No limiar dos dias. Por Teresa Vieira
Julgo que ninguém fica alheio às palavras de Medina Carreira. Julgo mesmo que o move uma militância rara: a de acender archotes à vida.
Não o escuto como o profeta da desgraça. Li algures que o Professor Medina Carreira teria afirmado que o move o facto de ser cidadão de um país pobre, pouco educado, sem a percepção disso.
Ora quem tem da realidade esta noção, tem a base inteira de uma sustentação fáctica vinda do catecismo de um rumo de energia interpretativa que à maioria não acode.
O facto indubitável é o ponto de vista qualitativo com que apresenta muitas das suas análises. Parece-me, por vezes, estar a ouvir um agricultor do Conhecimento que até já nem carece das estações para intuir a escassez das sementeiras.
Henrique Medina Carreira é cilindrador das incapacidades, sobretudo daquelas cuja carcaça encobrem a mais subtil manipulação que leva ao aprisionamento manso de um povo.
Já tenho pensado como muitas outras pessoas que respeito, o que será que hoje move Medina Carreira que revela uma consciência muito grande do problema da relação da Economia com os homens?
O que será que pretendia ter feito na área politica em que se moveu e na qual os seus pontos de vista não colheram, eventualmente, uma metade sequer, da parte lucida que o inspira visceralmente a não aceitar a tolerância que, neste país, se atribui à absurdidade?
Também penso que não é possível marcar uma data em que o sistema monolítico, burocratizado, centralizador, manipulador e sedutor tenha o seu fim. E não é possível marcar uma data porque esse sistema é um processo a derrubar dia-a-dia.
Acredito nas realidades dinâmicas que envolvam a sociedade na relação de uns com os outros, mas para essa crença necessito que as pessoas se decidam no colocar-se a caminho.
Talvez ainda e afinal nada se tenha decidido e por essa razão, uma grande fatia de Portugal não quer escutar Medina Carreira e talvez por essa razão ele não queira desobrigar-se do seu contributo de alerta.
Há uns tempos li que o chamavam treinador de bancada. Diz-se ainda que o seu catastrofista pensamento é inútil ao esclarecimento.
Bom, eu pego na bola e digo que as estruturas só podem ser transformadas por homens transformados, o que é uma punitiva desvantagem face ao mais do mesmo que se nos apresenta, e que a certa altura define o nanismo do homem que aceita pagar a praia, o sol, a respiração e sem se dar conta que a Natureza já só é uma idéia que alguém saldou em final de época.
Li que Medina Carreira se sente na obrigação de não estar calado e de alertar os portugueses para a "fraude" em que vivem. Mas há um outro lado, um outro pêndulo do relógio e que já não tem retornos e que é uma linha recta, desumana e destruidora.
E tudo isto assentou numa suposta base espiritual. Numa sucessão de praia-mar e de baixa mar dos fenómenos económicos e educacionais e morais que não contam com as rupturas das marés-vivas.
Os analgésicos já não são os ciclos politico-eleitorais. Aliás não há que reequilibrar o vazio de ideias e de acções.
A náusea da dita civilização é o seu próprio e óbvio produto. Mas eu acredito que ainda existe por aí uma criatividade endémica, e que não é de grupos, mas de indivíduos com uma mega-força e um poderoso reflexo, e julgo que Medina Carreira faria uma boa aposta se acaso o seu discurso incentivasse a prova da diferença por parte destes que nunca quiseram aceitar as condições do mimetismo.
Este discurso a que apelo, virado, não para uma expressão eleitoral, mas antes visando um caminho alternativo, teria, creio, a energia de oferecer uma esperança crítica e sediada numa caixa-postal que nunca seria poço sem fundo.
Não quererá o Professor Medina Carreira sentar-se no limiar dos dias, segurar no ar, e assim também explicar que as manifestações são desnecessárias já que não há dinheiro para nada?
Não quererá o Professor Medina Carreira explicar com a sua força e saber o quanto o valor útil das coisas foi sendo substituído pelo valor da troca, ao mesmo tempo que nos aguarda no quebrar da gaiola, no comungar o direito a uma vida que, tenha em conta as nossas realidades em carne e osso e circulante sangue?
M. Teresa B. Vieira
7.06.10
Sec: XXI
<< Home