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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

11.6.08

Quanto mais a crise demonstra que ao povo a alma falta, mais minha alma atlântica se exalta


Aqui, debaixo de uma árvore, à beira da Universidade, a passarada vai animada, talvez para compensar esta depressiva primavera que, afinal, não houve. Especialmente neste dia, antes do jogo dos scolusos com os checos e antes do referendo irlandês sobre o "porreiro, pá". Especialmente, depois dos discursos do dia da pátria, da condecoração atribuída a Marques Mendes e das vaias que as correia sindicalistas do PCP lançaram contra Sócrates. Apetece apenas dizer que os analistas da antiga luta de classes e da envelhecida questão social parecem não compreender o essencial deste ensaio de maria da fonte dos camionistas.


Os que nos fizerem as regras contra o "lock out" e as greves selvagens não inventariaram a patuleia de uma baixa classe média de PMEs, onde o patrão é ele próprio trabalhador e pode ter, como empregados, os filhos e as noras. Como não assumiram que poderíamos viver num regime onde a maioria dos factores do poder já não é nacional, especialmente perante crises importadas onde a governança lusitana é obrigada a patentear a respectiva impotência. Até merece ser elogiada porque proclama boas intenções e até aumentou o abono de família, que é coisa do mesmo tempo do dia da raça.


A nossa governança também não consegue deixar de mandar os homens dos impostos e da ASAE contra o biodiesal produzido pela Junta de Freguesia da Ericeira, dado que não admite que o regulamentarismo, apesar de lícito, pode ser injusto, mesmo que venham depois dizer que estavam a contribuir para a eliminação da crise petrolífera e até fazem dias da sopa em pleno parlamento. Não conseguem é compreender o homem revoltado, a intifada camionista e a utilização de comboios policialmente vigiados para a manutenção do capitalismo dos supermercados, do TGV, do aeroporto de Alcochete e de outros mimos, tipo EDP renováveis.


Os camionistas apenas confirmaram que há causas que não são controladas pela Intersindical ou pela TVI. Há formas de oposição social que não têm válvulas de transmissão sistémica, agora que Paulo Portas não vai às feiras discutir as mamites e que Manuel Monteiro já não tem a assessoria de Manuel Moura Guedes para caldeiradas em traineiras. Greves, vaias e manifestações sistémicas apenas são as que recebem o carimbo do Doutor Carvalho da Silva e o aplauso do Doutor Louçã. Por outras palavras, as velhas respostas para a antiquada questão social são cada vez mais reaccionários nos seus amanhãs que já não cantam. Valha-nos o Senhor D. Manuel Martins que o presidente Cavaco e o primeiríssimo Sócrates não têm a ousadia de descer de helicóptero perante um piquete de paralisadores do trânsito, dialogando directamente com a patuleia do volante.


Penso na crise do lixo de Nápoles e numa das razões que levou Berlusconi ao poder, dando imagem de poder combater os mafiosos, mas quando vejo os anúncios da GALP instrumentalizando a selecção de Madail, apenas confirmo que o nosso Estadão tem largos pés de crude que não conseguem ser estabilizados pelo Sebastião Dom Mário Lino, pelo regresso keynesiano a um revisionismo de obras públicas, conforme a cartilha de Duarte Pacheco. Porque quanto mais a crise demonstra que ao povo a alma falta, mais minha alma atlântica se exalta. Sócrates discursará se vencermos os checos e se o Tratado do Mar da Palha receber a unção irlandesa...