a Sobre o tempo que passa: Para além da guerrazinha dos luizinhos e do espectáculo dos pedrinhos interrompidos pelos mourinhos

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

27.9.07

Para além da guerrazinha dos luizinhos e do espectáculo dos pedrinhos interrompidos pelos mourinhos


Ontem, foi dia particularmente sentido. Recomeçaram as aulas em plenitude, sobretudo a emoção do reencontro com uma plateia de alunos, nessa quotidiana aventura de quebrarmos as barreiras da função e de descobrirmos os signos das novas gerações que renovam quem somos, onde quem ensina deve ter a humildade de continuar disposto a aprender. Ontem, também foi a notícia da morte de um mestre de vida e a volta que dei por outra secção da universidade, onde retomei a senda de contacto com mais sábios mestres e mais jovens professores, alguns dos quais meus alunos. Ontem, entre a morte e a vida, a vida continuou sua senda.


Hoje, novo dia. Quem, todos os dias, se escreve publicamente, deixando que todos possam peregrinar suas luzes e sombras, apenas admite que todos passeiam com os pés na lama do caminho, mas de olhos postos no sonho. Porque, nestes meandros que vamos partilhando com todos os outros, podem surgir pequenos retalhos de uma vida que é comum a todos aqueles animais que, por se reconhecerem finitos, trataram de inventar o infinito. Porque, ai de nós, se não assumirmos a história e o mistério dos seres que nunca se repetem, vivendo acontecimentos que também nunca se repetem.


Porque se, todos os dias, chegam sinais de amargura e revolta, quem ousa ir além do ritmo da harpa dos descrentes e do fel que nos circunda, pode envolver-se na própria força da esperança, do querer ir além da espuma do efémero. E nada melhor do que o reforço da solidariedade de velhos companheiros e amigos.


Ontem foi dia de pensar na morte, em nome da vida. E lá consegui continuar a olhar o sol de frente, nesta sucessão de encruzilhadas de que, afinal, é feito o quotidiano de quem não segue a lógica do homem de sucesso e rejeita dividir o mundo entre os bons e os maus, entre os conjunturais aliados das ilusórias guerrazinhas e os pretensos inimigos, com que alguns confundem as ameaças da mudança, os quais, afinal, não passam daqueles diferentes que os opositores recusam compreender.

Porque vale a pena recusar aquela concepção do mundo e da vida segundo a qual tem razão quem vence. Porque vale a pena o diálogo da polémica e da institucionalização dos conflitos da ideia de democracia, de acordo com aquela perspectiva neoclássica dos que não têm inimigos, mas diferentes perspectivas sobre os mesmos lugares comuns e o mesmo bem comum, institucionais, quando ainda há ideia de obra, regras que se respeitam e comunhão de coisas que se amam.




São sinuosamente longas estas veredas da vida que se situam naquela zona onde o público interfere no privado e pensa poder comandar a vida pessoal. Especialmente quando, muito esquizofrenicamente, reduzimos a tal vida ao processual mundo dessas abstracções chamadas relações jurídicas, as tais relações da vida social que o poder do Estado escolhe moldar, para que o teatro da administração da justiça, em nome de outra abstracção chamada povo, finja que o direito se pode confundir com a realidade, dando aos juízos de valores sobre conflitos de interesses, plasmados na lei, a coloração de um certo mínimo ético. É por isso que não comento a guerrazinha dos luizinhos e o espectáculo dos pedrinhos interrompidos pelos mourinhos. Daqui a uns breves espaços de tempo lembrarão tanto como a eliminação dos dragões pelos fátimas e nem sequer serão notas pé-de-página da micro-história.

Há políticos que foram cimeiros porque antes foram presidentes de clubes de futebol e por causa de também antes terem sido comentadores profissionalmente televisivos de jogos de futebol, mas que agora se revoltam com interrupções de directos sobre a chegada ao aeroporto de treinadores de futebol. Aliás entre pedrinhos e mourinhos há o mesmo estilo de chicotadas psicológicas, embora diferentes histórias de sucesso quanto às políticas de imagem e de gestão de carreira. Porque, entre o que parece e o que é, há sempre o risco de não se comandar o "agenda setting", incluindo os figurantes contratados pelo PS a uma ilustre fábrica de palhaços, para ilustrarem um livro sobre as leis da república, onde até liberais como Almeida Garrett e José Estevão lá ficaram militantes do partido republicano-socialista, para risada da história retroactiva, com que nos querem lavar as memórias.


Quando vale tudo na luta do poder pelo poder, resta a demagogia profissional do discurso eficaz e o populismo calculado pelos tecnocratas da comunicação política, pelo que toda a macropolítica pode ser reduzida a um país que está tão são que até pode ficar dependente de quem foi ao multibanco pagar as quotas de duzentos militantes da cidade de Maringa, na Amazónia, sem atender a todos os parágrafos de um parecer do Professor Doutor Jorge Miranda. Estou convencido que se o mourinho se candidatasse enquanto o pau vai e vem, ele ganharia todas as directas, incluindo as da república.