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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

26.2.11

Um interregno desertificado, onde a caravana não passa

1
Debate quinzenal na nossa casa da democracia: foi 31 de boca contra 31 de boca, para glosar Silva Pereira... Pena faltar o discurso da palavra posta em razão ("logos" em grego). Mais um dos palcos desta campanha eleitoral permanente para efeitos sondajocráticos e de sessão de esclarecimento para as directas do PS...


2
E o PSD com tantos ex-líderes como treinadores de bancada quase parece um clube de ausentes-presentes, os que não jogam mas não saem de cima de todas as jogadas, como Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, Pedro Santana Lopes e Luís Filipe Menezes, a que se vai juntar Jardim e onde não vão faltar outros Zandingas, como diria Durão....


3
Até as principais notícias da informação portuguesa são as de transferências de jogadores nos grandes órgãos de informação, naquilo a que se costuma chamar é poca do defeso, onde pouco interessam as cores da camisola, desde que saibam cativar desempregados políticos, à boa maneira dos velhos diários oficiosos dos antigos regimes e dos seus protectorados das forças vivas.


4
Entretanto os juros da dívida estabilizam o seu curso ascendente no normal anormal que todos os nossos truques e falsos consensos nacionais já não conseguem colmatar nem com o lastro dos sacrifícios.


5
Entre profetas da desgraça, os que pensam que isto é 1926 ou 1910, e o nacional-porreirismo, assim se vai degradando o situacionismo. Apesar de estarmos à beira do abismo, não conseguimos as tradicionais mobilizações que nos deram as legitimidades pós-revolucionárias de um rotativismo mais ou menos devorista que nos dava facturações....


6
Há um longo interregno de decadência, onde os excessos de acomodação da cobardia geram o voluntarismo do principado governativo, apesar de alguns ainda invocarem um presidente que não quer nem pode sidonizar o regime...


7
Foi mais uma vez Sócrates contra a Eloísa dos Verdes, tal como antes, a Passos Coelho, respondeu o ministro da presidência. Coitado, o Pedro foi excluído das listas pela antiga líder e actual deputada, e, involuntariamente, contribui para colocar a sede do poder fora do parlamento.


8
O PS, em excesso de principado unificacionista, embora menos esclarecido, tem de gramar a escolha que os marechais do rotativismo fizeram numa jantarada na Curia, pensando que o Zé apenas seria um líder de transição para a travessia do deserto. Enganaram-se, não sabiam que ele operaria uma espécie de cavaquização eucaliptal da instituição outrora pluralista.


9
O PSD, apesar de caminhar na via cavaquista, tem o barco pesado demais, com tanto marechal sem adequado senado, não podendo jogar flexivelmente com os velhos recursos autárquicos e regionalistas, nem consegue federar os muitos "clusters" de descontentamento existentes na dita sociedade civil...


10
Para o PSD, de pouco valerá a reedição de estados gerais, ao ritmo das comissões de honra, ad hoc, das candidaturas presidenciais. Porque ainda não encontrou suficientes dissidentes da esquerda, principalmente do PS, que queiram fazer o papel dos reformadores, como no tempo da AD de Sá Carneiro.


11
O velho e novo patronato não aposta no liberalismo a retalho, em época de potencial descida do FMI ou de outro fundo europeu. Faltam "opinion makers" com o ritmo de Miguel Relvas. Não há uma vaga de fundo de apoio à alternativa na opinião independente. E nem sequer é suficientemente democrata-cristão para convencer o altar. Muito menos os corporativismos à solta. Um choque de coragem, precisa-se!


12
Os grandes partidos continuam simples máquinas de conquista e manutenção do poder. Não sabem, ou não conseguem, exercer as funções de mobilização política e de comunicação política. E estão sitiados pelo indiferentismo e pelos processos de compra do poder, ou corrupção. Confundem a mobilização com as campanhas eleitorais e a comunicação com a propaganda.


13
A presente decadência, já patente, pode levar a uma crise de regime. Isto é, a uma má relação da sociedade com um determinado sistema de valores e que lhe dava legitimidade. Por outras palavras, mesmo sem magnicídios, podemos caminhar para um republiquicídio.


14
Podem não suceder dramatismos de opereta, das bancarrotas aos golpes de Estado, incluindo os provocados por uma explosão social, sendo bem mais previsível a tradicional antecipação das derrotas, onde os detentores do poder máximo invoquem o tabu nunca desfeito, o pântano nunca esclarecido, ou uma ascensão ao Olimpo supra-estadual, para não terem que aturar os bárbaros.


15
O nosso deserto continua a ser a sociedade civil e a opinião livre. Até a revolução de 1974 foi hierárquica, com majores arvorados em generais para que a pirâmide estadual continuasse, em movimento de revolução "vinda de cima para baixo". Até o processo revolucionário que esteve em curso foi uma espécie de subversão a partir do aparelho de poder, como o descreveu Sottomayor Cardia...