a Sobre o tempo que passa: Não me fechem a pátria!

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

3.6.10

Não me fechem a pátria!


Tinha seis anitos... Éramos bem poucos os meninos e as meninas da primeira classe da professora Clotilde, na escola de Casconha, onde aprendi a ler, escrever e contar. Sei que, com umas botas de borracha, de cano alto, que custaram vinte escudos, ia, todos os dias, atravessando valados, dois quilómetros para cima, e dois para baixo. Não me fechem a pátria!

Espero que a ministra da Cinco de Outubro (este nome deve ser para tramar as comemorações do centenário do de 1910) visite umas escolinhas destas. A ministra até é boa professora e não deve apenas ouvir os tecnocratas!

Por mais frenética que seja mobilização dos activos parlamentares, com algumas boas prestações, como as de Cristas, Teixeira dos Santos não deixa de transparecer enfado e quase bocejo, especialmente quando tem como supremo distribuidor da retórica dilatória o ministro Lacão...

Quem bebe do eurofino, nomeadamente os operadores económicos que arriscam, compreende como estes debates parlamentares apenas se destinam ao enjoo do cumprimento das ditas chatices constitucionais. É pena. É pouco respeitador de quem faz um esforço cívico para seguir a dinâmica da casa da democracia...

Não! Ninguém pode banhar-se duas vezes nas águas do mesmo rio, porque o rio nunca é o mesmo e até um velho, mesmo com piruetas de literatura de justificação e de música celestial, não pode voltar a ser novo. Além disso, Manitu, esse grande professor engenheiro de conceitos, bem como outros profetas da traição, os que não conseguem fazer rimar a honra com a inteligência, de tanta cambalhota, precisavam de um espelho registador que os apanhasse em flagrante delitro...

Quando a honra se reduz ao quantitativo do mercado, até a pátria passa a ter um preço. Coisas da inversão dos valores. Quando a chamada ética da responsabilidade passa a preponderar sobre a ética da convicção. Quando a honra deixa de conformar a inteligência, mesmo com papéis de "outsourcing" emitidos pelas consultadorias que trabalham para as "ratings" e para as consultadorias do ministerialismo...

Um velho director-geral foi alvo de tentativa de suborno para compra de uma decisão. Aos cem contos, disse não. Aos duzentos, idem. Aos trezentos, também não. Decidiu ir ao ministro contar o processo e logo pediu a demissão. O ministro estranhou. O director-geral respondeu: "sou um homem honesto, mas todo o homem tem um preço". A história é real. Foi no velho ministério da indústria. Tive testemunhos.

Agora, basta um croquete, cinco minutos de fama televisiva, uma lápide inaugurativa ou uma medalha de lata, em cerimónia condecorativa.

Quando ministro Mendonça já fala no pretérito sobre a PT viva, basta cruzarmos os dados com as bocas do Joe Berardo sobre essas coisas das Opas e das procissões que ainda não saíram do adro. Claro que Aljubarrota não tem nada a ver com a coisa e a pátria de Febo Moniz era outra. Sócrates foi ao sítio dos Almorávidas e não comenta.

Passos sai da toca e diz que o governo precisa de remodelar, para que ele lhe mantenha o tapete (não sei se voador) sob o país. E propõe um golpe de asa, para se seja brasa. E para que entre ele o outro persista o pilar da ponte do tédio que vai mesmo de um para o outro...Só no próximo orçamento é que vai mudar a despesa, se, a esse médio prazo, ainda não estivermos encavacadamente mortos...

J. S. Pinto de Sousa é, de facto, um dos melhores "public relations" que conheci. Depois das actuações dele no Brasil, Venezuela, Madeira e Marrocos, julgo que pode substituir, com vantagem, Basílio Horta, excelente secretário-geral da Corporação da Indústria... À atenção de Passos Coelho!

Infelizmente, a direita está de cabeça perdida por causa das presidenciais. Também a esquerda está de cabeça perdida pela mesma razão. A direita e a esquerda portuguesas são das mais estúpidas do mundo. Ambas são duas formas de hemiplegia mental, como bem profetizava José Ortega y Gasset...

Felizmente, a maior parte do bom povo português já não é da direita. Nem da esquerda. Basta que execute o belo gesto do Zé Povinho de Bordalo. Querem fiado, tomem!