Quão pequeno me sinto...
Eis-me diante do mar, sofrendo o vento que vai espumando as ondas. Eis-me nesta praia ocidental, de sonhos postos no Atlântico. Eis-me diante de mim, por dentro de quem sonho ser.
E sei que o tempo há-de ser meu tempo, quando ousar largar o peso morto que me sitia. Quando diante de mim, por dentro de mim, voltar a ser quem sempre fui.
Por enquanto, apenas este prazer de todos os dias me escrever. Uma folha de papel, encadernada, uma caneta que desliza, linhas que se amontoam, um café, uma mesa de café, uma esplanada e madeiras carcomidas pela maresia. O vento batendo nos toldos que nos recobrem, muitas conversas de gente que por aqui vai estacionando.
Sentir a liberdade do ar dentro de mim e respirar fundo, respirar mar, praia, sol, deixar que os elementos lavem meu sangue e sorver este espaço de liberdade, onde me mistura, em vento, em sonho, em dia.
Aqui, nesta praia, há um concheiro mesolítico, sinal de que por estes sítios estacionaram há 3 000 ou 4 000 anos os últimos caçadores-recolectores.
Diante do mar, diante do tempo, quão pequeno me sinto perante o que será sempre igual. Quão pequeno me sinto nesta brevidade do humano tempo de vida, onde apenas é eterno o transcendente e o semear.
Onde estas linhas que escrevo podem durar mais do quem as escreve. Se os papéis resistirem, se as palavras valerem para guardar. E se amanhã alguém, ao lê-las, sentir que é um pedaço de quem sou agora.
Eterno é também o sentimento que outros possam sentir. Sobretudo, o amor profundo, o que, de mais divino, tem o transitório de nossa breve passagem pela chamada vida. Que nosso corpo e nosso nome apenas duram naquilo que aos outros podemos dar.
Dura mais o sonho do que o cartão de crédito. Dura mais a palavra do que o prazer do poder, esse mandar nos outros pelas pequenas vaidades.
Amar é o preciso contrário de mandar. É entregarmo-nos, sermos corrente daquela dinâmica que não se sente e que, profundamente, nos lança para sempre, como parcelas da humanidade.
E aquilo que será para sempre não é o que mediaticamente se sente, captando o que, imediatamente, apenas é vaivém.
Dura mais o que secretamente nos prende. E é mais belo o efémero de um olhar que retrate uma paisagem, desse momento breve em que o nosso eu é capaz de fecundar, pela criação, as circunstâncias que nos rodeiam. Esboçando o sentimento de um olhar, compondo um som que o local nos vai inspirando ou fazendo, do sentimento, as linhas tracejadas de um verso que um poema por fazer há-de conter.
Eis mais um dia de sol em plena invernia, quando o tempo lentamente nos transfigura e as mãos do vento, docemente, nos desgrenham.
Neste cair da tarde, quando o tempo vai escorrendo sem a aridez do "stress", me sinto despoluído sem as poluídas novas da chamada civilização, aqui, bem longe das sombras da cidade. Longe do burburinho das conversas. Das longas filas da chamada organização social, onde todos nos vamos encarreirando, sempre à espera uns dos outros, sempre à espera de chegarmos mais depressa.