Um cemitério de gananciosos mortos
Não resisto. Tenho de transcrever José António Barreiros:
Hoje, dia trinta de Novembro, faz anos que faleceu Fernando António Nogueira Pessoa, Fernando Pessoa. Segundo o assento de óbito ter-se-ia finado pelas oito e meia da noite.
A vida escoar-se-lhe-ia no Hospital de São Luís dos Franceses, ao Bairro Alto. Foi em 1935. No mesmo quarto hospitalar, a 15 de Junho de 1970, a morte encontraria José Sobral de Almada Negreiros, «o menino com olhos de gigante». Ontem, pela noite, sem pensar nisto, estive a ler os «Diários» de Jorge de Sena, agora postos em livro pelo empenho de sua mulher. E lá vi, num lamento revoltado do autor de «Sinais de Fogo» que a irmã de Pessoa, ingénua, pagava à editora que postumamente lhe publicava as obras do irmão Fernando. E lá vi, também, que uma das venerandas figuras das nossas Letras exigiu, para se incumbir de organizar a edição da obra em prosa, que, pagar por pagar, lhe pagassem sim a ele, os da família do finado, directamente. Li e fiquei a pensar. Dizem-me que é indecente falar dos mortos, e eu sei, excepto para os «encomendar». Decência por decência, é mais decente recordar Almada quando, incontido de raiva, gritou sobre a sua geração: «É uma resma de charlatães e de vendidos, e só pode parir abaixo de zero!». Então e hoje, se estas palavras matassem, éramos um cemitério de gananciosos mortos.
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