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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

19.12.06

Os meus votos de Bom Natal, nestas vésperas de solstício, em plena guerra que não é formalmente guerra



Voltei agora do Rádio Clube Português, onde, sem música de natal e ida ao hipermercado para comprar prendinhas, me juntei às vozes dos que, na senda de Kant, de Cristo, dos estóicos ou de Confúcio continuam a clamar por uma paz que não seja a paz dos cemitérios, mas apenas a declaração do fim de guerra de todos contra todos, como é esta falsa ordem internacional ditada pela falsa paz dos vencedores. Porque, se a nível interno dos Estados de Direito conseguimos a imperfeita institucionalização dos conflitos, a que damos o nome de democracia pluralista, ainda não demos passos mínimos para acabar com o regime de estado de natureza entre os Estados e as soberanias. Ainda não assumimos o programa de Kant, datado de 1795, lançando as sementes de um verdadeiro direito universal, capaz de dar justiça aos homens de boa vontade.



A ditadura dos Estados a que chegámos e as páginas escritas pela história dos vencedores, entre as duas superpotências da guerra fria, esses escorpiões venenosos que se mordiam dentro de uma garrafa, e a presente desordem internacional bem organizada, com uma só república imperial e um cube de vencedores, expresso pelos membros permeanentes do Conselho de Segurança da ONU, constitui a negação da terra dos homens livres. Importa que a história volte a poder ser escrita pelos vencidos e pela esperança dos desesperados.



Criemos uma arquitectura institucional universal feita de acordo com os interesses e os valores da maioria da humanidade que ainda faz parte da história dos vencidos. Acarinhemos as liberdades individuais, da sociedade civil internacional e das nações que rimem com libertação e com comunidade de destino no universal. Entendamo-nos à maneira de Fernando Pessoa:
o Estado está acima do Cidadão, mas o Homem está acima do Estado. A nação é apenas a forma de passagem para a super-nação futura. Tudo pela Humanidade, nada contra a Nação.



O homem internacional ainda continua a ser pior do que o hobbesiano lobo do homem. Muito lorenzianamente somos, cada vez mais, ratos do próprio homem. Só os valores universais do respeito pela institucionalização dos conflitos e um verdadeiro modelo de Estado de Direito universal nos poderá dar a necessária justiça, com a consequente paz na terra, para os homens de boa vontade.