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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

15.12.06

As frases que nos hão-de salvar já estão todas escritas, falta apenas salvar-nos




Atirei com bolas de oiro
à janela do morgado.
Acertei na morgadinha.
Ai Jesus! Estou desgraçado!
Ai Jesus! Estou desgraçado!
Ai Jesus vou p’rá cadeia!

Depois de sabermos que o Sporting de Braga conseguiu passar para a fase seguinte das competições europeias e de se confirmar a nomeação de Maria José Morgado para a centralização dos processos de investigação relativos à corrupção no futebol, o país acordou descansado e disponível para ouvir o chefe do grupo parlamentar do PP-CDS anunciar o lançamento da candidatura de Paulo Portas à substituição de Zé Ribeiro e Castro, agora que Maria José Nogueira Pinto está mobilizada pelo "não" à IVG e que Manuel Monteiro se congratulava com o discurso da magistrada Morgado no Congresso do seu PND. As tribos desavindas do Largo do Caldas continuam sem marcar um golo à Braga e assim não acederão à fase seguinte da competição política, nem com a gratidão da Conferência Episcopal Portuguesa.

Acertei na morgadinha
que estava a fazer meia.
Que estava a fazer meia
que estava no seu balcão.
Acertei na morgadinha
foi mesmo no coração.


Esperemos que a magistrada consiga transformar em prática os respectivos discursos em tudo o que é "agenda setting", que consiga transformar as respectiva "verba" numa eficaz "res" para bem da coisa pública e da necessária confiança do povo naqueles que, constitucionalmente, administram a justiça em nome do mesmo povo, mesmo que agora tenha de encerrar-se na exigente gestão dos silêncios. Esperemos que a montanha não venha a parir os ratinhos que, às vezes, se sucedem aos gémitos imensos.

Foi mesmo no coração
onde havia de acertar!
Agora vou p’rá cadeia
ninguém me pode salvar.

Preferia que tudo acontecesse segundo as clássicas regras da eficácia, como aconteceu com a estrutura judiciária de Coimbra sobre o processo que envolve o presidente da AAC, que só veio para os jornais no dia seguinte, embora reconheça que, neste momento, a PGR tem que saber lidar com o facto consumado, dos presentes julgamentos populares da opinião pública. Preferia que, em vez das presentes tragicomédias, em ritmo de telenovela, surgisse por aí um ministro da justiça que repetisse o modelo do ovo de Colombo, batendo à porta de um qualquer José Alberto dos Reis e optasse por uma limpeza científica nesta sucessão de reformas processuais, para que o urgente Manuel Rodrigues não seja mais uma vez um ministro da Ditadura Nacional.

De outra maneira, poderá ser que se opte pelo modelo do relatório alienígena, como acontece com o presente relatório da OCDE sobre o ensino superior em Portugal, com Alberto Costa a utilizar o modelo de Mariano Gago, pedindo aos juízes Baltazar Garzón e António Prieto que façam um relatório sobre a nossa endogamia, conservadora do que está, depois de não saber conservar o que deve ser. E de relatório em relatório até podemos abdicar dos restos da nossa autonomia pensante, até podemos extinguir a nossa própria liberdade nacional, abrindo um concurso público internacional de consultadoria para a própria governação.