a Sobre o tempo que passa: No limiar dos dias. Por Teresa Vieira

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

8.6.10

No limiar dos dias. Por Teresa Vieira



Julgo que ninguém fica alheio às palavras de Medina Carreira. Julgo mesmo que o move uma militância rara: a de acender archotes à vida.

Não o escuto como o profeta da desgraça. Li algures que o Professor Medina Carreira teria afirmado que o move o facto de ser cidadão de um país pobre, pouco educado, sem a percepção disso.

Ora quem tem da realidade esta noção, tem a base inteira de uma sustentação fáctica vinda do catecismo de um rumo de energia interpretativa que à maioria não acode.

O facto indubitável é o ponto de vista qualitativo com que apresenta muitas das suas análises. Parece-me, por vezes, estar a ouvir um agricultor do Conhecimento que até já nem carece das estações para intuir a escassez das sementeiras.

Henrique Medina Carreira é cilindrador das incapacidades, sobretudo daquelas cuja carcaça encobrem a mais subtil manipulação que leva ao aprisionamento manso de um povo.

Já tenho pensado como muitas outras pessoas que respeito, o que será que hoje move Medina Carreira que revela uma consciência muito grande do problema da relação da Economia com os homens?

O que será que pretendia ter feito na área politica em que se moveu e na qual os seus pontos de vista não colheram, eventualmente, uma metade sequer, da parte lucida que o inspira visceralmente a não aceitar a tolerância que, neste país, se atribui à absurdidade?

Também penso que não é possível marcar uma data em que o sistema monolítico, burocratizado, centralizador, manipulador e sedutor tenha o seu fim. E não é possível marcar uma data porque esse sistema é um processo a derrubar dia-a-dia.

Acredito nas realidades dinâmicas que envolvam a sociedade na relação de uns com os outros, mas para essa crença necessito que as pessoas se decidam no colocar-se a caminho.

Talvez ainda e afinal nada se tenha decidido e por essa razão, uma grande fatia de Portugal não quer escutar Medina Carreira e talvez por essa razão ele não queira desobrigar-se do seu contributo de alerta.

Há uns tempos li que o chamavam treinador de bancada. Diz-se ainda que o seu catastrofista pensamento é inútil ao esclarecimento.

Bom, eu pego na bola e digo que as estruturas só podem ser transformadas por homens transformados, o que é uma punitiva desvantagem face ao mais do mesmo que se nos apresenta, e que a certa altura define o nanismo do homem que aceita pagar a praia, o sol, a respiração e sem se dar conta que a Natureza já só é uma idéia que alguém saldou em final de época.

Li que Medina Carreira se sente na obrigação de não estar calado e de alertar os portugueses para a "fraude" em que vivem. Mas há um outro lado, um outro pêndulo do relógio e que já não tem retornos e que é uma linha recta, desumana e destruidora.

E tudo isto assentou numa suposta base espiritual. Numa sucessão de praia-mar e de baixa mar dos fenómenos económicos e educacionais e morais que não contam com as rupturas das marés-vivas.

Os analgésicos já não são os ciclos politico-eleitorais. Aliás não há que reequilibrar o vazio de ideias e de acções.

A náusea da dita civilização é o seu próprio e óbvio produto. Mas eu acredito que ainda existe por aí uma criatividade endémica, e que não é de grupos, mas de indivíduos com uma mega-força e um poderoso reflexo, e julgo que Medina Carreira faria uma boa aposta se acaso o seu discurso incentivasse a prova da diferença por parte destes que nunca quiseram aceitar as condições do mimetismo.

Este discurso a que apelo, virado, não para uma expressão eleitoral, mas antes visando um caminho alternativo, teria, creio, a energia de oferecer uma esperança crítica e sediada numa caixa-postal que nunca seria poço sem fundo.

Não quererá o Professor Medina Carreira sentar-se no limiar dos dias, segurar no ar, e assim também explicar que as manifestações são desnecessárias já que não há dinheiro para nada?

Não quererá o Professor Medina Carreira explicar com a sua força e saber o quanto o valor útil das coisas foi sendo substituído pelo valor da troca, ao mesmo tempo que nos aguarda no quebrar da gaiola, no comungar o direito a uma vida que, tenha em conta as nossas realidades em carne e osso e circulante sangue?

M. Teresa B. Vieira

7.06.10

Sec: XXI