a Sobre o tempo que passa: Peguemos, então, as coisas pelo outro extremo: o multiculturalismo carece de reavaliação? Por Teresa Vieira

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

5.4.11

Peguemos, então, as coisas pelo outro extremo: o multiculturalismo carece de reavaliação? Por Teresa Vieira


O tecido familiar da cultura onde nos integramos inclui uma propensão de emigração constante e marcado por um refluxo em que a norma tende, muitas vezes, para ser a da identificação com o grupo ou com um grupo.

Enxertam-se muitas ideologias da diferença, que se tornaram poderosas e que se limitam a consolidar as diferenças já existentes.

Esta é a nossa cultura, aquela é a dos outros. E de um modo ou de outro este discurso vai prevalecendo à medida das sociedades fragmentadas e prenhes de multiculturalidade.

Afinal a identificação cultural é um fenómeno que está a ser demasiado válido para grupos e a cada bairro o seu feriado e o seu traje a ser usado.

As cidades estão de muitos modos etnicamente fragmentadas no seio de uma imensidão de culturas que, aquando dos encontros nas rotundas da confluência, surge-lhes a surpresa de se não entenderem em paz.
Ficamos surpreendentemente sem voz em muitas situações, ainda que não queiramos crer que possamos estar a ceder aos fenómenos paroxísticos de pertença de outros tempos.

Até o desporto começa a nada ter a ver com a ocasião de festa, mas antes se tenta inseri-lo num espaço de agressividade e de tensão, que se opõem à atmosfera de alegria que poderia ser propícia à comunicação dos estares e dos saberes das gentes oriundas de experiências diferentes.

Os meus direitos contra os teus direitos fazem-nos colocar a questão por um outro extremo: por uma reavaliação do multiculturalismo sem complexos de usurpações ou de hipócritas partilhas.

Afinal os males que se infligem à humanidade são sobretudo baseados no não entendimento do ser humano, cometido de muitos passados, até àquele a que não pertenceu, mas mimetiza.

Um individuo que assente a sua vida numa categoria lesada no passado, diga-se, não se pode tornar por essa razão, numa legítima e constante base de reivindicação e de atenuantes nas suas posturas quando erradas e errantes.

Pegar nas coisas por um outro extremo, é também criar uma mudança de paradigma a cada gesto, e dele fazer uma justificada filosofia política e jurídica.

A relação de contemporaneidade pressuposta no contratualismo deve ter um assento na prudência e, através dela, pois que se herde o pai fundador, ou então que se substitua de imediato, o insuportável entendimento de coisas recrutadas e não inatas aos seres, que só se devem reservar acima de tudo o direito a serem humanos e por essa convicção reconhecidos como tal.

A confrontação e a circularidade impõem-nos sem demoras a tarefa de reavaliar.

M. Teresa B. Vieira
4.04.11
Sec.XXI