a Sobre o tempo que passa: Efémero e efemérides...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

10.8.06

Efémero e efemérides...

E cá continuam minhas descontínuas efemérides. Hoje, nove de Agosto. Quando em 1945 caiu sobre Nagasaqui a segunda bomba absoluta. Na mesa data em que se dava a cerimónia do casamento de D. Maria Pia com D. Luís em Turim, isto é, quando os Braganças se uniram à Casa de Sabóia e passaram a ser mal-amados face ao Papa. Quando, em 1935, se desencadeou uma revolta de Francisco Rolão Preto contra o salazarismo.

Memórias que ontem, dia oito, não assinalei. Porque nesse dia do ano de 1975 tomava posse o quinto governo provisório, o último de Vasco Gonçalves, com que se fechava o PREC. No mesmo dia do ano de 1974, quando Nixon se demitia depois do escândalo de Watergate. Recordando 1912, na data em que Norton de Matos fundava a cidade de Nova Lisboa, no planalto do Huambo ou 1917, quando se fundava o Centro Católico Português, o partido católico em que militava Salazar, tão ordeiramente constituído por deliberação da Conferência Episcopal, quanto a União Nacional vai ser fundada por decisão do Conselho de Ministros.

E nestas efemérides da minha agenda, onde quase todas vêm da minha recolha pessoal de factos, e não dos almanaques que por aí se repetem e traduzem em calão enciclopédias, finjo que falo do passado, através de metáforas, sujando as mãos em compromissos do tempo que vai passando. Reagindo contra a ilusão de resolver guerras com o desespero das armas irresistíveis, através das quais costumamos medir a superioridade civilizacional da pretensa história dos vencedores.

Abrindo a caixinha fechada dos nossos fantasmas. Das relações da maçonaria e do catolicismo com o poder civil do Estado Contemporâneo. Desde a circunstância de a nossa última dinastia se ter irmanado com a tricolor maçónica de Garibaldi e Mazzini, o que tanto irritou o papa, à verdade de nosso Império Colonial recente ter sido uma criação de azuis e brancos e verde-rubros, também maçonicamente marcados, em nome da bela ideia de missões civilizadoras laicas, com que nos adaptávamos ao ritmo do nacionalismo místico da III República Francesa e do british modelo do white man’s burden.

E outro fantasma é o de Rolão Preto. Que tanto foi um fascista autêntico como um anti-salazarista consequente, de golpe de Estado e tudo. Coisa que em Espanha é acompanhada por um Dionísio Ridruejo, o autor do hino da Falange, do Cara al Suel, que passa a democrata antifranquista.

Por outras palavras, muitas lendas e narrativas de certa literatura de justificação dos camaleões, adesivos e viracasacas não aguentam a prova dos factos. É por isso que me divirto quando, ligando a televisão, reparo como antigos ministros que comandavam a PIDE nos continuam a dar lições de teoria da democracia.