a Sobre o tempo que passa: A privatização das públicas e a mesma vontade de poder

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

1.3.07

A privatização das públicas e a mesma vontade de poder

Alguns jornais, poucos, lá começam a levantar certos véus que ocultavam as quezílias das universidades privadas, nessa habitual lei da selva com que borrámos a pintura do conceito de privatizações, esquecendo-nos que figurões do mesmo jaez também "privatizaram" inúmeras fatias das chamadas universidades públicas e até do próprio sistema de controlo destas mesmas entidades. Porque, em todos os casos, a falta de controlo do abuso do poder e a própria falta de vergonha geram o regresso a feudalizações, em nome da necessidade da protecção, tanto para a obtenção do vencimento mensal como para a própria ascensão na carreira.

Aliás, basta espreitar para os próximos capítulos de algumas secções de universidades públicas , onde abundam os especialistas nestes meandros da troca de favores, coisa que aprenderam nas privadas, onde estabeleceram redes protectivas e os podem levar a assumir-se como uma espécie de "senhores dos aflitos", conjugando, de forma maquiavélica, nietzshiana e freudiana o verbo "mandar" que faz coincidir a direita sem alcunha com a esquerda pintada de cor-de-rosa às pintinhas.

Se, por exemplo, eu fosse o mandador-mor numa licenciatura onde não há nenhum doutor da especialidade, isto é, onde a esmagadora maioria dos docentes tem um vínculo precário, eu podia ser, naturalmente, algo próximo da categoria de director de colégio secundário ou de pequeno reitor de uma grande privada. Logo, se eu promovesse a constituição de uma lista de candidatura, no âmbito do processo da actual gestão democrática de uma certa escola, eu teria todas as hipóteses de controlar toda esta secção de ilustres votantes.


E se me juntasse a mais um ou dois pares controladores do mesmo tipo de licenciatura, eu e os meus federados poderíamos chamar um figo ao controlo da coisa, bastando que a maioria mais do que absoluta dos votantes fosse de docentes convidados ou assistentes sem mestrado. Isto é, eu mais dois, três ou quatro doutores, no âmbito de três dezenas de docentes dessa categoria e de quase duas centenas de docentes aflitos, poderíamos fintar o espírito da lei, dar-lhe o carimbo de democrático e brincar à vontade de poder.

O que acabei de ficcionar faz, infelizmente, parte da realidade de uma secção da universidade pública portuguesa e é o resultado de uma péssima lei que até permite que, a uma semana do fim do prazo da apresentação de candidaturas, se tenha alterado o conceito de eleitor, por simples despacho administrativo. Aliás, na mesma entidade, o próprio conceito de investigação científica oficial reside num único centro de investigação, onde, aliás, manda o cabeça de lista que, por acaso, também é o presidente do conselho directivo em funções.

Aliás, na mesma entidade, três anos antes, dois docentes, antes da jubilação, chegaram a ter a quase totalidade dos cargos de coordenação das unidades pedagógicas e científicas, brincando a eleições, porque detinham a dependência da maioria absoluta dos eleitores, utilizando o conceito de gestão democrática da escola para transformarem as chamadas eleições em plebiscitos à personalização do poder, no âmbito da encomendação feudal herdada.

O que se passa nalgumas universidades privadas é apenas a parte visível de um "iceberg" que alastrou enregeladamente por outros segmentos públicos, onde, às vezes, coincidem as mesmas pessoas. Porque todas as que referimos em abstracção bem real também andaram nas aventuras da Livre, da Lusíada, da Autónoma, da Moderna e da Internacional, bem como no processo das avaliações nas públicas, privadas e concordatárias. Basta que se consultem os "curricula" e o legado de discipulato que reclamam.

Peço desculpa por falar livre, mas já não preciso de fazer mais concursos para o meu "cursus honorum", nem de votos para me candidatar a qualquer lugar. Já estou imune à necessidade de cunhas ou de barganhas pré-eleitorais. Apenas espero que o Estado garanta a liberdade de ensinar e de aprender, libertando a liberdade de ensinar, de aprender e de investigar das encomendações que marcam o ritmo dos conceitos de "administração" e de "financiamento".