a Sobre o tempo que passa: O Centro Champalimaud para o desconhecido: a partilha dos ensinamentos. Por Teresa Vieira

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

5.10.10

O Centro Champalimaud para o desconhecido: a partilha dos ensinamentos. Por Teresa Vieira



António de Sommer Champalimaud através de um testamento doou 500 milhões de euros para a criação de uma Fundação na área da saúde.

Não viveu António Champalimaud na sua pátria como forasteiro. Terá sempre através deste seu gesto uma cidadania de dignidade e de humanidade.

Ao contrário dos que apenas fazem herdar as suas legítimas famílias dos bens que possuem e alheios da responsabilidade pela comunidade, não obstante se acharem magnânimes por esse trivial gesto, não posso deixar de referir a importância de quem promove o renascer do desconhecido, prescindindo em vida das vénias por tal atitude.

Mais ou menos utilizando estas palavras, referiu o Senhor Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa na televisão que, António Champalimaud terá dito que nunca se recordara que a Igreja católica nomeasse santo um empresário.

Assim poderá ter sido, digo, mas acrescento que existem lâmpadas que alumiam o primado da fé no seu centro e no seu Concílio.

Seis anos após António Champalimaud ter morrido de cancro, podemos ver nascer “um dos melhores espaços de doenças cancerígenas no mundo”.

Poderá este espaço receber cerca de 300 doentes por dia e terá 500 investigadores a trabalhar ao lado de 100 médicos.

Segundo podemos ler no Diário de Noticias o New York Times escreveu recentemente que esta Fundação coloca Lisboa, o país e o Continente Europeu na rota da investigação científica na pesquisa do cancro e da neurociência.

Raghu Kalluri, Professor de Medicina em Harvard e director do futuro Centro do cancro deposita neste Centro uma das grandes vanguardas para a investigação na área das metástases.

«Isto marca uma mudança significativa numa nação de 11 milhões de pessoas sem história de liderança no campo da Ciência, e os seus fundadores esperam que esta obra encoraje os cientistas a trabalhar mais na Europa do que nos Estados Unidos», escreve o jornal norte-americano.

O jornal destaca ainda que enquanto nos EUA a maioria dos centros de investigação são criados com fundos privados, a maioria dos europeus sobrevive com doações do Estado e das farmacêuticas. E por isso, este centro é um exemplo para toda a Europa.

Diria mesmo: uma possibilidade mais de vivermos na nossa terra.

António Champalimaud destacou-se na sua capacidade de empresário na área do cimento, e não é de descurar que tenha visto as suas empresas nacionalizadas no pós 25 de Abril. Refiro este facto para que todos os que não entendem ou não entenderam ainda que liberdade é também compreender e respeitar as posturas de cada um sem facciosismos políticos ou eventuais morais de uns sobre outros, dizia, refiro este facto para que todos se encarreguem de saber alargar o olhar para o desconhecido e que repensem o próprio agir indiciário.

Saber olhar para lá dos confins da pertença, saber reconhecer gestos de estímulo e justiça face aos seus semelhantes que sofrem particularmente quotidianos horríveis por força de doenças como a do cancro, é o mesmo que recordarmos que afinal há quem contribua para que os sinos toquem por cada um de nós.

Uma especialíssima palavra à Senhora Doutora Leonor Beleza Presidente do novo Centro de investigação e que o ergue com o Saber, o vigor, o prumo, a competência e o mérito a que António Champalimaud nunca foi distraído.

Para mim, enquanto orgulhosa sua ex-aluna e sempre admiradora, vejo-a na luz deste Centro com a natureza do laço que só une certas pessoas a certas grandiosidades.

Recordo um dia em que a respeito de outras realidades que iam acontecendo, a Senhora Professora Leonor Beleza expressou-se do seguinte modo:

“Nunca tive o sentimento da invencibilidade. Mas julgava que sabia mais do que aquilo que hoje sei que sabia."

Tenho para mim que quem assume este regresso/análise ao futuro de onde provém, pertence ao campus dos valores e das ideias e consequentemente do Saber.

Será inaugurado hoje dia 5 de Outubro de 2010 o Centro Champalimaud para o desconhecido, e não descurando a beleza do projecto do excelente complexo da Fundação Champalimaud pela mão de Charles Correa, arquitecto indiano, que tão esteticamente por lá deixou as asas de futuro, quero crer que se “esqueça” a crise actual e se faça o silêncio vivo a este frondoso salto sob o céu livre da História.

M. Teresa Bracinha Vieira

5 de Outubro de 2010-10-05 sec.XXI