O vianense "lapsus calami" de ontem, deixado cair por Aníbal Cavaco Silva, implica que se fixem alguns conceitos fundamentais sobre a matéria e que nunca fizeram parte do "currículo" das escolas de economia. Não direi, imediatamente, que Cavaco virou salazarista, porque não foi o Estado Novo que inventou o dia da raça ou o dia de Camões, nem o conceito que, aliás, começou de forma não racista, quando, em 1913, Faustino Rodríguez-San Pedro, então Presidente da Unión Ibero-Americana escolheu o dia de Colombo, de 12 de Outubro, para uma celebração que unisse a Espanha e a Iberoamérica. Um dos principais defensores da matéria, o mexicano José Vasconcelos, defensor do conceito mestiço e sincrético de raça iberoamericana, dizia mesmo: Por mi raza hablará el espíritu. E que o nosso império colonial traduziu em calão, espetando monumentos de pedra em Bissau, Luanda ou Maputo, em nome da miscigenação...
Este Día de la Raza surgiu na Argentina en 1917, numa atitude anti-americana. Seguiu-se a Venezuela, em 1921 por decreto presidencial (Hugo Chávez, em 2002, de forma racista, passou a chamar-lhe Día de la resistencia indígena) e o Chile, em 1923 (desde 2000 é o Día del Descubrimiento de Dos Mundos). Em Espanha, tudo começou em 1918, como um governo liberal e só em 1958 é que Franco passou a chamar oficialmente à coisa Fiesta de la Hispanidad, apesar de já desde 1940 a preferir.
Também o dia de Portugal tem muito mais a ver com Teófilo Braga e o partido republicano, do que com Salazar e o "fascismo", mergulhando no movimento da sociedade civil que, dinamizado por Ramalho Ortigão, originou as comemorações do centenário de Camões de 1880, reavivadas pelo "Ultimatum" e desenvolvidas pelo nacionalismo místico da I República. Por isso, para sublinhar o paradoxo, aqui deixo foto de Eduardo Gageiro, com um timorense enrolado numa bandeira portuguesa, enterrada no dia da chegada das tropas invasoras indonésias ao suco de Liquiçá e lá escondida até à libertação de Timor.
Com efeito, raça vem do indo-europeu wrad, isto é, raiz, através do italiano razza. No plano biológico. uma raça é um conjunto homogéneo de seres humanos caracterizados por uma série de traços hereditários, com destaque para a cor da pele, mas também atendendo a outros elementos como os cabelos, a forma da cabeça, os traços faciais, etc.
Para alguns, é um conjunto de indivíduos dotados de características físicas comuns transmitidas hereditariamente, nada tendo a ver com a língua, a nacionalidade e a cultura. Conforme Henri Vallois (1944), as raças são agrupamentos naturais de homens que apresentam um conjunto de caracteres físicos hereditários comuns, quaisquer que sejam as suas línguas, costumes ou naconalidades.
A classificação dominante, de origem francesa, refere a tripartição entre brancos, amarelos e negros, mas, em 1934, com Von Eicksted, começam a distinguir-se os europeus, os negros, os mongóis, os australóides e os ameríndios. William C. Boyd (1950) distingue o grupo europeu primitivo (p. ex. Bascos), o grupo europeu (caucasóide), o grupo africano (negróide) o grupo ameríndio (mongolóide) e o grupo australóide.
Em 18 de Julho de 1950 a UNESCO emitiu uma declaração sobre a natureza das raças e das diferenças raciais, declarando finalmente a falta de fundamento científico dos cientificismos em que se basearam as ideologias racistas.
Porque tudo começou positivista com a tríade race, milieu, moment, de Taine, fundadora do naturalismo do último quartel do século XIX. Quando se aceita que há um conjunto de caracteres biológicos transmitidos hereditariamente, pelo que as tradições, as crenças, os hábitos mentais e as instituições modelam os indivíduos. Esta, a perspectiva desse novo positivismo que vai marcar todas as correntes sociologistas, tanto de esquerda como de direita.
E foi daqui que derivou o racismo, a concepção segundo a qual existem raças superiores e raças inferiores e que estas devem submeter-se àquelas, pelos que as superiores devem evitar mistura-se com as outras, para que se mantenham puras, implicando também uma melhoria das mesmas.
O racismo teórico contemporâneo começa com Arthur de Gobineau (1816‑1882), antigo chefe de gabinete de Tocqueville, quando este foi ministro dos negócios estrangeiros francês, que em Essai sur l'Inegalité des Races Humaines, publicado entre 1853 e 1855, defende que a raça branca e, dentro desta, a raça ariana devem ser as raças superiores e dominadoras.
Uma opinião partilhada por outros autores da época como Victor Courtet (1813‑1867) em La Science Politique Fondée sur la Science de l'Homme, ou l'Étude des races Humaines sous le Rapport Philosophique, Historique et Social, e Vacher de Lapouge.
Este último, professor em Montpellier, em L'Aryen et son Rôle Social, de 1899, chega mesmo a propôr a criação de uma nova ciência, a antropossociologia, baseada na luta darwiniana pela sobrevivência da espécie. Para ele, as raças dolicocéfalas dos louros devem ser senhoras e dominadoras das raças braquicéfalas, defendendo, para o efeito, a prática da selecção biológica.
Este ambiente vai ser também assumido por Houston Stewart Chamberlain (1855‑1929), um inglês naturalizado alemão, genro de Richard Wagner, que em As Raízes do Século XX, de 1899, vem considerar que os teutões (os celtas, os eslavos e os germanos) é que caldearam as raízes gregas, romana e judaica da civilização ocidental, chegando a defender a intervenção do Estado no processo de desenvolvimento biológico da raça dos senhores.
Este cientismo positivista, misturado com o romantismo político, desagua nas teses assumidas por Adolf Hitler em Mein Kampf constituindo o eixo fundamental do nacional-socialismo que sobe ao poder na Alemanha em 1933. Um caso especial de racismo é o processo do anti-semitismo. Racistas são também as teses do colonialismo e do apartheid. Não menos racistas são alguns dos movimentos políticos anticolonialistas desde a negritude às teses de Frantz Fanon. Por outras palavras, apesar do brilhante "curriculum" académico do meu colega Professor Doutor Francisco Louçã, o Bloco de Esquerda faz demagogia quase doentia, nestas malhas que os economistas tecem, com pouca história e quase nenhum humanismo...
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