a Sobre o tempo que passa: outubro 2008

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

31.10.08

Entre a memória do sofrimento e as saudades de futuro



Depois de quase dois dias sem ligação à Internet, lá voltei ao mundo, graças ao engenheiro paquistanês que lá conseguiu refazer a ligação "wireless" ao canal da embaixada. Ao fim da tarde, foi uma breve viagem aqui à beira mar, mesmo ao lado do farol, onde se avistaram duas baleias passeando-se pela enseada de Dili.  Apenas digo que, tal como em Brasília, o meu ritmo de escritura e de investigação adequa-se ao trópico, sendo mobilizado para a elaboração de textos de apoio aos alunos. Por exemplo, nestes dias, refiz o esboço de tópicos políticos, como os que apresento na coluna à esquerda, neste blogue, e irei fazer uma pequena publicação sebenteira aqui em Dili, onde há grande imaginação criativa nestas matérias de edição electrónica de textos. Com efeito, uma nação em construção é um desafio constante à criatividade e permite alguma metafísica, a quem se deixar enredar por esta natureza das coisas e ainda tiver o encanto da visão do paraíso, sem estar preso a utopias do passado. Basta sairmos da cidade e percorrermos um pouco do espaço rural, para podermos compreender como, por aqui, há imensas saudades de futuro e uma juventude que coloca Timor Leste no pódio da taxa de natalidade. Talvez pela memória do sofrimento, onde a liberdade passa a ser uma conquista.

PS: Só hoje reparei que ainda tinha marcado no blogue a hora lisboeta. Aqui são sempre mais nove horas. A correcção passa a ser automática. 

30.10.08

Relendo o sentido para a vida de Baden Powell


Há dias conversava com um jovem resistente, com provas dadas na libertação, que me contava como aprendera com  o Padre Felgueiras o sentido da palavra,  quando ela passa por formar um homem na raiz da sua dignidade e na procura da conquista da liberdade. Apenas se me reavivaram as memórias da adolescência, quando vivia uma crise de fé, da qual ainda não saí, e quando também ele nunca me falou de religião. Mandou-me, pelo contrário, ler Baden Powell e, há dias, ainda me confirmava que este grande paradigma só foi possível por causa do diálogo de civilizações a que os trópicos são propícios. E lá acrescentei Kipling à lista, porque as coisas antes de o serem já realmente o são, quando nos marca a imanência de só por dentro das coisas as coisas realmente serem.

Esse jovem resistente lá me confirmou que foi graças à visita de João Paulo II que a resistência passou da mera guerrilha, de menos de uma centena de activistas na montanha, para a luta política global, a partir das redes de clandestinidade, ateando uma consciência de tiranicídio que passou as fronteiras de Timor Leste e penetrou no coração da própria Indonésia.  E lá fui recordando como aprendi Timor por coração e alma. Com as histórias e teorias que me foram transmitidas por Luís Filipe Reis Tomás ao vivo, ainda antes de 1974. Com os longos contactos que, depois dessa data, mantive em Lisboa com o falecido Moisés Amaral, que me levou ao Jamor e às pensões do Cais Sodré, onde sofriam os refugiados que se assumiam como mauberes. Com o hiperactivismo do Miguel Anacoreta Correia e até com uma incursão que fizemos a uma reunião de uma internacional partidária influenciada pelo arquiduque Otão de Habsburgo, um dos líderes do grupo de pressão indonésio na Europa, tentando dar notícia dos massacres e do potencial democídio. Em vez de cedermos às tretas do realismo da guerra fria que queria uma província católica num dos maiores Estados islâmicos do mundo e onde o próprio Murdani metia cunhas a Lisboa para poder fazer uma peregrinação a Fátima...

 

Hoje, ao contactar com os primeiros frutos desta luta pela libertação, que ainda vai continuar por décadas, mas agora nas vias da institucionalização do poder, quando a mesma puder ser efectivamente protagonizada pelos próprios timorenses, apenas me apetece pedir aos que sempre foram simpatizantes, amigos ou militantes da causa que dêem tempo ao tempo e que, com humildade, tentem compreender que, por cá, há outro conceito de tempo bem diverso do “stress” do chamado “time is money”, o tal que embebedou a globalização, sobretudo a da geofinança. É preciso que o fruto libertador amadureça, enraizadamente, que a árvore da liberdade possa estender os seus ramos a uma terra sagrada.

 

Nunca esqueçamos a bela imagem de Jean Bodin, quando, referindo-se à dimensão óptima das repúblicas, dizia que tudo dependiam da alma que as fazia mover, coisa que que é a mesma coisa num elefante ou numa formiga, porque, independentemente do tamanho, ambos são dotados do tal “animus” que os faz movimentar como um todo, quando conseguem harmonizar as respectivas contradições. E a paz pelo direito e o governo pelo consentimento nunca aconteceram num ambiente de paz dos cemitérios. Só os valores universais da democracia podem fazer com que as divergências e convergências se convertam numa emergência libertadora, a tal complexidade crescente, onde na fase superior, sem que se eliminem as anteriores divergências e convergências, se procede a uma adeuada institucionalização dos conflitos, onde, pelos lugares comuns, se torna enriquecedor o diálogo entres adversários que não são inimigos. Vou reler Baden Powell. A coragem treina-se e pode mover montanhas.

28.10.08

Aristóteles em timorense, contado aos povos sujeitos a governos de espertos



O hoje, de aqui e agora, já depois de tomada a bica, ainda é o ontem de Lisboa, e lá me vou disciplinando neste beneditino exercício de preparação das aulas, depois de ontem termos introduzido o tópico das relações do direito e da força. Porque se Hobbes, com o seu Leviathan, parece sedutor, para quem anseia pelo monopólio da violência legítima, também Kant, com um Estado de Direito universal, a proteger os mais pequenos, evitando que os peixes grandes os devorem, tem aqui um cunho eminentemente realista e libertador. 

E lá vou lendo Aristóteles em timorense, tal como poderia ler o mesmo em Confúcio. Porque, aqui, no princípio, edificou-se uma casa, donde saiu uma geração cada vez mais numerosa, Uma-Fukun, o mesmo que nó ou origem, tal como Santo Isidoro dizia de natio, que também vem de nascendo. Aqui, foi ao filho primogénito dessa casa que se atribuiu o título de Liurai, isto é, de o mais do que a terra, também dito Na'ai em Mamba, tal como o Deus único dos missionários cristão se passou a chamar Na'ai Maromak.

Também como em Aristóteles, as várias aldeias se federaram e, acima delas, surgiu uma acrópole, com um Uma-Fakun a superiorizar-se aos vários chefes de aldeia, os Datos. Só que, havendo um governo por conselho, também se institucionalizou o Nahe Biti Boot, com o Liurai com os seus Datos, chamados Liana'in, os mais velhos, detentores da palavra...

E a história continua, em timorense, como em grego, como em latim, como em português arcaico, do tempo das aldeias comunitárias, as efectivas raízes do próprio Estado, entendido, como um concelho em ponto grande, conforme ensinava o nosso Infante D. Pedro no Livro da Virtuosa Benfeitoria, o primeiro tratado político pensado e escrito em português. Por outras palavras, o que vos conto, resulta do que tenho aprendido de alguns trabalhos dos meus alunos Liana'in, os tais que bem poderiam ter sido ouvidos para a institucionalização constitucional da democracia dos timorenses, onde uma segunda câmara bem era necessária, porque ela já existe realmente, quase de forma clandestina, porque nenhuma decisão política fundamental é aqui tomada sem prévia audição dos senadores.

Porque se o costume não é fonte de direito novo, continua a ser o principal fornecedor do direito eficaz e válido, mesmo quando não está formalmente vigente. Sobretudo, nos espaços praeter legem e como critério de juridicidade na aplicação do direito. Porque só com o costume se pode evitar a pior das heranças da colonização e da ocupação militar, aquilo que Hannah Arendt qualificou como o governo dos espertos. Isto é, a aplicação arbitrária da elefantíase legislativa do direito formalmente posto na cidade. Onde há sempre alguns que são mais iguais do que outros e uma lei para os amigos e outra para os inimigos e dissidentes.

O exagero legiferante, sobretudo o das traduções em calão, sempre levou a que houvesse uma enorme distância entre o direito formal e a vida, porque os administradores podem seleccionar arbitrariamente, como o velho déspota, as leis e regulamentos convenientes. E o pior é quando o mesmo administrador se assume como o príncipe absolutista e determina que não está sujeito à lei que aplica aos súbditos, colonizados ou ocupados (princeps a legibus solutus). Ou então, quando considera lei tudo o que ele diz (quod princeps dixit legis habet vigorem), mandando, passando a capataz de um poder sem controlo. Bom dia, Lisboa. Também por aí, na ex-capital do império, há muitos destes inimigos do Estado de Direito, muitas almas de capataz, muitos candidatos a feitores dos donos do poder que não são legítimos. Chegou a hora de expulsarmos os vendilhões do templo do povo.

Imagem picada aqui.

Da resistencia que foi ate a independencia que tem ser




Ontem ao cair da tarde fui visitar o meu querido Padre Felgueiras, acompanhado pelo Padre Martins. Foi um falar de memorias para futuro, da resistencia que foi ate a independencia que tem ser, liberta dos fantasmas do Estado Falhado. Porque nada do que e humano nos pode ser alheio. Ou de como Cernache renasceu aqui em Dili. Porque a regulação que nos falta não é a que, à maneira do velho verticalismo hierarquista dos estadualismos de outrora, estabeleça uma federação de potências com um rolo unidimensionalizador, ao estilo de um qualquer simulacro de Estado Mundial, herdeiro dos erros das monarquias universais, onde os conselhos de ministros passem a ser os sucessivos festivais de cimeiras, hierarquicamente dependentes da autorização prévia de prévias minicimeiras dos controleiros que se pensam superpotentes.

Porque esta criminosa utopia imediatamente desencadearia a revolta das principais vítimas do processo, os chamados povos mundos do mundo que tentariam o desespero de novas ideologias de lutas de classe. O que nos falata é acabar de vez com a Razão de Estado e voltarmos a peregrinar os princípios de um Estado de Direito universal, capaz de evitar uma qualquer nova “animal farm”, onde sempre haverá Estados todos iguais, mas onde alguns serão sempre mais iguais do que outros. O que nos falta é a passagem da Razão de Estado ao Estado-Razão e a um novo conceito de pluralismo político que responda à multiplicidade de pertenças. Basta que os homens, depois de libertados, queiram construir um espaço de participação para homens livres.

As experiências de liberdade, de democracia e luta contra a doença e a pobreza, desencadeadas por alguns Estados Continentais, como o Brasil, ou os esforços de coesão e de solidariedade assumidos pela União Europeia têm treinado e praticado sistemas de solidariedade nas respectivas zonas de cidadania e apenas esperam que encetemos um esforço mais amplo de regulação global, onde a democratização e a juridificação sejam caminhos paralelos.

Por outras palavras, a política externa da União Europeia pode ser bem simbolizado pela recente Casa da Europa em Dili. Um estímulo para que muitas entidades políticas como esta república do sol nascente possam ter um melhor Estado que não seja apenas uma governança mais tecnocrática, mas sobretudo um melhor Estado que dê força ao sentido comunitário das sociedades, isto é, do elemento comunitário dos Estados. Para que diminuam as gorduras adiposas dos aparelhos de poder e para que a pluralidade de pertenças dos indivíduos, libertados e livres, admitam a urgente pluralidade de redes políticas, onde espaços supra-estatais sirvam de reforço para as próprias liberdades nacionais, sobretudo dos pequenos Estados que admitam um Estado-Razão superior à Razão-de-Estado.

Foi este o sonho dos pais-fundadores da Europa política supra-estadual. Pode ser este o principal exemplo que podemos espalhar pelo mundo, se soubermos e quisermos uma Europa que seja mais aprofundada e não apenas mais alargada. Daí que talvez seja de recuperar algumas das lições de certo liberalismo ético, como o de John Locke, quando defendia que a separação de poderes deveria incluir, como elemento vital, um “confederative power”. Os portugueses de antanho chamaram, a esse sonho, abraço armilar e talvez os povos mudos do mudo voltem a exigir que a Europa dê esses novos mundos ao mundo.

Foi apenas isso que vim aprender a esta ribeira da Oceania, diante da sonhada terra austrália do Espírito Santo, na procura de um novo império anti-imperialista, o do poder dos sem poder. Que a Europa volte a ser uma potência do espírito e da moral e que, da respectiva conduta, se possa voltar a extrair uma máxima universal.

27.10.08

Neste acordar do Oriente


Este acordar do Oriente, que acontece na precisa altura em que a noite começa a cair em lisboa, nove horas mais cedo, obriga-nos a curiosas mnemónicas, como a de somarmos três horas às que aparecem no mostrador do relógio, diminuindo-lhe depois as doze que perfazem meio dia. Mas esta não sincronia tem, pelo menos, a vantagem de relativizarmos as novas que nos chegam lá dos reinóis, com Sócrates em mangas de camisa a aparecer em mangas de camisa, depois de vermos uma missa em tétum, ao som dos Abba, o que nos permite a libertação pelo "zapping". Aliás, o telejornal que nos é transmitido à hora do jantar é o portuense Jornal da Uma, com pronúncia à moda do Norte, relativizando ainda mais os "faits divers" dessa quase pré-campanha. Os problemas que aqui se vivem, infleizmente, não se resolveriam com a exportação do Magalhães nem com a varinha mágica do propagandismo, com os habituais golpes de "imagem, sondagem e sacanagem", para citarmos Manuel Alegre.

Nesta república do sol nascente, mais de 90% dos "inputs" do respectivo orçamento de Estado vêm das receitas petrolíferas e o Estado, para assegurar o monopólio da violência legítima, viu-se forçado a recorrer à cooperação internacional, em matérias militares e de segurança. Por aqui houve séculos de colonização e cerca de um quarto de século de ocupçaão militar estrangeira. Logo, vivo entre um povo onde nenhuma família escapaou a um massacre, dado que cerca de duzentos mil timorenses foram assassinados por causa de uma abstracção chamada guerra fria e de clamorosos erros de cálculo da diplomacia norte-americana e europeia e das muitas boas intenções descolonizadoras e integracionistas de Lisboa, quando ainda tinha manias de ser capital do império.

Logo, seria estúpido, depois de tantos horrores, procurarmos a contabilidade dos culpados e inocentes, dizendo que o heróis foi Maggiolo ou que o traidor foi Lemos Pires, para não esmiuçarmos os passos dados por Costa Gomes ou Almeida Santos. Mais do esquecer, importa pensar e ler o Professor José Mattoso. Daí que, por respeito pela independência timorense e, sobretudo, por respeito aos mortos, não comente as declarações cruzadas de Xanana, Alkatiri e Horta, todos eles à procura da democracia como institucionalização de conflitos. Mais irresponsável são tiradas vindas de doutos professores, propondo o desembarque nesta ilha de cortadores de cabeças, como se os duzentos mil mártires não fossem suficientes para a garantia do direito à pátria. Infelizmente, as velhas marcas teóricas que os pretensos realistas tecem, apenas nos devem merecer o nível do desprezo, especialmente quando não se importaram em receber chorudos subsídios para exportaram para este território projectos de reforma. Quando pensamos nesta ilha sagrada pelos corpos mortos dos resistentes, temos, pelo menos, o dever de respeitar a dignidade e a honra.

A mais recente crise dos preços do petróleo, dos bens alimentares e os sobressaltos da geofinança apenas têm demonstrado que o mundo viveu hipnotizado por uma vaga ideia de globalização e que a presente encruzilhada exige uma espécie de “new deal” universal que não se confunda com a chamada teologia de mercado em que se enredaram quase todos. Não apenas os neoliberais e neoconservadores, mas também póscomunistas, pósfascistas, democratas-cristãos e sociais-democratas. Por outras palavras, a ilusão do fim da história foi, como diz o ditado português, chão que deu uvas mirradas.

Talvez importe sublinhar que só novos paradigmas conceituais podem permitir captar e compreender as efectivas circunstâncias de tempo e de lugar que marcam as presentes coordenadas da navegação humana. E daqui, da mais recente república asiática, na ribeira da Oceania, podemos dizer que todos temos que nos expatriar nas próprias raízes do político. Porque, se como ocidentais, percorrermos Platão e Aristóteles, podemos concluir lugares comuns para o urgente diálogo de civilizações, porque todas elas são filosoficamente contemporâneas.
Pelo menos, podemos extrair da história comparada uma lição: os problemas económicos apenas se resolvem com medidas económicas, mas não apenas com medidas económicas. Porque a política é superior à economia, tal como é superior ao Estado e ao próprio Mercado.


Volta a ser a hora de recuperarmos o conselho de Rawls e Habermas que, em 1995, advogavam o regresso à lição de Kant, de dois séculos antes, esse subsolo filosófico do Estado de Direito universal que nos permite superar Vestefália dos Estados-Lobos-dos-Estados, tão selvagem quanto a sociedade de casino e as bebedeiras de Wal Street. Basta recordarmos que coisas como o branqueamento de capitais, o financiamento do terrorismo e a bandocracia da corrupção deixaram cogumelos virais no próprio coração do sistema financeiros internacional. Um processo que, ao mesmo tempo, gerou inúmeros micro-autoritarismos estatais, subestatais e supra-estatis, com as suas sociedades de corte, promovendo a fragmentação e a captura dos tradicionais Estados que, algumas vezes, não passam de meras presas de grupos de interesse e de grupos de pressão.

Tal como Kant propunha, importa darmos de novo política à chamada governação global, para que ela deixe de ser mera navegação à deriva e uma consequente governança sem governo, onde as pilotagens automáticas e as lideranças políticas de fantoches e homens de plástico parecem não assumir a urgente lealdade básica face aos valores universais da democracia. A mais urgente das regulações está na recriação de um modelo de Estado de Direito universal que não se confunda com a hirarquia das potências que brote de superpotências ou desse seu sucedâneo a que chamamos G7.

23.10.08

O gnosticismo desenvolvimentista, a concepção ferroviária da história, o pronto-a-vestir e de como as caricaturas de Descartes enjoam em Timor



Por estas ruas, praças, corredores e salões, muitas vezes me recordo das teses de Clifford Geertz (1926-2006), o autor de Peddlers and Princes, de 1963, e de Negara. The Theatre State in Nineteenth Century Bali, de 1980, onde criticou alguns exagerados ideologismos provindos da concepção weberiana de Estado, os tais que reduzem o político ao monopólio da violência legítima e consideram a dimensão simbólica da política como mero aspecto lateral. Ora acontece que a política é sempre um trabalho simbólico, onde são fundamentais as teatralizações, as cerimónias e os rituais, pelo que existe uma concepção política oculta que marca o centro político de qualquer sociedade organizada de forma complexa. Porque há, sucessivamente, uma elite na governança e um conjunto de formas simbólicas que exprimem o facto de ser aquela que na verdade governa, através de inúmeros sinais de ostentação de poder que marcam o centro. Porque a política é a arena onde se manifestam de forma mais clara as estruturas da cultura, isto é, o conjunto das estruturas de significação pelas quais os homens dão uma forma à sua experiência.

Infelizmente, não me parece que, com tanto enviados pela governação global para estes territórios, tenha havido o cuidado em prepará-los em matérias de antropologia básica, ou até de simples cultura geral. O gnosticismo desenvolvimentista da concepção ferroviária da história continua a querer obrigar muitos povos a um percurso tipo pronto-a-vestir, decretando-os como não desenvolvidos, ou em vias de desenvolvimento, e condenando-os a percorrer as mesmas linhas e as mesmas estações que outros já abandonaram. Talvez para lhes poderem vender equipamentos mentais obsoletos ou muito pessoal em via de inetegração no quadro de excedentes.






Aqui, onde há fortes afectos de identidade nacional e radicadas sementes comunitárias, o modelo de "state building", que a super-estrutura da governação global está a disseminar sem ordenamento, tem muitos segmentos de traduções em calão de manuais de aparelhos de poder, importados dos grandes centros comerciais da consultadoria internacional. É por isso que me sinto feliz por não ser um desses peritos de grande-hotel em missões de "copy and paste", tal como já não tenho idade para voltar a ser assistente universitário à procura de primitivos actuais para uma tese de mestrado ou de doutoramento. Por isso compreendo bem como alguns bispos cá da ilha, em tom metafórico, trataram de denunciar certas caricaturas de Descartes que querem modernizar Timor à força de abstracções. E admiro cada vez mais o Professor José Mattoso. Que não veio para cá em videoconferência...



Bastava que todos estes agentes da governação global atendessem a pequenos estudos sobre a simbólica da política, da religião e do direito, que assumissem a humildade de largar certo capacete neocolonial, usado por tantos pretensos benfeitores internacionais à procura de ficha curricular. Acredito que os timorenses não vão enfiar algumas destas carapuças, porque o verniz estaladiço quebraria no "day after" ao do embarque desses profissionais dos reformismos tecnocráticos. Por mim, apenas me sinto feliz por aqui estar a ensinar e aprender coisas filosofantes das "artes bona", pouco mensuráveis pelas lupas que apenas procuram utilidades.

Contra esse reino do ninguém onde a culpa costuma morrer sempre solteira


A verdadeira mãe da república do sol nascente é a Justiça. Porque foi pelo Direito que os timorenses conseguiram vencer a força. Por outras palavras, a independência conquistada é o resultado da aplicação dos princípios do Estado de Direito universal, tal como delineado por Kant em 1795, no seu folheto dito sobre a paz perpétua e que alguns ainda não conseguem vislumbrar como projecto de protecção dos mais fracos contra a violência dos mais fortes que querem ser potências. Por outras palavras, só pelo Direito podemos enfrentar a lei da selva dos Estados-Lobos-dos-Estados e evitar que, neste oceano da globalização, os peixes grandes comam os pequenos.

Não diremos, como alguns nostálgicos do socialismo estatista, que a presente crise exige mais regulação leviatânica. Diremos, como liberal que continuamos a ser, que a crise desta anarquia predadora precisa de um Estado de Direito universal, que ela precisa não de uma federação de potências estatizantes, com o consequente facto da hierarquia das forças, mas de uma república universal, que, segundo Kant e Arendt, sempre foi o exacto contrário do Estado universal. Só assim nos livraremos da presente "animal farm", onde os Estados são todos iguais, mas há alguns desses animais que são mais iguais do que outros, promovendo um neofeudalismo nesta anarquia ordenada, com a consequente governança sem governo de uma pilotagem automática a que chamam globalização.

Mesmo as boas intenções onusianas de governança global podem cair na teia de uma intrincada burocracia, desse reino do ninguém onde a culpa costuma morrer sempre solteira, e assumir a imagem de uma vasta rede de aparelhos que se instala, como fortaleza exterior, num qualquer território, com as suas tendas de ar condicionado semeando, pelos pretensos desertos do vazio de política, a cartilha do "nation building" e do "state building". Porque se não atenderem às raízes das identidades dos vários povos, tais aparelhos podem assumir uma feição neocolonialista, mesmo que assumam a bandeira do anticolonialismo. Já conheci alguns destes agentes lá pelas Lisboas, sempre em turismo de comissão em comissão, vendendo um qualquer subproduto ianque de exportação, e, por cá, apenas posso fazer as observações permitidas pelas cláusulas do meu contrato de agente de cooperação do Estado português, coisa que não me impede a liberdade académica, o universalismo e até um mínimo de patriotismo científico.

Apenas assinalo que, por cá há muitos amadores desse ensaísmo de certos conceitos abstractos, assentes nos tais "compounds" e que raramente ousam colocar os pés no tal caminho que se faz caminhando e onde é preciso dar tempo ao tempo. Não há boa ideia de república universal que resista a sacristães, sargentos e cipaios verbeteiros. Colonialismo não é apenas o chicote de capataz, mas também o engraxar das botarras do feitor, com alguns intelectuais caindo da tripeça, numa qualquer escola de passarinhos, que se julgam importantes só porque têm mobília de pau preto e secretários a quem ditam actas que ninguém vai ler. Há pesos mortos de atavismos plurisseculares, marcados pelo regime dos irmãos inimigos que continuam a asfixiar muitos sonhos.

Por mim, prefiro ir além do saber do fazer e do próprio saber-agir e continuar a procurar o saber pelo saber da velha Sofia, com muita Prudência e imensa Arte, ou Técnica. Há sempre o "consenso dos que pensam de forma racional e justa". Porque o homem tende para o infinito sempre que se descobre finito e sabe que a liberdade não nasce da certeza, mas da incerteza. Por isso, ontem mesmo, lancei o primeiro blogue de turma, aqui na UNTL, dito "pensar direito".

22.10.08

Só por dentro das coisas é que as coisas realmente são



O mais habitual nestas paragens, onde o normal é haver anormais, prende-se com as repentinas e frequentes quebras de fornecimento de energia eléctrica, não tanto pela ausência de ar condicionado, dado que a sombra ou a brisa a compensam, quanto, sobretudo, pela impossibilidade de funcionamento dos computadores, no acesso ao resto do mundo, com a inevitável "jet-rooter". E não há pilhas de "backup" que aguentem esta sucessão de imprevisibilidades, a que só a sonhada barragem de Laga pode pôr cobro. No entanto, é comovente notarmos como, nos próprios bairros degradados, que estão bem próximos do circuito da barra que vai do City ao BNU, há inúmeros cafés e lojas com acesso à net, onde jovens passam horas e horas.


Infelizmente, também aqui aterram algumas aves de arribação com ar de intelectuais desempregados pela demografia das nossas veiga-simónicas reformas de ensino, das tais que não estudaram previsões demográficas e que para o exótico, do pretenso veni, vidi, vinci, pensam poder vender o peixe estragado de respectivas retóricas, gramáticas e didácticas, que julgam ser "artes liberales". Mas acontece que, por cá, são mais precisas "artes bona" dos latinos, as tais que são passíveis de conciliação com uma adequada "ratio studiorum". Também, infelizmente, de vez em quando, lá temos que aturar alguns subprodutos das entidades herdeiras das faculdades de teologia, transformados em profissionais da intriga, dado que pensam poder interferir nas teias da partidarite dos mauberes, como se eles fossem parvos e não soubessem distinguir o trigo do joio. Não faltam sequer candidatos a espiões desempregados, formados em "copy and paste" de pós-colonialismo e artigos de divulgação das "Twin Towers", que nem sequer respeitam democracias como esta, feitas de milhares de mortos, em nome da honra e da pátria. Entre muitos exemplares de agrobetos e de revolucionários frustrados, encontro, felizmente, uma maioria de amantes deste lugar, portugueses à solta e homens de boa vontade, convertidos à alma destas paragens, com destaque para os militares da GNR e da PSP.




Há, sobretudo, uma enevoada metafísica nestes orientais trópicos, há pedaços de espírito que vão dando contornos às coisas, neste saudosismo dos antípodas, onde Pascoaes pode ser Pessanha e Pessoa volver-se em Wenceslau, para não falarmos em engenheiros agrónomos surrealistas que passam a Cinatti. E todos os dias, há um dia novo, uma noite de sonhos sem pesadelos, há palmares e mangueiras bordejando casas que são casas, nesta cidade de muitos fios ostensivos, motoretas sempre em bulício e essências que podem realizar-se pela existência, a dos homens concretos de carne, sangue e sonhos. Porque as essências apenas se objectivizam espiritualmente, quando as subjectividades pegam na alma e a deixam penetrar nos corpos, compreendendo. Porque só há almas quando elas se religam a um corpo, porque todos os transcendentes só o são quando situados pelos exercícios espirituais. Porque há um idealismo materialista, ou um materialismo idealista, aquele que diz, da natureza das coisas, que só por dentro das coisas é que as coisas realmente são. Continuo estoicamente panteísta.




Aqui me esqueço desse estado a que chegámos, com o Mário Lino e o Teixeira dos Santos a fazerem o trabalho sujo do insulto à líder da oposição, dessse estado a que chegámos que pensa que se escreve razão por entre tantas linhas tortas de razão de Estado, perdido que está pelos meandros do poder pelo poder. Por mim, confesso que, aqui e agora, estou cada vez mais do outro lado, que é, desses lados, não querer ter lado nenhum. Que é estar farto desses trejeitos dos que torcem e torcem, vergando, porque apenas têm medinho do quebrar, preferindo o jogo carreirístico dos que pensam que assim vergando não perdem o investimento que estão a fazer pelas vidinhas, saltando pocinhas e evitando as pingas de chuva, julgando que, dessa forma, não vão molhar-se e alcançar o sonhado lugar ao sol. Prefiro saudar o missionário franciscano aqui da ilha, vindo da Beira profunda, que vai de motoreta de aldeia em aldeia, escrevendo divino por tantos caminhos tortos e lodosos da terra dos homens. Por isso vou continuar a tentar escrever, ao sabor da pena, o que me vem à mente, mesmo que seja a quente, para os detectores de ferro frio nos inventariem no regaço das respectivas regulamentarices...

21.10.08

Longe dos trabalhos de casa para a reeleição, do respeitinho ao chefe, do leitão à Bairrada e do camarão de Espinho


Acordo cedinho, pelo nascer do sol, percorro as ruas fervilhantes do nascer do dia, não leio jornais de Lisboa, estou farto da literatura de justificação dos ausentes-presentes, a que os que restam chamam memórias, a fim de promoverem um revisionismo da história, como se eles pudessem fazer interpretação autêntica dos factos em que foram actores, na maior parte dos casos, secundários, onde apenas soletraram guiões que outros produziram. Não comento as opiniões de Marcello Caetano sobre Freitas, Adriano e Kaúlza, nem as respostas que alguns deles vão dando contra Marcello e uns contra os outros. Portugal devia abrir as janelas e as portas, limpar o caruncho e o bolor e voltar ao navegar é preciso, mesmo para aqueles que têm de se submeter para sobreviverem, porque sempre devem lutar para que possam continuar a viver. Prefiro as ruas de Dili pela manhã e recordar o que ontem transmitia sobre a política, esse agregado humano superior à casa, onde o chefe político não é o chefe da casa, onde inventámos o Estado para deixarmos de ter um dono, um "dominus", um "patrão", um "oikos despote". Prefiro recordar a velha história da doença da democracia, quando, desesperados, regressamos ao neofeudalismo de muitos donos, de muitos patrões, de muitos déspotas, de muitos protectores, de muitas compras do poder, de muitas cunhas, de muitos padrinhos e de intricáveis redes de micro-autoritarismos e sociedadezinhas de corte. Prefiro esquecer o quintalinho da Europa, de mão estendida à espera das migalhas da subsidiocracia e da mesa do orçamento. Prefiro um café pela manhã diante da ilha do Ataúro, prefiro passear ruas que ainda têm nomes como Jacinto Cândido, padrões com frases de Camões e edifícios com as cinco quinas. Prefiro não reparar nos recados que Jaime Gama deu há bocado aos senhores deputados do PS, porque, para serem reeleitos, devem fazer trabalho de casa, com leitão à Bairrada e camarão de Espinho. É bem mais interessante repararmos que para chegarmos à política, temos que sair do espaço doméstico da economia e entrarmos na praça pública pelo discurso, que em grego se dizia "logos", isto é, razão, agregando-nos em tornos dos símbolos maiores que nos dão pátria, desde um Estado representativo, onde o chefe não é patrão, a uma religião secular que promova a comunidade entre as coisas que se amam, onde o primeiro pode ter poder, desde que assente na autoridade da segunda, porque autoridade é coisa que vem de autor, de fundador, da raiz donde brotamos e crescemos, a caminho das saudades de futuro.

20.10.08

Que prazer, cumprir este dever de ser professor! Obrigado, Timor, estou a nascer de novo!


Hoje foram quatro horas de aulas. Que prazer cumprir este dever, na modéstia destas instalações, onde os contínuos que abrem as portas são os próprios professores, onde os contínuos que preparam as salas são os próprios alunos e professores, onde a paixão de aprender e ensinar se vive em comunidade, sem que tenhamos de receber lições abstractas de gestão motivacional, emitidas pelo tecnocrata trinta e três, da avaliação três mil e quinhentos, vindas de quem não faz da vida de professor uma missão de amá-la ou largá-la. Que prazer cumprir este dever inscrito na ciência dos actos do homem enquanto indivíduo, expatriando-me nas raízes da minha própria civilização e confirmando que todas as civilizações verdadeiramente universais são filosoficamente contemporâneas. Que prazer não ensinar nada de novo, mas repetir parcelas de aulas de mestre Platão e sugerir as leituras de mestre Aristóteles, especialmente para povos que também tiveram Platão e Aristóteles, mas aos quais apagaram a memória. Que prazer dizer nação como comunidade das coisas que se amam, dizer Estado como libertação, onde o monopólio da violência legítima ainda sonha coincidir com a justiça. Que prazer dizer que a democracia é aquele regime que permite golpes de Estado sem efusão de sangue, como ensinava Karl Popper, mesmo quando as identidades partidárias ainda estão ao rubro, à procura da necessária institucionalização dos conflitos. Que prazer, pensar que vou ensinar, quando afinal apenas me ajudei a aprender. Sabe tão sentir a escola como espaço de liberdade e correr nos intervalos para a sala colectiva dos professores, preparando os papéis, com pensamento e entusiasmo, com honra e com inteligência. Que prazer a liberdade de ensinar e de aprender! 

PS1: Já sei dos resultados das eleições regionais dos Açores. SMS amigo logo mos comunicou, para além de me enviar esta reflexão sobre a soberania viral dos meus actuais vizinhos. Para quem "in loco" sentiu a pré-campanha, nada de estranhar. Louvo a parte da nova lei eleitoral que reforçou o pluralismo partidário. Um abraço especial para o deputado do Corvo! 

PS2: Nem reparei, como no silêncio destas noites tropicais, passei horas e horas a fazer a revisão final do texto da minha "Crónica do Pensamento Político". Remeti-as já hoje pela DHL para Lisboa e não tenho onde contabilizar os custos individualizados da transferência, equivalentes a, pelo menos, seis almoços individuais no principal hotel cá da capital. Não me queixo, nem destes magníficos quartos de dois metros e meio por três metros e vinte desta residência de campanha. Missionário tem prazer de cumprir sua missão, mesmo que ela não entre na ficha dos analistas de sistemas dos burocratas e avaliólogos reinóis.

You might think that it was chuckling with amusement at the white men who come and go and leave all things as they were


O discreto autor do suspenso  Je Mantiendrai, cujo nome bem conheço, remeteu-me o seguinte excerto do livro cuja imagem encima este postal: "In the tropical East, where the sun sets at much the same time throughout the year, the evening's 'Last Post' often coincided with the Muslim call to prayer or the gongs and bells of a nearby temple. Together they came to comprise a reassuring recessional at day's end. The scent-laden air, once the sting of its heat had been drawn by the lengthening shadows, seemed at last to stir in moist sympathy with these serenades to silence and repose. Somewhere the flag had been furled and the watch had been set. Peace reigned; empires came off duty. Into crystal glasses tinkled ice cubes while rattan roofing reawoke to the first tut-tuts of the pale nocturnal lizard which Malays call the chik-chak. "You might think', wrote the novelist Somerset Maugham, 'that it was chuckling with amusement at the white men who come and go and leave all things as they were…”

Apenas lhe respondo com um abraço. Dizendo-lhe que tentarei o conselho de não perder uma peregrinação à ilha das Flores. Mais não posso dizer neste lugar público, a não ser este

Apelo à liberdade de blogar! Juntem-se! 


Dear Friend, 10th October, 2008

At this moment, at least 80 people around the world, many of them bloggers, are behind bars because they dared to express their political opinions online. We are hoping that you will take a moment to add your name to a petition by parliamentarians and others calling for their release. The short statement below, calling for freedom of expression on the Internet, has been signed by over 50 legislators from all continents, and is now being circulated for signature to bloggers, journalists, citizens and groups. Once it has received a large number of signatures, it will be sent to heads of state and government, including those who are holding the prisoners, as well as to the UN Human Rights Council.
This Call for e-Freedom has been initiated by the e-Parliament, which is a new forum for democratic legislators.
For the first time in history, the internet enables us to have a truly global conversation about our common future – in our local communities, our national communities and our global community. In blogs, websites and discussion groups, people are sharing ideas, exposing corruption and building networks to solve common problems.
Yet in some parts of the world, people who express views that conflict with those of their leaders risk imprisonment, torture or death. This is not only a denial of their rights. It denies their countries the benefits of free debate, and it prevents the world from hearing their voices as our global conversation expands day by day.
We are now contacting you as a member of the blogging community in the hope that you would like to sign this Call for e-Freedom -- to show solidarity with your fellow bloggers whose only crime has been to voice an opinion online.
The text that we are asking people to sign is as follows:
As Members of Parliament and Congress and as citizens, we call on all governments to allow their people to express their views on the Internet freely and without fear of retribution. In particular, we call for the release of those who are now in prison because they expressed opinions online that their governments did not like. We believe the Internet should be a space for free exchange among all the world’s people, where no one loses their life or their liberty for saying what they think.
You can add your name simply by visiting http://www.e-parl.net/efreedom and signing at the bottom of the page. If you can also encourage your friends and colleagues to add their names, we would be most grateful.
We look forward to hearing from you.
Sincerely,

Graham Watson MEP , Alliance of Liberals and Democrats, European Parliament
Sirpa Pietikainen MEP, European People's Party (Christian Democrats), European Parliament
Ana Maria Gomes MEP, Socialist Group, European Parliament
Anders Wijkman MEP, European People's Party (Christian Democrats), European Parliament

19.10.08

Aqui vos deixo a nocturna companhia, a minha irmã osga... dita toké


(Toké- lagarto especial do país [deve referir-se a Timor], que dá uns sons que parecem dizer "tó ké", os quaes repete por vezes, dizendo alguns indigenas que o numero d'essas vezes indica as horas que são; o que é certo é que esse numero é muito variavel, succedendo que emquanto de uma vez repete o som por duas ou tres vezes, de outras chega a sete e mais.) - in Diccionario Teto-Português, autor Raphael das Dores; Lisboa, Imprensa Nacional, em 1907.

Também dito Platydactilus gottutus e Gecko verticillatus,um bichinho que fala sem discurso e nos acorda em som, depois de comer baratas e outra bicharada, sem uso de insecticida. Garanto que o gavião, exilado do Valbom, que costuma acordar ao sons dos galos, antes do combate, não vai cair da tentação de o espantar aqui do quarto, onde, por manobras do meu colega informático, já consigo manejar a net, por curtos períodos, roubando o "wireless" a uma casota vizinha, até repararem a avaria que nos boicota a ligação ao mundo pelos dois mega teoricamente disponíveis. Minha osga favorita ainda há pouco se passeava por cima meu pano tradional de Timor, com as cores verde-rubras, dado que ainda não encontrei uma bandeira azul e branca, pois estas apenas se conservam nas casas sagradas, às quais malai não têm acesso. Vou tentar domesticar este simpático vizinho, primo de uns que encontrei no sertão de Brasília, que me dispensa do uso do mosquiteiro, que é coisa que apenas usarei quando for condenado a comentar a poitiqueirice desse quintal à beira mar prantado que, por estes dias, exportou para a Bahia de São Salvador os principais organizadores da nossa conspiração de avós e netos, com receitas para a crise mundial que não parecem ter sido ouvidas por Bush, Sarkosy e Barroso ...


O melhor de Timor não é o aparelho de Estado, mas aquilo que está na base da política, o comunitário, a que dão o nome de nação


Meu ritmo domingueiro passou hoje por visitar uma feira de artesanato que reuniu grupos de mulheres dinamizadas pelo microcrédito. Fiquei supreendido pelas dezenas de pequenas unidades produtivas que transformam a economia em actividade humana e desmentem totalmente os que pensam nesse Estado como algo completamente desarticulado a nível produtivo. O melhor de Timor não é o aparelho de Estado nem as actividades das grandes máquinas do lucro, mas aquilo que está na base da política, o comunitário, porque aqui a nação é bem superior ao tal Estado. Por isso é que a base da independência e da identidade do povo de Timor assenta na Igreja Católica, mas o que não impede imensas organizações de outro cariz de lançarem a sementeira da solidariedade. Confirmei-o, espreitando a obra a Fundação Lafaek Diak, de marca protestante, e até notei que organizações australianas como os maçons de Victoria, aliados aos catolicíssimos "Knights of the Southern Cross", criaram, nomeadamente para o Colégio Salesiano, o programa "Working Tools for East Timor", ajudando a desabrochar esta bela comunidade, conforme documento na imagem.

Há, depois, um povo muito especial, ainda não contaminado por certas facetas da nossa política de homens de sucesso e capaz de pequenos gestos na relação interpessoal. Por exemplo, hoje, perdi o meu telemóvel local, o +670 7432773, e logo a seguir, quando para ele fiz uma chamada, logo o achador se prontificou a vir entregá-lo, coisa que talvez não acontecesse para as bandas dos que para aqui enviam especialistas em engenharia social e "state building", traduzindo em calão muita elefantíase legislativa e criando uma casta de um neocolonialismo anónimo, escondido pelas traseiras da chamada globalização. De qualquer maneira, se um Belmiro de Azevedo ou um Américo Amorim, assumindo a sua dimensão de homens de boa vontade, se prontificassem a vender nos respectivos centros comerciais muitas das produções que eu hoje vi na feira, bem poderíamos ter o capitalismo ao serviço do comércio justo e notarmos que Timor não são apenas as notícias que vendem sobre instabilidade política ou agitações de rua. Até poderíamos mobilizar entidades da nossa sociedade civil que aqui deixaram raízes em imponentes casas nas ruas principais, como a casa do Benfica e do Sporting...

Por exemplo, ainda há horas, com a ventania que hoje fustigou Dili, caiu uma árvore na rua em que se situa a minha casa, no bairro da cooperação. Garanto-vos que, menos de um quarto de hora depois, os garbosos bombeiros apareceram e limparam a coisa num ápice. Contam-me que no tempo da ocupação indonésia utilizaram outra técnica: derrubaram grande parte das frondosas árvores que bordejavam as principais avenidas da cidade. É por esta e por outras que não apetece comentar a entrevista de Cavaco Silva ao "Expresso". Prefiro acompanhar as eleições nos Açores, mas, segundo diz o noticiário da uma da RTP, que aqui é à hora do jantar, só sairão os primeiros resultados lá pela madrugada timorense.

18.10.08

As pessoas quando viram que nem os lugares da Igreja haviam sido respeitados pelos indonésios fugiram todas dizendo: “Vieram para nos matar a todos”


Leio, no jornal "Diário do Minho" uma recente entrevista do meu querido Padre Felgueiras. Transcrevo excertos, sem muitos comentários. Apenas recordo que, quando o  conheci,  vivia em Cernache, adolescente, prestes a entrar para a Universidade e devo-lhe grande parte de quem sou, apesar de nunca termos falado de religião. Fui obrigado a ler tudo sobre Baden Powell e até me proporcionou um especial curso de dinâmica de grupo, dado pelos professores do nascente ISPA. Apenas assinalo que, nas paredes do meu quarto, além dos familiares, apenas conservo a fotografia deste missionário do século XX. Com ele, aprendi que sermos portugueses era sermos desses universais que devem diluir-se em todos os outros.

DM – Como se deu a ida para Timor?

Estava no Colégio da Companhia de Jesus, em Cernache, e o Padre Provincial propôs-me ir para Timor. Isto em Maio de 1970. Fiquei surpreendido e, então, pedi um tempo para reflexão. 

Em Dezembro desse ano, parti de Cernache rumo a Timor. Neste tempo entre o pedido do Provincial e a minha partida, li muitos livros sobre Timor a fim de criar uma visão mais objectiva daquele País. 

Li praticamente todos os livros que havia e que estavam na biblioteca do colégio e isso enriqueceu a minha visão. Preparei-me para partir, com consciência renovada da minha missão de cristão, de sacerdote e de jesuíta. 

Tomei esta missão a sério, não apenas como uma aventura cega. Inseri-me no espírito dos grandes missionários, sabendo da responsabilidade que era e da própria beleza da missão em si.

Com o domínio indonésio não havia guerra no interior mas apenas nas fronteiras, para onde se dirigiam diariamente milhares de homens soldados.

Mas, a invasão alastrou.

O Seminário foi bombardeado e totalmente destruído. Durante este ataque, lembro que estávamos no interior da capela, estendidos debaixo dos bancos, para evitar os estilhaços.

Estávamos persuadidos de que os indonésios iriam respeitar os lugares da Igreja e até tínhamos posto bandeiras brancas, mas mesmo assim fomos bombardeados.

Quando parou este ataque saímos de lá. Instalámo-nos numa casa de um timorense que nos deu guarida, no relevo da encosta da cidade. Começámos a cavar buracos e valas no chão para nos protegermos dos bombardeamentos, que aconteciam diariamente, de canhões, morteiros e metralhadoras.

Foi uma época terrível.

As pessoas quando viram que nem os lugares da Igreja haviam sido respeitados pelos indonésios fugiram todas dizendo: “Vieram para nos matar a todos”.

Nesse preciso momento, a Indonésia perdeu todas as hipóteses de simpatia dos timorenses.
Este ambiente de violência decorreu até ao referendo de 1999, que foi favorável à independência de Timor.


Nome Associação: MISSÃO CATÓLICA PORTUGUESA DO PADRE JOÃO FELGUEIRAS 
Morada: RESIDÊNCIA DOS PADRES E IRMÃOS JESUITAS // LEHANE
 
Pessoa de Contacto: PADRE JOÃO FELGUEIRAS
 
Telefone: 322272
Fax: 323832
 

SOS SOS SOS


Quase uma da tarde deste primeiro sabado de Dili. Uma internet lenta demais e, com longas brancas, especialmente no "wireless" que concedem aos agentes da cooperacao, apesar de o gestor, um engenheiro informatico paquistanes, ou la o que e, tentar superar o problema. Logo, volto a escrever de uma maquina sem regras ortograficas lusitanas, no espaco para agentes de negocio do Hotel Timor, pouco adaptado a nossa ortografia, apesar de ter sido reconstruido gracas ao apoio da Fundacao de Carlos Monjardino. Apenas para comunicar aos meus amigos e leitores que ontem ja tive o prazer de longas e belas horas de aulas e que, depois de tantas trocas e baldrocas, me voltei a sentir professor na sua plenitude, naquela funcao que e missao e que e vocacao, onde o trabalho nao e uma imposicao do regulamento ou objecto de analise dos tecnocratas da avaliacao, mas daquela comunidade em torno das coisas que se amam e que se chama sala de aula. Agradeco a todos os deuses esta oportunidade de libertacao.

Quando sai da universidade, voltei a reviver e aquilo que foram noites de dormir que o meu ritmo circadiano interpretou como se fossem uma curta sesta acabaram, esta noite, compensadas, porque foram quinze horas seguidas de soneca, para me sentir finalmente liberto neste novo fuso horario. Agora, perante novas circunstancias de tempo, posso novamente peregrinar pelo lugar, ja sem o peso da tralha burocratica a que estava agarrado, especialmente daquilo que o meu Professor Rogerio Soares qualificava como elefantiase legiferante, como aquela que temos em Portugal, esse universo comcentracionario de leis e regulamentos que obriga o agente aplicador a ter que cair naquele estilo da administracao otomana a que Hannah Arendt dava o nome de governo dos espertos, dado que o cipaio e o administrador de posto podem sempre escolher arbitrariamente qual a lei que hoje podem aplicar aos incautos cidadaos que estao na lista dos mal-amados.

Dai que me apeteca citar Camoes de memoria e proclamar que vale mais experimenta-lo do que julga-lo, para que julguem os que nunca o puderam experimentar. Basta reparar nos erros ortograficos deste postal para algum leitor poder pedir ao Carlos Monjardino que mande aqui para o hotel a que ele esta ligado um carregamento de teclados em segunda mao que tenham um til e uma cedilha. Basta que outros leitores tenham a ousadia e a imaginacao de pedir as respectivas escolas e aos respectivos editores que mandem para a Universidade Nacional de Timor Leste todos os livros que tenham em armazem e que querem amanha remeter para as maquinas de destruicao de papel. Nao custa nada fazer um embrulho dessas coisas e despacha-las ca para esta terra. Ate mas podem mandar, aqui para o Bairro da Cooperacao, que eu farei chaga-las ao sitio certo. Lembro a coiss, especialmente ao Henrique Mota e ao Paulo Teixeira Pinto que a devem sentir por dentro.

Ainda ontem, nas aulas, reparei que estes meus alunos manejavam o manual de Financas Publicas do meu querido Professor Teixeira Ribeiro. Tentando espreitar a edicao que nao conhecia, notei que a mesma era, afinal, uma bem montada fotocopia emitida, num destes recantos imaginativos de uma oficina de comerciantes chineses. Imediatamente, autorizei que o meu volume de filosofia do direito, por acaso esgotado, ha varios anos, em Lisboa pudesse ser editado clandestinamente por esta magnifica casa eleitoral da necessidade. Hei-de sugerir que facam o mesmo ao manual introdutorio do saudoso Professor Joao Castro Mendes, apesar de haver o mesmo na biblioteca, ao lado de longos codigos anotados sobre o nosso direito do trabalho e a nossa estrada que, naturalmente, ninguem consulta.

Quanto ao manual de Castro Mendes, peco imensa desculpa a Dona Lurdes e ao Senhor Costa, da ex-editora do PBX da Faculdade de Direito de Lisboa, a que concorria com o "stencil" do senhor Charneca, mas quero aqui perpetuar a palavra de um dos mais maravilhosos mestres que ainda conheci na Faculdade do Campo Grande. Julgo que a logica dos futuros magistrados desta terra do sol nascente merece ser impregnada pelas obras mais pedagogicas que a nossa ciencia do direito produziu no seculo XX. De qualquer maneira, este meu testemunho, se tiver alguma alma caridosa que o receba, bem pode ter alguns frutos, se certos leitores tiverem a pachorra de o transformar num "mail" que remetam as nossas escolas e editoras, do Rei dos Livros a Almedina, nao esquecendo a Coimbra Editora e todas as escolas de direito lusitanas. Remetam para a Universidade Nacional de Timor Leste os livros necessarios para a sementeira.

Do mesmo modo, se houver brasileiros nas mesmas circunstancias e alguem que faca chegar o apelo ao Rio de Janeiro, a Sao Paulo ou a Brasilia, todos agradeceriamos. Infelizmente, ja esta falecido o meu querido mestre Miguel Reale, porque ele, de certeza, iria bater a porta do maior editor de livros juridicos de lingua portuguesa, o Saraiva, esse mesmo, da Editora Saraiva, que nunca por Portugal repararam que era compatriota, ate para podermos furar o esquema da edicao de livros juridicos portugueses no Brasil. Porque nao bastam as boas feiras de livros que fazemos no Brasil ou noutros paises dos PALOP. E necessaria muita imaginacao e o esforco individual do portugues a solta.

PS: podia utilizar a tecnica do copy paste para resolver o problema da ortografia, mas apenas a deixo para verem como ate no Hotel mais portugues de Dili ninguem se lembrou de solucionar este pequeno nada...

16.10.08

Um povo é uma comunidade de significações partilhadas


Porque aqui são oito horas mais tarde, não sofri com as queirosíadas, mas agora, prestes a jantar, noto como os programas de opinião pública da rádio estadual de Lisboa nos debitam análises sem fim sobre a causa da crise da nossa FPF onde, finalmente, se nota como está nu o tal madail que ainda vai ser herói se optar pela chicotada psicológica. Já, da política, nos vêm as disputas laranjas sobre a candidatura de Pedro à autarquia lisbonense, enquanto o governo nos orçamentaliza e Medina Carreira continuar a pregar no deserto. Vale-me que, neste ambiente timorense, vivo noutro mundo, sem qualquer paixão identitária pelas facções e partidos locais que, apesar estarem bem perto, nada têm a ver com o ritmo da minha cidadania. Assim se confirma como um povo é uma comunidade de significações partilhadas.

Vistos de Timor, Sócrates, Louçã, Portas, Jerónimo ou Manela são animais exoticamente idênticos, revestidos pelo mesmo discurso, embora uns se digam de um lado e outros, do lado oposto. Tal como os portugueses de hoje vêem os opostos políticos da I República como gente de chapéu preto e de discurso de comício em cima de um carro de bois. Poucos conseguem saber se António José de Almeida estava à direita, ou à esquerda, de Afonso Costa. Também os políticos de hoje, vistos à distância, são tão rotativamente próximos, quando o Zé Luciano ou o Hintze. Contudo, a paixão identitária que nos mobiliza pode constituir uma saudável energia, se a soubermos sublimar em adequada institucionalização dos conflitos.

Por isso, amigos e queridos leitores, não esperem que aqui formule opiniões sobre Xanana, Alkatiri ou Ramos Horta. Não só porque sou estranho e estrangeiro, como não é justo que exerça qualquer sucedâneo de cidadania, sobretudo face, a um povo que ainda há pouco conjugava o martírio. Esta democracia timorense, com o seu real dramatismo, exige, pelo menos, que respeitemos os mortos. Daí que fique cada vez mais longe de toda politiqueirice lusitana, ainda marcada pelo mais do mesmo.

No acaso procurado de uma espera de pátria prometida, depois da guerra e do império


Depois de um longo mar, bem calmo, por onde me reparti, bem longe de quem estou, veio a ilha, em mar largo. É por aí que vou cumprir meu sonho, nesta procura. Foi por cima de um largo mar azul, pejado de ilhas e ilhotas, corais e ondas brancas que a orla foi de ilha em ilha, passando os confins da Ásia até à Oceania. Navegar é preciso, viver, sobrevivendo, já não é preciso. Porque os sonhos que sonhei e agora recordo têm a emoção cósmica de um novo mundo que sempre podemos ter para descobrir. Para que o vulcão do lirismo possa mais uma vez romper dentro de mim.


O chegar foi muito mais forte do que as palavras que o poderiam expressar. Porque muitas memórias me vieram, do fundo da alma, nestas brumas tropicais. Como os sonhos que fui tendo noite dentro, onde se misturaram casas e terras do passado, encruzilhadas, projectos de vida por cumprir. E, sem saber porquê, mais fundo, um sinal de flor, um terno olhar, de uma beleza imaculada, como ave que se passeia por cima do arvoredo. Não estava longe, mas no seu lugar, porque é assim que, em paz, podemos ir além do breve espaço de tempo a que chamamos vida. Porque a esperança pode ser eternidade, se nos diluirmos no tempo sem tempo, de um Deus a que muitos chamam mundo.


E sempre o desejo de voltar ao sítio para onde vou, porque, só depois do fim, hei-de lembrar. Nasci para chegar além de mim, para permanecer em espírito, para além do estar aqui, mas onde, de vez em quando, me vêm sinais do infinito de que também sou feito. Eu, indiviso, indivíduo, pequeno pedaço do imenso, para onde tendo, naquilo a que muitos gostam de chamar metafísica, coisa sobre que sei que nada sei. Mas o caminho místico que me dá este ambiente de trópico faz, afinal, com que regresse para seguir em frente.


Aqui e agora, olhando por mim dentro, voltei a ser menino que procura o que se esconde para além da curva do caminho. E peregrinando meus confins, nos antípodas do que dizem ser o sítio onde nasci, é mais perto de todos os outros que, dentro de mim, já me acho. Porque, vivendo o mistério deste sol nascente, é mais perto do eterno a que me chego. Nesta serenidade de olhar um mundo que me volta a dar o sonho da procura do paraíso. Até, vestido de Camões e Mendes Pinto, trato de procurar Portugal, assim fora de Portugal, dando-lhe os muitos nomes com que os portugueses à solta, do império sombra, foram registando estes mares dantes nunca navegados. E assim diluindo-se em todos os outros, nos foram dando o ser universal que nos abrasa.


É esta nossa metafísica de aventura, de correr todas as sete partidas que sempre foram semente do abraço armilar. É esta fidelidade avoenga que nos obriga muitas vezes à resistência e à rebeldia. Andar sempre em partida, eis meu lugar, para poder cumprir a missão de ser simples parcela de uma corrente de sonho e pensamento que me transcende. Para que meu corpo possa servir a alma que o mobiliza.


E vieram asas para que sou procura. Pequenos pedaços de um sinal do tempo para onde voo. Um indefinível mistério que se cruzou comigo, no acaso procurado de uma espera de pátria prometida, depois da guerra e do império. Porque, no mar, é o princípio e serei sempre o procurar.

14.10.08

Amanha terminarei esta parte da viagem. E o sol vai nascer de novo.


Sabe tao bem a descoberta, o saber de experiencia feito, mesmo que o teclado nao me deixe cumprir todas as nossas regras ortograficas. Tenho de olhar, sentir e calcorrear. Nao concluir apenas pelo preconceito e o ouvir dizer. Sobretudo, vivendo o mundo que a minha volta se vai estendendo, longe das eiras e das beiras de que vou vivendo. Ai dos que procuram o exotico turisticamente, de qualquer maneira. Porque depressa pode passar-se do deserto radical para um lugar ao sol no nevoeiro de uma republiqueta financeira, lendo despachos sobre o sobe e desce da especulacao financeira e perdendo os fios do equilibrio que nos ligam aos grandes movimentos cosmicos. Nomeadamente aos ritmos profundos que transformam as ideias em correntes de pensamento e concepcoes do mundo e da vida, quando nao em grandes religioes universais. Importa que cada um de nos se assuma como centro do mundo e que, pelo individual da diferenca procure a humilde ambicao de aceder ao universal.

Noto que ja poisei na terceira escala, nesta terra de tufoes, vulcoes e tsunamis, onde o mar e a terra se enrodilham num ceu que desaba em dias de raiva. Por mim, apenas o desejo de procura de um lugar onde, que me de mais espaco para assentar o sonho. Sem as amarras de um tempo que, afinal, nao nos da lugar. Porque ha quem pense gerir imperios sentado no sofa das ordens e das contra-ordens, mandando servicais e capatazes para os cantos mais escondidos de seus pretensos dominios. Ha quem, sentado em seus gabinetes de poder, mande matar e mande morrer pela simples assinatura de um despacho, assente na informacao formal de um senhor director qualquer e aceitando a sugestao do rascunho de decisao que o chefe de gabinete elaborou. Ha quem pense que mandar tem de ser poder mandar matar e mandar morrer. Ha quem continue a dar o nome de substantivo ao velho adjectivo de uma arma que tambem pode disparar em ricochete, e a que todos os poderosos faz ter medo de tambem poder morrer matando.

Apenas digo que ha outros sinais da procura do universal. Mesmo aqui, dentro desta enorme baleia aerea que me permite ser um anonimo lusitano, entre tantas e desvairadas gentes. E la assinei mais nao sei quantos papeis de desembarque para satisfazer o manual do controlo policiesco desta formidavel rede securitaria que esta crescendo para controlar outras redes, na constante guerra dos Estados contra os clandestinos que, por dentro, ao lado e acima dos Estados formais, vao instrumentalizando a pluralidade de pertencas dos individuos.

Para onde vai meu nome? Para que gaveta numero nao sei quantos mil de um qualquer armario concentracionario vai meu carimbo, assim perdido nos aparelhos de analise de poder desta abstracta maquina alimentada pelos impostos e controlada pelos sargentos verbeteiros, pelos chefezinhos de continuos, pelas odaliscas, pelos espioes, pelos muitos comedores de restos? Sobretudo, se eu nao preencher devidamente a ficha controleira com que um qualquer intendente desempregado do gulag ou do tarrafal me quis controlar, vingando-se em persiganga.

Amanha terminarei esta parte da viagem. E o sol vai nascer de novo.