a Sobre o tempo que passa: Um programa sem portas esconsas, de acordo com a imagem primeira do respectivo "site"

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.8.09

Um programa sem portas esconsas, de acordo com a imagem primeira do respectivo "site"


Não sabemos quantos dos trezentos e setenta e nove políticos com direito a subvenção vitalícia estiveram na sala, nem se o programa teve inspirança naquele antigo conselheiro de Estado que guardava documentos numa parte esconsa da sua casa de banho, mas Rui Machete, Vítor Crespo, António Capucho, Deus Pinheiro, Couto dos Santos, Costa Neves, Pacheco Pereira, Fernando Negrão, Guilherme Silva, Graça Carvalho e Maria José Nogueira Pinto eram inequívocos sinais de renovação da pátria e com aquele ar de ministeriáveis com que nos habituaram há décadas. Ainda bem que o Nacional empatou na ex-Leninegrado, porque, como disse o respectivo treinador, quem não tem cão caça com gato e até tiveram que pôr um miúdo, defesa central, a ponta de lança. O Sporting de Soares Franco perdeu. Tal como o Benfica de Valle e Azevedo. Ainda não contrataram o motorista de Pinto da Costa.

O programa, que não teve o "copy & paste" dos habituais sábios, consta, afinal, de sessentas vezes uma folha de A4, sendo de realçar aqueles gongóricos juridicismos que vão "emprestar" ao Estado a justiça, o bem-estar e a segurança, de acordo com as cláusulas gerais de uma qualquer sebenta de introdução ao constitucional. Porque qualquer homem ou mulher de boa vontade que possa ser chamado para uma eventual grande coligação é capaz de subscrever este menos Estado em termos de mensurabilidade quantitativa do aparelhismo. Porque as doutrinas do socialismo democrático, da social-democracia e da doutrina social da Igreja podem ser iluminadas pelos conceitos indeterminados deste caderno-catecismo, onde uns preferem a suspensão de não sei quê, outros, a continuidade disto ou daquilo, enquanto muitos outros continuam nas paragens, à espera de boleia para um qualquer flanco do poder.

Não me parece que a economia seja a rainha das ciências sociais, a não ser para uma qualquer tradução em teologia da modernização pelo neopositivismo de trazer por casa. Temo que a subespécie do contabilismo possa reduzir Portugal a uma qualquer claustrofobia numerológica que efectivamente asfixie a democracia, nomeadamente se a administração da justiça for reduzida a uma régua unidimensionalizante, mesmo que tenha os padrões economicistas da qualidade. O modelo, que já quase destruiu a deontologia da profissão médica e que quer avaliar os professores, vai agora enredar magistrados, para que todos nos integremos nas pautas da chamada classificação dos funcionários públicos.

Mesmo que se venha a falar em corrupção, as palavras não parecem corresponder ao sentido de verdade proclamado, depois de se confundir o preto com o branco e de se sanearem os hereges e dissidentes da fidelidade política da chefia do partido. Para se combater um PS situacionista, em cumplicidade com o devorismo, este partido maneleiro ameaça continuar a ser complacente com uma decadência que nos vai mirrando, até porque lavar as mãos como Pilatos face às práticas anteriores do cavaquistão é especialmente censurável em quem teve hipóteses de se libertar dessas algemas e de ajudar Portugal a fugir desta espiral crepuscular. O cálice da nossa benévola expectativa já há muito transbordou. Basta reparar na fila de bate palmas ministeriáveis que assistia ao evento, comparando-a com os Santos Silva, os Mário Lino e outros que tais. Este país não devia ser para estes velhos, aposentados, reformados ou vitaliciamente subsidiados, com muitas portas esconsas.