universal quando os altos desígnios de salvação da humanidade coincidem episodicamente com os interesses de uma das grandes potências, a quem convém fingir-se de polícia do universo. As frases que hão-de salvar a humanidade já estão todas escritas. Falta apenas salvar a humanidade, como dizia Almada Negreiros.
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A indignação retórica da comunidade internacional face a eventuais crimes contra a humanidade, nomeadamente o democídio, apenas demonstra como a justiça sem força é impotente, depois de se desperdiçarem forças nas areias de outros desertos. Rezemos para que a metodologia diplomática e a pressão multilateral metam medo ao tirano. Não quero ter vergonha do meu próprio tempo.
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A Líbia está, mais ou menos, no meridiano da "Mitteleuropa" e quase no paralelo da Madeira, entre o Mediterrâneo e o deserto. Isto é, apesar de já ser africana, do resto do mundo tem de ser perspectivada como o quase Ocidente europeu, mesmo diante de Roma. Isto é, é tudo menos periferia...
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Politicamente, Kadafi não passa de um subproduto do nosso colonialismo de ideias, principalmente da nostalgia da revolução perdida, como alguns dos nossos "maitres à penser" tentaram exportar para um qualquer lugar exótico de estranhas gentes, onde o poderiam exportar sem sofrerem as consequências...
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Há por aí muitos que continuam, à boa maneira dos "philosophes", procurando um lugar de conselheiros de déspotas que os não podem unidimensionalizar. Daí que proponham revoluções em comprimido, como se os catecismos pudessem ser livros de receitas de outras carnes para canhão...
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Há certas ideias de vulgata que acabam por ser mortíferas, quando geram laboratórios vivos de genocídios e democídios, mesmo que invoquem a impunidade revolucionária das boas intenções e a literatura de justificação das ideologias...
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Todos os Estados que não são produto de uma cultura enraizada trazem consigo a semente do terrorismo, quando a respeitabilidade internacional confunde a segurança com a paz dos cemitérios e um qualquer monopólio da violência, mesmo que não seja legítima...
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As nossas direitas e as nossas esquerdas têm os armários cheios de esqueletos, pelo que lamento as cenas do nosso parlamento de hoje, perdidas em jogos florais. Isto é, continuamos a ser enganados por nominalismos, plenos daqueles fantasmas e preconceitos que tanto santificam como diabolizam situações que nos continuam a falsificar...
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A tirania não é de direita nem de esquerda. É uma besta a abater. E o nosso regime tem pelo menos a legitimidade de poder exigir que outros façam o que temos praticado no domínio dos direitos exigidos pela dignidade da pessoa humana. Kadafi não é dos etéreos da utopia, para ser tratado como uma hipótese académica, aquilo que no ensino do direito se dizem "casos práticos".
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E importa recordar que o maquiavelismo, além de uma má moral, também é uma péssima política no médio prazo, mesmo quando pareça ter razão no curto prazo do negocismo e da diplomacia. E pior ainda quando se dedilham palavras como carisma, socialismo ou nacionalismo...
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