a Sobre o tempo que passa: Com saudades do "conventus publicus vicinorum"

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

20.12.06

Com saudades do "conventus publicus vicinorum"



É tempo de sol e de frio, nesta bela chegada da invernia lusitana, aqui, na esquina da cidade que ainda conserva o sentido público da vizinhança, mesmo quando rareiam os homens bons da mais recente pequeno-burguesia de rurícolas origens e quando as instituições autárquicas se vão esquecendo das suas raízes no "conventus publicus vicinorum". Porque os conselhos são cada vez mais municípios estipendiários do império e, de tanta barganha capitaleira, acabam por perder-se nas teias da futebolíticas e da patobravice, deixando-se enredar nos meandros difusos da compra e venda do poder, com os seus avençados intelectuários e os seus sargentos verbeteiros da micropolítica partidocrática.

A própria democracia, que devia assentar na federação das nossas comunas sem carta, perdida em indiferentismo e corrupção, ameaça tornar-se num normal anormal de sucessivos indiferentismos, transformada em mero objecto do "agenda setting" de governos e oposições, perdendo o sentido dos gestos, onde o verso épico da martirologia antifascista soa a falsete, porque o principal perigo vem de termos crescido por fora sem crescermos por dentro, em civismo e autonomia individual, como sempre se exigiu a gente democraticamente bem educada.



Assim, perdidos no rolo unidimensionalizador desta apagada e vil tristeza, preferimos a mão estendida da cunha e do subsídio ao antes quebrar que torcer dos velhos repúblicos e daaquilo que era a tradicional fibra do português de antanho, desse homem livre da finança e dos partidos que tinha vergonha de andar de mão estendida para encontrar um lugar na fila do neofeudalismo e do neocorporativismo.



E não me venham com a lenga lenga da fatalidade globalizadora, porque é um crime cedermos aos processos colonizadores das repúblicas imperiais alienígenas, negando a biodiversidade cultural. De outro modo, apenas semearemos futuras revoltas fundamentalistas dos oprimidos pela cultura plastificada, onde o "medium" substitui a "mensagem" e a forma elimina o conteúdo. Prefiro manter o nosso tradicional olhar antropológico, essa velha mas não antiquada disponibilidade para o abraço armilar.