a Sobre o tempo que passa: Tropa, becas, professores, católicos e maçons

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

13.9.05

Tropa, becas, professores, católicos e maçons



Militares profissionais, de sargentos a oficiais, querem manifestar-se contra as medidas governamentais. Magistrados ameaçam fazer greve. Professores universitários põem anúncio a ver se ainda existe o ministro Gago. Católicos, por enquanto, manifestam-se contra certos bispos que afastam alguns outros párocos e estranham os longos silêncios de D. Januário, de D. Policarpo e do senhor Padre Milícias. Os maçons esperam que tome posse o novo grão-mestre e vão deglutindo a cena da lista dos informadores da Legião, solenemente entregue ao director da Torre do Tombo.

Portugal, onde sociedade civil sempre significou sociedade das ordens e onde pluralismo sempre quis dizer a manutenção das mesmas, corre o risco de assistir a sucessivos confrontos dos gestores do aparelho de Estado com aquilo que Sócrates qualifica como corporações, sem reparar como os efectivos grupos de pressão entraram em regime de clandestinidade. Portugal precisa urgentemente de dignificar os tradicionais grupos que nos deram identidade e que não podem ser confundidos com a face oculta da política.



Precisamos da tropa, não para se fazer um 28 de Maio ou um 25 de Abril, não para que os sargentos e esparsos oficiais organizem uma conspiração que leve Machado Santos a resistir na Rotunda, mas para que o grupo mais treinado nas técnicas e na deontologia de defesa da independência nacional constitua o último quadrado da nossa resistência. Se os senhores políticos e ministros pensam que engoliram as reivindicações dos militares, voltando demagogicamente o povo contra estes pretensos privilegiados, os senhores políticos e ministros não têm competência. O Portugal contemporâneo deixará de o ser se não se entenderem os gritos de revolta do sentinela, alerta!

Precisamos de magistrados, até porque sem partido dos becas não haveria liberalismo em Portugal e não podemos ter que continuar assentes nos erros de comunicação de uma dessas pessoas que não têm jeito para ministros, dado que não podemos confundir as férias judiciais com a falta de um global sentido de reforma do aparelho processual, só porque não há por aí um José Alberto dos Reis e quando poucos têm a coragem de dizer que, o 28 de Maio, a Ditadura Nacional e o Estado Novo foram, nestes domínios, bem mais reformistas do que a democracia, desde um Manuel Rodrigues a um Antunes Varela. E valia mais reconhecermos que a democracia não tem que continuar a pagar a factura dos erros cometidos por Laborinho Lúcio, ou a ter a ilusão de pôr na cadeira ministerial o candidato autárquico Negrão. Quando Maria José Morgado ainda tem muito para dizer e Celeste Cardona fez estágio no Ministério da Justiça para ser administradora da Caixa Geral de Depósitos, podemos concluir como este regime desprezou o sentido mobilizador do Estado de Direito.



E por hoje mais não digo. Nem da Igreja Católica que prefere agarrar-se à influência intelectual de Mário Pinto e de Manuel Braga da Cruz, antes de se mobilizarem para a candidatura de Cavaco Silva. Nem das universidades, que vão lendo e relendo os relatórios e discursos feitos por Veiga Simão e Adriano Moreira, antes de os militantes do Conselho de Reitores serem recrutados para a candidatura de Mário Soares. Nem dos maçons, onde se espera que, no GOL, brilhe a luz de sempre da tradição, ocultando os que foram para a ordem em nome da comenda e da prebenda. Portugal continua a precisar daqueles grupos que não pressionam, mas que podem aliar-se ao aparelho de Estado para se manter a vontade de sermos independentes.