a Sobre o tempo que passa: SIRESP, Santana, Jardim, Manela e as análises sociológicas do presidente

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

27.4.08

SIRESP, Santana, Jardim, Manela e as análises sociológicas do presidente


Não assisti em directo aos discursos oficiais do 25-A. Tanto não ouvi Gama clamar pelo regresso às ideias políticas (sic), como não me emocionei com o comentário sociológico do presidente sobre um estudo de opinião que encomendou à universidade concordatária de que é professor e que não sei se passou a ser o novo gabinete de estudos presidencial, para gáudio da conferência episcopal. Também não fui à manif do unitarismo frentista do Rossio, entre os capitães que restam e os cunhalistas manifestantes, apenas a atravessei a caminho do Tejo, espreitando os ranchos e trajes folclóricos da velha FNAT.


Tive, no entanto, cuidado em espreitar a reportagem da TVI sobre o SIRESP, onde andaram na baila Daniel Sanches, Dias Loureiro e António Costa, bem como o principal do BPN, nome aveirense que se me desconectou da memória. Li, depois, a primeira página de O Sol, onde vêm os quatro grandes advogados do regime (Sérvulo, Pena, Galvão Teles e Júdice). Finalmente, observei pausadamente a entrevista de Pedro Santana Lopes à SIC, no lançamento da respectiva candidatura a presidente do PSD. Hoje, reparei em mais uma das bocas do Alberto João, qualificando o movimento Ferreira Leite como candidatura do regime. A procissão ainda não saiu do adro.


Prefiro notar nos comemorativismos pós-revolucionários, nestes trinta anos de esquerda contra a direita, com programas de esquerda geridos por temperamentos de direita e vice-versa, onde a esquerda faz de direita e a direita diz que não é de direita, à boa maneira dos cristãos novos com medo da inquisição. Percebi que, por cá, o normal é haver destes anormais, porque os homens livres, se quiserem ser coerentes, isto é, viverem como pensam, estão condenados ao exílio interno. Os donos do poder, com a sua normal anormalidade, costumam ostracizar e demonizar os doidinhos que não se adaptam ao molde do controlo social que os vai beneficiando.


Nem reparamos que os novos contratadores do Estado, os descendentes dos defuntos devoristas, sabem que não há hipótese de os setembristas desembarcarem no Terreiro do Paço e que os patuleias estão balcanizados em futebolítica. Continua em vigor o estadão da Convenção do Gramido que nos cabralizou a todos. E os neocabralistas tanto deitam os foguetes como logo apanham as canas.


São eles que já emitem as leis que nos regem e de que eles se dispensam, no "outsourcing" do "off shore", coisas que, nos respectivos pareceres, confirmam como total e escorreitamente lícitas, embora não citem Cícero, o tal que dizia que nem tudo o que é lícito é honesto. Acontece que os nossos neodevoristas, porque têm também o monopólio da palavra que decreta qual o conteúdo do discurso dominante, até conseguem fabricar a chamada moral social dos ditos bons costumes, dos quais se assumem como homens bons.


Por mim, apenas os rejeito. E fico à espera da revolução de Setembro e da eventual patuleia democrática que os ponha no olho da rua, sem efusão de sangue. Seguindo o conselho cavaquista, não me resigno. Mas lixo-me. Desliguei a televisão quando nos reduziram ao nível do Ferreira Torres e dos apitos de Marco de Canavezes...