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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

23.2.07

Se o poder enlouque, o poder absoluto enlouquece absolutamente

Porque ontem, todos os partidos discursaram sobre corrupção, glosando essas modas que hão-de passar de moda, chamadas João Cravinho e Maria José Morgado, em dia de mais novidades sobre os enredos da actual câmara municipal de Lisboa, acabámos todos por assitir em directo à transmissão das vitórias do Benfica em Bucareste e do Braga em Parma, esquecendo-nos do Apito Dourado, do José Veiga e da Parmalat, apesar de ainda vermos em pleno um João Pinto. Aliás, hoje, há sondagens e vê-se como o PS ainda está a vinte pontos de superioridade face ao PSD.

Por isso, prefiro recordar que a Dona Maria da Cunha, prima da Senhora Dona Política e do Senhor Amor Próprio, para parafrasear a antiga, mas não antiquada "Arte de Furtar", obra publicada anonimamente em 1652, com o subtítulo Espelho de Enganos, Teatro de Verdades, Mostrador de Horas Minguadas, Gazua Geral dos Reinos de Portugal, sempre foi dotada de sagacidade hereditária e de modéstia postiça. Criou‑se nas cortes dos grandes Principes, embrulhou‑os a todos. Logo todos falam de política, muitos compõem livros dela e no cabo nenhum a viu,nem sabe de que cor é. Porque a primeira máxima de toda a política do mundo que todos os seus preceitos encerram em dois, como temos dito, o bom para mim e o mau para vós. Ao aceitar a regra de viva quem vence. E vence quem mais pode, e quem mais pode tenha tudo por seu, porque tudo se lhe rende, neste ponto, errou o norte totalmente, porque tratou só do temporal sem pôr a mira no eterno.

Reparo que vivemos em plena ditadura do défice, herdeira daquela ditadura das finanças que levou Salazar ao poder, pelo que corremos o risco de entrarmos em regime de salazarismo democrático, nesse submeter-nos para sobreviver para aguentarmos a bolsa e a vida. O que talvez explique a angústia do principal partido da oposição que, sabedor dos ditames do programa de aplicação do défice da União Europeia, prefere que Sócrates faça o jogo do tratamento de choque e que, na hora certa, o instinto predador gere um novo líder que vá fazer a rodagem do carro ao próximo congresso da Figueira da Foz, nessa Blitzkrieg ensaiada, onde rebus sic stantibus, sempre em nome da alteração anormal das circunstâncias.

Corrupção vem do latim corruptio, acção de romper pelo meio, de rasgar em partes iguais, de ir ao centro da coisa e desintegrá-la. De corrumpere, tornar podre, decompor. Ela começa sempre pelo centro e visa a destruição total do ser. Diz-se de todo o processo de compra do poder, onde o comprador deseja obter parcelas do poder. Trata-se efectivamente de um roubo de poder.

Para Lord Acton o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente. O mesmo pessimismo leva-o a dizer que se devia desconfiar do poder mais do que do vício e que a História não é uma teia trançada por mãos inocentes. Entre todas as causas que degradam e desmoralizam os homens, o poder é a mais constante e a mais activa. Entre nós, talvez seja preferível citar Alain, para quem se o poder enlouque, o poder absoluto enlouquece absolutamente.