O espírito não é um anexo do corpo: a alma não é susceptível de avaliação pecuniária. Por Teresa Vieira.
O empobrecimento da sociedade nos dias de hoje tem levado à mercantilização de tudo o que é compatível com valor monetário. E tudo passou a sê-lo.
A moral e a ética relativizaram-se num subjectivismo selvagem e deixaram de ser valores pelos quais valha a pena o sacrifício. E é deste modo que o progresso da sociedade contém em si mesmo o espírito enquanto mero anexo do corpo.
O universo quantitativo alterou as relações entre os homens e as dos próprios homens entre si, tornando os tiranetes tão sem cara e tão abstractos, que se tornaram infinitamente mais poderosos do que os tiranos de quem reza a história.
Temos a clara sensação de que se rompeu o equilíbrio entre a natureza e o homem e só existe a obrevivência como um problema comum a resolver.
Aqui e além e todos os dias, a democracia tem de engolir o quanto a liberdade lhe é confiscada de jeito minucioso e burocrático, o quanto o homem-objecto a não defende e até a deseja em recta paralela com a do homem-pensante.
Do espaço da aldeia de cada um se chega ao espaço mundial e último possível sem que a seta possa refazer a sua trajectória no sentido oposto. Por esta razão nos perguntamos se ainda existem dúvidas que as ciências humanas são cada vez mais ciências desumanizantes.
Vive-se numa correria sem fim à medida que se quantifica mais o homem que,estranho a ele mesmo, afunda-se em cantos de infelicidade não dita.
O «outro» tido como nosso amigo torna-se incomunicável porquanto se não entendem as linguagens dos códigos dos afectos, das dívidas de gratidão, das horas mágicas que um dia se souberam interpretar e ora se esfumaram.
Resta-nos apelar à recuperação da militância do percurso do Ser, e militância, para nós, faz-se onde sentimos que há coisas a transformar.
Sabe-se que Kafka conheceu horas e dias em que identificava a própria vida pessoal com a culpa existencial, de tal modo que, segundo as palavras de Steiner, só desse modo lhe surgia nítida a mentira como o grande evento que dominava o próprio amor.
Mas se todos tivéssemos de enfrentar a nossa culpa sentindo-nos impotentes e incompetentes, então talvez recusássemos as doces cicutas e recusássemos deixar uma vida injusta.
Cada vez o tempo do trabalho com afinco nas utopias possíveis se torna tão indispensável quanto o ar que cada um respira.
M. Teresa B. Vieira
11.1.11 – séc. XXI
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