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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

20.5.07

Destas boas intenções e colectivismos morais ficaram os gulagues totalitários cheios...


Quem é catador dos almanaques da história, pesquisador de alfarrábios e coleccionador de papéis esquecidos, registando factos e analisando comportamentos, pode, sem qualquer arrogância de ciência certa, concluir que os tempos que, por agora, vão passando são mero crepúsculo, plenos de "guerrazinhas de homenzinhos", onde têm direito a parangonas os mesmos pequenos literatos partidocráticos que consideraram Fernando Pessoa um poeta menor e nem lhe deram o lugar de bibliotecário em Cascais, ou os que escreveram artigos de primeira página num jornal de Lisboa contra o pretensiosismo de Alexandre Herculano. Não reparam que não passam de lixo cujos nomes nem constam da memória dos próprios investigadores desses caixotes, onde os polícias da ASAE são atacados por sopa quente na feira dos fenómenos do Entroncamento e sem recompensas de multinacionais a GNR recupera uma criança raptada, assim se demonstrando como os cidadãos da União Europeia da Roménia não são iguais aos do Reino Unido.

Julgo que as senhoras adalgundes e marianas não constarão sequer de uma simples nota de página dos memorandos que relatarão as anedotas do tempo presente. Todas fazem parte de uma categoria que se aproxima daqueles insignes ficantes que pensam que, por fazerem parte de um grupo nominalmente antifascista, não podem cometer actos antifascistas, mesmo que os qualifiquem como o partir dos dentes à reacção.
Da mesma maneira, actuam, aliás, os integrantes da procissão dos filhos dilectos de outra seita de sinal contrário. Destas boas intenções e colectivismos morais ficaram os gulagues totalitários cheios... Os pilatos de sacristia sempre lavaram as mãos face aos barcos que partiam para os desterros de Angra, de Timor e do Tarrafal...

É por isso que assisti ontem em directo às cenas do chamado congressinho do CDS, onde o palanque apenas serviu para telejornais, dado que a esmagadora maioria dos mil e quatrocentos congressistas preferiu ir para os corredores e para a rua, brincar aos jogos de tendências. Nesse mesmo dia, publicou o Público breves comentários meus sobre a matéria porteira:

"Dentro do esquema de transfiguração, tudo se pode esperar dele, desde montar um esquema para fazer uma coligação com o futuro líder do PSD, como para ser um partido de charneira, muleta do PS em 2009", considera o politólogo José Adelino Maltês, antevendo que "o pós-ideológico Paulo Portas vai colher à rede quem vier com ele". Para garantir o seu espaço, o líder do CDS não hesitará em assumir-se num dia como um líder populista e, no outro, como antipopulista, num jogo com o eleitorado que lhe permita alcançar a fasquia dos 10 por cento de votos em 2009.

Por outras palavras, o partido que Portas monopoliza não passa de uma das peças da engrenagem situacionista, isto é, sendo tão catch all como o PS e o PSD, apenas deles difere por ter bem menos votos e militantes. Pode encenar frémitos ingentes da montanha prestes a dar à luz, mas apenas procria a candidatura de Telmo Correia, quase a nível da de Manuel Monteiro...

Por isso, como especialista de agenda setting, gerou este artificialismo de pôr os heterónimos a encabeçar tendências, mantendo o lastro da falta de autenticidade dos endireitas do Caldas, onde cabem tanto os beatérios do Padre Cruz como as fingidas heranças jacobinas, com reencarnações de Amaro da Costa, Freitas do Amaral e Adriano Moreira. Por isso, até nem faltou um alto hierarca porteiríssimo a invocar, ontem, o saudoso grupo de Ofir, talvez para fazer esquecer que Portas, depois de ter sido nomeado para um alto cargo de Estado por Francisco Lucas Pires, acabou por tentar assassiná-lo em directo na televisão, acusando-o de um pretenso desleixo físico, sem qualquer espécie de pudor. Consta também que o secretário-geral vai ser aquele senhor que foi à televisão insultar os óculos e o aparelho auricular de Sousa Franco.

Como membro do dito grupo de Ofir, julgo que noventa por cento dos participantes dessa aventura tem a mesma opinião que este resistente que subscreve o presente postal. O actual CDS/PP presta mau serviço às ideias liberais, quando propaga a imagem do partido dos ricos e do negocismo. As ideias liberais, plurais e complexas, porque rimam com as aristotélicas e tomistas justiça comutativa, justiça distributiva e justiça social, não podem cair na betesga de um qualquer porta-voz bem falante ao serviço de grupos de interesse que precisam de pontas de lança para a manutenção da presente injustiça sistémica. Porque justiça não passa de sinónimo de igualdade, tratando desigualmente os desiguais, mas com igualdade de oportunidades.