a Sobre o tempo que passa: A andorinha de Obama não pode fazer nascer a Primavera...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

7.4.09

A andorinha de Obama não pode fazer nascer a Primavera...


Todos os que conhecem o que aqui tenho escrito sobre Obama e o que qui escrevi e publicitei sobre Bush, sabem que, consequentemente, sempre me assumi contra os neoconservadores e neoliberais, mesmo quando eles eram moda de um pensamento dominante que já passou de moda. Logo, talvez possa, agora, distanciar-me da bushofobia e da barrosofobia que se apoderaram de alguns dos novos candidatos a viúvas, cortesãos e cortesãs tardias do soarismo. 

Bem me recordo das consequências de um certo discurso meu numa assembleia promovida pela NATO em plena guerra do Iraque onde, no próprio título e no conteúdo dizia preferir Kant a Rambo. Tal como não esqueço como, num instituto dito do Estado, um desses "boys" dos "jobs" das gavetas vigentes do amigo americano, na presença de um ministro, disse sobre o maluqinho do professor que foi à televisão qualificar como selvagem o comportamento do nosso principal aliado, só porque nuns "Prós e Contras" da época os qualifiquei assim.  Por outras palavras, desde esses episódios de rebeldia passei a não ser certificado pelos analistas da Universidade de Georgetown que mudam de discurso conforme os "inputs" da eterna hierarquia das potências.

Tenho, portanto, alguma legitimidade para proclamar que Obama não veio à Europa libertar-nos do neoliberalismo, propondo a nacionalização da banca e da energia, bem como a necessidade de ratificação do Tratado de Lisboa. Veio apenas defender os interesses naturais norte-americanos, numa altura em que eles coincidem com os interesses europeus e estes, com os interesses nacionais portugueses. Aliás, sei, de cência aprendida, que cada um tem sempre os amanhãs que cantam da respectiva ideologia e que, nestes domínios, muitos lêem cada acontecimento como peça de um jogo de velhas criancinhas, como coisa que apenas serve para a metermos quase à força no nosso caixilho teórico. Poucas análises de política internacional resistem a uma década de mudanças do mundo real e raras são imbuídas do necessário patriotismo científico.

Convém notarmos que a Europa a que chegámos, para usar uma análise de Jacques Delors, são dois terços de remediados e um terço de socialmente exluídos, apesar do chamado Estado Social, mas, mesmo assim, temos a zona do mundo com mais justiça, contrariamente à maioria dos intregrantes do G20. Por exemplo, o Brasil, onde o programa de Lula vai demorar cem anos a implementar, vive entre ilhas de grande desenvolvimento, onde São Paulo é capaz de ser igual ao Norte de Itália, e largos intervalos de Terceiro e Quarto Mundo. Contudo, o Brasil, admitindo a liberdade de circulação das pessoas, gerou favelas, coisa que evitaria se repetisse o estilo chinês do passaporte interno, dos muros de arame farpado e das pontes levadiças, separando regiões de desenvolvimento separado, a que não chamam "apartheid".

A nova hierarquia das potências, confirmada na cimeira dos G20, consagra uma geometria variável de pagadores da ONU, do BM e do FMI, num mundo onde, segundo dados do virar do milénio, as empresas multinacionais ou transnacionais, eram qualquer coisa como 40 000 entidades juridicamente privadas, mas multiplicadas por cerca de 300 000 subsidiárias, o que corresponderia a metade do produto mundial, isto é, cerca de um terço da capacidade produtiva mundial do sector privado, com cerca de 90% das mesmas entidades principais a pertencerem aos países do primitivo G7.  Cerca de 600 dessas mega-empresas representavam um quinto do valor acrescentado da produção industrial e agrícola do mundo. Aliás, misturando empresas, em termos de volume de negócios, e Estados, em termos de PNB, a maioria absoluta não são entidades estaduais. Contudo, faltam os mínimos de uma regulação global sobre a matéria, pelo que continuamos e continuaremos a viver em universos paralelos.

Mas, se formos aos Estados, basta recordar que três deles (USA,  Alemanha e Japão) representam 50% da produção mundial e 20% dos mais ricos da população mundial tem cerca de 85% do rendimento também mundial. Também 50% da população mundial se concentra em seis Estados, enquanto 80 entidades do género tem menos de um milhão de habitantes. Assim, 75% do orçamento da ONU era suportado por apenas nove Estados, com cerca de 25% para os USA, da mesma maneira como  46% do direito de voto do Banco Mundial  e 48% do FMI cabia a sete Estados.

A variabilidade é mais evidente em território, com oito Estados a concentrarem 50% das terras do mundo, para que 95% das divisas que mudam de mão quotidianamente nas bolsas mundiais se prenderem exclusivamente com actividades meramente especulativas, enquanto o volume das operações de câmbio é cinquenta vezes mais importante do que o correspondente ao real comércio de bens e serviços. 

Se a esta realidade predadora chamarem neoliberal, eu quero ser liberdadeiramente liberal. Se a esta perspectiva de conformismo qualificarem como realismo nas relações internacionais, eu quero ser idealista. E como idealista e liberal, tenho de reconhecer que a andorinha de Obama, mesmo que o quisesse, não poderia fazer nascer a Primavera que todos esperamos. Só que vale a pena sairmos da invernia e procurarmos a Primavera. As grandes conquistas da Humanidade sempre foram normativas, sempre visaram subverter a realidade pelos valores, sempre procuraram um transcendente situado, pondo a Justiça como a Estrela do Norte da Política e a Política como hierarquicamente superior à Economia. Os homens inventaram a Política para deixarem de ter donos...