Bissau. Guiné. Nino. Uma imagem do guerrilheiro visitando Spínola. A paz dos bravos. A morte traiçoeira. O ferro de quem mata e acaba pelo mesmo ferro por ser morto. A espiral da violência habitual nas crises. Agora, Lisboa. Porque querem, aqui e em Bissau, transformar todos e cada um de nós, à boa maneira totalitária, em meros desviacionistas, desses que são passíveis de medidas de segurança para aquilo que os donos do poder decretam como anormalidade. Porque todos e cada um de nós podem ser lançados para a fileira das muitas minorias maioritárias que ousam viver como pensam e que que não têm condições para não pensarem como depois da liberdade hão-de viver.
Morreu Nino. Já todos os analistas explicaram a causa. A Guiné-Bissau é um Estado Falhado que pissou o risco do Narco-Estado. Um grupo Balanta vingou-se num grupo Papel. Quem com ferro matou, com ferro morreu. Está tudo esclarecido. Depois desta interrupção, outros poderão seguir dentro de anos, ou dentro de momentos. Mais de cem Estados, sócios da ONU pouca diferença fazem deste padrão. Ainda bem que o G20, que reúne os dedos do corpo da humanidade, recolhe mais de noventa por cento do produto planetário. O João Gomes Cravinho já voou para Bissau e sabe tão bem espalhar a boa nova da governança...
Guiné-Bissau. Uma terra que conheço e que me habituei a a amar. Uma pátria sobre a qual um dia me pediram que esboaçasse um programa sobre o estado da governança, mas onde os homens e as mulheres do relógio de ponto da chamada "cooperação" consideraram inútil o esforço que estava disponível para fazer por amor, recolhendo os sinais de "Ubuntu" que ainda permaneciam, longe dos neofeudais parceiros das comisões e das percentagens ou dos falsos africanistas que passaram a ocupar as volutas da nossa análise sobre África. Já não me lembro da data, não foi neste governo, mas se foi no do PS devem ter dito que era "opus" e se foi já no do PSD, que era "maçon".
Depois dos assassinatos, as penas ágeis dos especialistas que sabem fazer prognósticos depois do fim do jogo perderam a vergonha. Os mesmos macacos surdos, cegos e mudos continuam a dominar a nossa tecnologia de análise dos chamados estudos africanos que perderam o universalismo. Espero que não repitam o erro de análise sobre o que vai ocorrer em Timor, só porque alguns patriarcas sempre detestaram essas terras, entre ex-ministros que não conseguiram cumprir o respectivo programa de união com outra província ultrmarina a outros mesmos ex-ministros que, usando o telemóvel e as fragatas, decidiram brincar ao poder num mosaico onde só quem pode compreender a complexidade os pode interpretar.
Conheço quase todo o mar e o interior da Guiné. Mas foi olhando o país a partir de Dakar e de vários comícios da campanha eleitoral senegalesa que vi melhor o ambiente que rodeia esse Estado. África não se resume às monografias da velha Agência-Geral das Colónias ou ao mapa do império feito pelo génio propagandista do Acto Colonial que foi Henrique Galvão. Esses sítios já foram fecundados por muitos tempos, incluindo os dos últimos trinta anos. E continuam a precisar de portugueses que saibam praticar o abraço armilar sem necessariamente o cantarolarem para efeitos de negócio, incluindo o universitário.
Eu ainda acredito na possibilidade de um Estado de Direito e de uma democracia em Bissau. Como também em Dili. E sei de experiência vivida e de teoria adeuada à prática que essa possibilidade precisa de cooperação, solidariedade e esperança. Aplicarmos a esse universo as receitas de Angola ou de Moçambique e reduzir África ao unidimensionalismo de uma abstracção, não integrando cada zona no respectivo ambiente actualista é brincar com o fogo e gerar este vazio de informação que até permitiu uma recente visita de Estado a Bissau, quando bastava ir ao Rossio e falar com dois ou três dos mais velhos Balantas, Fulas, Manjacos ou Mandingas, relendo o velho Manuel Belchior. Por mim, confesso, continuo a amar aquela terra e aquela gente.
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