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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

31.5.07

Bolonha, quando havia uma corporação de estudantes e professores, apoiada pelos reis e homens bons das cidades, ao serviço da república

Ontem não comuniquei por blogue, dado que cumpri a missão de senador eleito da minha universidade numa reunião plenária desse órgão soberano, em tempo de crepúsculo institucional. Claro que fiz a minha intervenção, dita filosófica, onde disse o que aqui tenho proclamado, sobre esta esta encruzilhada. Ficou o registo. Até disse que poderia ser uma das últimas reuniões da UTL, se a principal escola se fundacionar. Mas ninguém efectivamente informou os senadores daqueles segredos que circulam nas alturas do CRUP, da PCM e da AR, entre a imaginação decretina de ministros, partidocratas e deputados, todos entretidos na sua "révolution d'en haut".

A herança absolutista que nos enregela continua a considerar que público é aquilo que vem, muito verticalmente, de cima para baixo, de sua alteza o estadão para a planície unidimensional dos súbditos. Em segundo lugar, a mesma herança colectivista e antiliberal também confunde o privado com o lucro, tal como atribui ao concordatário o monopólio do místico e do espiritual. Em terceiro lugar, interpreta o regime constitucional do Estado de Direito, de acordo com a mentalidade regulamentarista do princípio da legalidade.

Esta instituição plurissecular chamada universidade, que já existia antes de haver Estado, enreda-se na política de sigilo do estadão e não consegue que se invente um estatuto adeuado à sua natureza, para a situar no seu verdadeiro lugar: aquilo que, muito à maneira anglo-americana se chama sociedade civil e que, entre nós, se deveria dizer o sector comunitário, que não tem de ser público nem privado, mas uma ideia de obra, um sistema de autonomia, onde as regras vêm de baixo para cima, e a inevitável manifestação de comunhão entre os respectivos membros.

Quando Bolonha, a do século XIII, espalhou o processo de restauração da academia de Platão e do liceu de Aristóteles por toda a Europa, ainda não havia Maquiavel, o inventor do Estado, nem Bodin, o inventor da soberania. Havia uma corporação de estudantes e professores, apoiada pelos reis e homens bons das cidades, ao serviço da república. Não havia ainda despotismo ministerial, partidocracia, nem centralismo governamental ou parlamentar, com o seu direito administrativo, de absolutista marca, incluindo a da democracia absolutista. Eu tenho saudades de futuro. E, em termos universitários, sou mesmo corporativista, isto é, pelo corporativismo pluralista, federalista e de associação, inimigo do corporativismo de Estado do salazarismo, que estragou a palavra e me obriga a falar em anglo-americano, reclamando para a universidade a autonomia da sociedade civil.

Logo, não podia haver uma universidade dita privada, maioritariamente detida por um autarquia local, onde o presidente, com menos de catorze de licenciatura, era o presidente da direcção, alimentado sem vencimento, mas com gasolina, refeições e senhas de presença, enquanto acumulava com as funções de presidente da assembleia da mesma autarquia, tornando-se depois o futuro presidente do partido que tinha a maioria na mesma chafarica. A advogada que logo avençou seria também a vice-presidente do seu partido. O autarca com quem estava aliado seria afastado do respectivo partido quando se zangou com o chefe.

Julgo que não será aconselhável deixar que esta classe política monopolize a discussão sobre a matéria.