a Sobre o tempo que passa: Contra os imperadores do silêncio

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

17.1.10

Contra os imperadores do silêncio


Ouço:

-Pior do que a cobardia, é o marasmo a que as pessoas se entregam. Toda a gente se queixa, mas ninguém faz nada por si próprio. É toda a gente entregue ao tempo, sem empreendedorismo individual. Depois queixam-se quando há gente empreendedora pelos motivos errados, ou pelos maus motivos...

Abro o jornal e leio o meu vizinho de cidade, passeando-se na Calçada, quando eu saía da escola primária do Arco de Almedina. Antes de ir para o seu consultório no Largo da Portagem, parava na Brasileira, e aí pensava:

-Pessoa sabia: a língua é uma pátria. A pátria dum escritor, pelo menos. Pátria que não herda passivamente de qualquer providencial Afonso Henriques, mas activa e penosamente constrói dia a dia, unindo no tempo o seu corpo disperso. Que são os Lusíadas senão um território idiomático, heroicamente conquistado às trevas da nudez, um espaço vital de expressão que o próprio verbo agenceia, baliza e preserva? Depois que os escreveu nunca mais Camões pôde ser desterrado. Fosse para onde fosse, levaria na bagagem de proscrito a voz portuguesa - voz que encarnou Portugal durante os 60 anos filipinos, e continua a encarná-lo três séculos passados. Sim, a língua é uma pátria, e como consola lembrá-lo em certas horas! Enche o coração de paz a certeza de que nenhuma marginalidade margina os cultores da palavra, centros geográficos da nação, queiram ou não os imperadores do silêncio.

Obrigado, Jornal de Notícias, pela recordação. Copiei a imagem de Prosas Vadias.