a Sobre o tempo que passa: fevereiro 2010

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.2.10

Fugir cá de baixo lá para cima



Se a mentira de alguns é horrorosa, mais grave é a fonte que a inspirou: a brutal traição dos que, insinuando, escondem a verdade e conspiram, permitindo que a falsa inteligência dos que nem legitimidade de título podem invocar e usurpam a casuística dos cargos de assessoria e adjûncia, para denegrirem a honra dos que vivem como pensam, com a legitimidade do exercício!

Os nomes não se confundem com as coisas nomeadas. E ai das instituições quando as ideias de obra são letra sem espírito, as regras de processo, pretextos para a persiganga e as invocações de comunidade, instrumentos de carreirismo e de terrorismo moral, praticando-se a intolerância, o fanatismo e a ignorância!

Teeteto (176 ab): "É preciso esforçarmo-nos por fugir o mais depressa possível cá de baixo lá para cima. Fugir é tornar-se semelhante a Deus tanto quanto for possível. Tornar-se semelhante a Deus é tornar-se justo e santo em espírito"

26.2.10

Postal Redondo. De Teresa Vieira


POSTAL REDONDO

Às vezes é assim: a necessidade de síntese obriga-nos a abandonar tudo o que não era ou não foi um princípio em si.

Há por instantes uma velocidade da luz planetária que nos corre os anos e nos descobre as verdadeiras razões. Aquelas que estão rentes ao dizer que se não diz.

Julgo que é nestes momentos que pintamos a cor mágica, aquela que só cada um entende a pigmentação, aquela que nos faz sentir mais sós num reino que se estende para além do conhecimento; esse mesmo que depois de juntas todas as peças, nos faz chegar ao tempo do não há mais tempo, a não ser para continuarmos a colocar o coração na mola do amor, aquela que um dia se fixou dentro de nós sem esforço e em jeito de véu.

Como aves, a cada dia, graduamos as penas ao impacto do voo.

E existe um laboratório dentro de nós. Nele colocamos os processos da alma e espreitamos pelas lupas dos microscópios as adaptabilidades que recusámos e as que desejámos e às quais acrescentamos ainda as sem escolha.

Sim! e há que sermos verdadeiros e reconhecermos que no fundo da lupa nos espreita a nossa própria íris, e dela como dos confins, surge-nos claro o novíssimo testamento, aquele que cultivámos por nosso e não nosso, aquele que significa o advento do daqui a pouco, corrigido, igual, diferenciado e sempre, sempre natureza.

Às vezes é assim: o homem é só uma medida e daí a urgência que se conheça como na realidade é, e para que dessa consciência retire o poder de cumprir uma missão, um propósito, uma intuição, uma serenidade.

Para tanto, aprenda-se a linguagem das causas e a do desprendimento. Construa-se a estrada circular que nos abraça nos medos, bem como aquela outra invisível: tão invisível que provará a vida para além da chamada morte, e então o que nos está a acontecer não irá provir de nenhuma espera. É um processo disponível,

e tudo o resto está na perpetuidade. No genial granjeio.

E de mãos dadas…

Teresa Vieira

Sec.XXI – 24.02.10

22.2.10

Ana (1966-2010). Minha querida mulher, que foi um pedaço de eternidade!


Minha Kida! Devolvo-te, através destas mãos permanecentes, palavras que já não são para mim, mas de todos quantos amam, em eternidade:

"...

Ouvi dizer um dia que o amor deve ser fácil. Como um colchão fofo coberto com um edredão de penas brancas em que me afundo quando tenho frio. Como as tuas mãos quentes que me tapam as orelhas para me protegerem do barulho do mundo.

Somos ambos muito velhos e encho-me de ternura quando olhas para mim e me dizes "Estás linda". Digo-te que podes comer todos os bombons da caixa porque hoje é um dia especial e todos os dias são especiais. Contigo todos os dias são de sol, mesmo que esteja a chorar por dentro. Tu, que consegues fazer cessar a batalha que travo contra mim, tirando-me o mal, és o arquivista da minha alma

..."

15.2.10

O estrume da sucata vai moendo à esquerda e à direita...


O estrume e caruncho da sucata vão moendo à esquerda e à direita e os pés de cadeira já são checados em sua careca medalhada. A nudez forte da verdade vai rompendo os mantos diáfanos da fantasia, da benção do ex-ministro, e da propaganda. Agora é o traseiro da direita sem segredo nem secreta, com o habitual gesto das Caldas...

O uno inefável do estadão vai-se propagando em sucessivas emanações de falta de autenticidade, e os alargados círculos concêntricos da hierarquia neofeudal vão queimando estas sucessivas sociedades da corte da golpada, onde o crime sempre compensou. Os que estão em baixo começam a perder a protecção de quem está em cima.

Ter poder em Portugal é ter capacidade para federar receptores de cheques de avenças e consultadorias, nessa distribuição de recursos por via hierárquica, onde a massa é directamente proporcional às falsas honrarias e comendas que os chefes do bando vão emitindo em nome de nós todos, para que todos continuem a pagar apenas a alguns...

Nesta quinta de animais decadentes, se somos todos iguais, há alguns que são mais iguais do que outros, sobretudo os que pertencem à classe dos porcos triunfantes, onde Corte (do latim "Cohors") tem a mesma origem etimológica dessa fábrica de estrume chamada córte, a de nossas velhas aldeias, onde os suínos iam guinchando...

14.2.10

A mudança dos núcleos. De Teresa Vieira


A MUDANÇA DOS NÚCLEOS

A tarde procura a noite e no que se refere ao país, julgo que estamos numa épreuve de force sem pesadas componentes na defesa do futuro.

Recordo que uma das fortes noções de humanidade em progresso, chega-nos do sec. XVIII quando se acreditava na ideia de Condorcet, e que assentava numa força indefinida da realidade, sendo esta constituída por humanidade em movimento, num casamento de pré-funcionamento de tudo.

Agora, as “leis” são mais ambíguas, sofrem de todas as interpretações restritivas ou/e elásticas, consoante as circunstâncias da verdade, e se acaso forem "leis" de direito natural, a magistratura do mando pretende criar a ciência desumana da não crença em nada.

Em consequência as ideologias seguem apenas as situações de facto, enquanto os homens agradecem o convite de se mostrarem ávidos robots.

Entendemos que é preciso combater o desperdício institucional da alma, esse que dá calor às casas e que, julgo ser em si só uma atitude.

Como sempre se soube, só vale a pena lamentar as vitimas quando se denunciam os carrascos, por um lado, e por outro a academia tem de se mostrar mutante quando tudo se reduz a um intoxicante modelo.

Também creio que os intelectuais não devem recear comprometer-se face a esta prospectiva de decadência. Há que explicar aos que os aguardam o que afinal está ameaçado. Há que explicar qual é o sinal do espectáculo que promove a morte da vida.

O Alçada dizia-me que só acreditava na mudança se ela fosse a mudança interior e a que chamei então de mudança dos núcleos, aquando dos serões que fomentámos no âmbito da Lisboa-Capital da Cultura em 1998.

Penso o mesmo, mas acrescento que a questão prévia é a do acontecimento-ruptura a partir do qual, aí sim, surgirá o novo ciclo.

Certo é que continuarei a lutar por uma aposta nova, por um acontecimento que englobe diversas tendências num lugar de encontro.

Estamos aí.

Teresa R.B. Vieira

14.02.10

12.2.10

.. interessa menos o nome e mais a coisa nomeada.


Uma soberania condicionada

O PSD, essa grande federação de militantes, grupos de interesse e grupos de pressão, vive, mais uma vez, em encruzilhada, agora com três candidatos à procura de autor.

O “catch all”, não pertencendo às raças puras e tendo uma certa complexidade mestiça, apenas tem como essência o sentido predador do poder pelo poder.

Daí que não possa dobrar o cabo das tormentas do pós-cavaquismo, mesmo depois do falhado cavaquismo sem Cavaco, porque está condenado a ter de apoiar a respectiva reeleição, mesmo que o não creia.

Logo, toda a mudança tem soberania condicionada, e toda ruptura está obrigada a ter que usar adequado hífen com o mais social-democrata dos líderes do PS. Com quem, aliás, tem coabitado, numa espécie de vivenda geminada, mas com os mesmos telhados de vidro, agora orçamentais.

Apenas desejaria que acabasse este ciclo de hipocrisia de uma direita que convém à esquerda, onde as eventuais boas, ou más, intenções de distinção face ao PS acabam sempre no inferno manipulado pelas forças vivas do situacionismo.

Sócrates já não é da JSD, mas continua a ser o principal eleitor de uma pugna que não consegue um candidato contra Eanes, como Sá Carneiro, ou contra Soares, como Aníbal do anti-bloco central.

(DN, Hoje)


Pedro Tamen - O livro do sapateiro. Por Teresa Vieira


Pedro Tamen - O livro do sapateiro

Eu diria que se escreveu como se já não houvesse tempo para as razões, mas a escrita faz um desafio e agarra pelos olhos as tais cores do tudo que perduram no livro do sapateiro.

Nota-se que o sapateiro segue a analogia dos dedos que fizeram irmãos em livro anterior, diria até que a mão direita do sapateiro, sabendo ou não, foi aceitando um acocorar dos tempos, sobretudo quando eles nem concluíram a cena-vida, nem apenas a ela lhe chamaram solidão.

No tempo 4 o livro do sapateiro recorre a uma luz de tempo antigo como se o tempo novo não coasse os saberes por filtro anterior. Assim somos levados a concluir que em muitas horas não se descortinou o que foi a interpretação do que transporta e move o sapateiro e o sapato e que é precisamente esse tempo do transportar o que afinal lhe resta descobrir.

Neste tempo, sapateiro e sapato comungam a opinião de que o comércio dos saberes e dos sentires é afinal merceeiro, tão merceeiro que o cheiro do vinagre surge ao sapateiro com a utilidade de entender a vida na sua metade e não pela metade no sentido de amputada. Antes nos surge que o sapato se fez e se faz no espaço imenso de um sopro. Assim o entendemos até ao tempo 7 deste livro.

Contudo, desafia-se o sapato e o pé, ao mesmo tempo que faz todo o sentido compreender neste livro, o dizer não digo, pois já disse, qual condenado ainda a tempo. Sempre a tempo de aceitar a condenação que rejeita.

De propósito o livro do sapateiro surge numa perfeita confusão esclarecida.

Ao tempo 12 não distingue o poeta a margem, para que não surja a ponte que afinal recusa não ter visto na hora de se fazer oferecida ao seu olhar. Era sal, talvez, ou era pão o que se viveu e se vive e no entretanto do hoje a esperança, ainda assim na mão da pele também ela acocorada, temerária e insistente até romper a juventude que lhe resta.

Sentimos uma característica clara nestes poemas: eles recusam os caminhos miméticos pois que a obra não é trabalho de encomenda, como nos aperta o tempo 19. Todavia admite-se claramente que o destino é caminho incerto, é soluço admitido, mas a vida é outra coisa: sentimos que se afirma que a vida é um regresso ao princípio. Ao princípio do dia em que não renascendo se nasce.

Para nós este é o grande sapateiro que não foge, mas aceita sem receio o castigo de um prego pelo desrespeito que anteriormente lhe prestou. Desatenções?

Há no tempo 26 diga-se, uma fisga que dispara o suicídio de muitos dias, certo de que os sapatos aguentariam caminhos diferentes ou mais arrojados . Talvez por isso a tristeza líquida do choro quando nem a fruta que cuidou o reconhece. Parece que o sapateiro poderá agora sim, estar cego. Ou poderá querer fugir do destino ao qual apela deitando mão das cerejas?

Enfim, a cave é em muito o local da vida que o sapato usa e pisa e lustra. Afinal a cave faz parte do que pertence ao poema do livro no seu todo, pois que está à frente do próprio sapateiro e não só, mas também, para que lhe recorde a pele transfigurada quando é tentada ou saudada pelas pastagens verdes do tempo 41.

Surge-nos o livro do sapateiro e nele um construir de muito fundo um alicerce ao livro todo; suporte sintético e certeiro das palavras aos dias de uma vida em muito feita, prego a prego semeando pregos, horas a fio, na obtenção de um esclarecer que clareie razões ou as justifique ou as negue.

Surge-nos este excelente livro e no qual se constrói, sem paradoxo, um único poema que se ilumina também com a infelicidade. Aqui a infelicidade é também protagonista de um especial luzimento a muita vida em que se vai polindo o próprio sol? ele que desde logo subentendido no tempo 49, não deixa de ter voz para nos dizer o quanto os últimos dias, se têm brilho, será exactamente por nunca serem os últimos, ainda que o poeta aqui e ali os queira averbar.

Porém, a verdade é que o brilho imperecível deste sapateiro de olhos molhados já se fez à estrada pelo pé do escriba.

Referimo-nos à estrada magnifica e através da qual no tempo 43 o sapato concluído enfim e até hoje, vai e irá, montes e flores onde exacto encontra a sua maneira de bambalear o caminho, aquele com que tempera a natura numa liberdade elástica exposta nas palavras eximias do tempo 36.

Teresa Vieira

Sec.XXI – Fevereiro 2010

10.2.10

Tempo de pronunciamentos e de falsos Messias...


E lá vai mais um pronunciamento ministerial, agora do que ocupa a pasta da justiça, depois do apelo de resistência legal à lei feito pelo ministro das finanças...Onde o Estado de Direito é um Estado de Legalidade e onde a legalidade é aquilo que uma maioria absoluta, incluindo a da coligação negativa das oposições, pode decretar...

Mas o apelo a "altas instâncias", a "representantes mais proeminentes" e a "supremos" poderes até poderia levar outro "supremo magistrado" a assumir-se como aquele que decide em estado de excepção, depois de o parlamento expressar sua vontade, e de o poder dos magistrados judiciais poder ser confundido com mais uma organização dependente do principado e verticalmente hierarquizada...

Hipocrisia é dizer que vale mais o nome da coisa do que a coisa nomeada, que a culpa é do mensageiro e não da mensagem. Até Manuel Alegre, invocando Aristóteles, confundiu a justiça com a administração da dita, esquecendo que, na "polis" a que se referia o Estagirita, os tais administradores da justiça eram eleitos, e que os cidadãos não eram canalizados pelos partidos, participando directamente nas decisões...

Sócrates está contra os que fazem “ataques políticos de carácter”. Não sei até se haverá uma proposta, em sede penal, de restauração da pena de morte política, judicial ou jornalística, para os que promovem assassinatos morais, conforme Talião. Os primeiros implicados são os que vêem os outros em "delirium tremens", porque vão para o estrangeiro e aí discutem a Pátria!

A Edite Estrela pode denunciar Berlusconi no Parlamento Europeu, na tal instituição que, para Inês de Medeiros, na AR, é o estrangeiro, talvez por se situar acima de Paris. E o Rangel, esquecido do discurso que fez, há tempos, em defesa do dono do poder em Roma, não pode ser antipatriótico e traduzir o discurso estrelático em calão lusitano, com sotaque de Foz do Douro. Conclusão: quem tem telhados de vidro não pode atirar pedradas. Isto já não é porreiro, pá!

O Estado de Direito são eles. Tem todos os partidos contra eles e onde jornalistas apenas abusam. Eles são a Verdade. Eles são o Caminho. E até têm ministros que usam a farda, e põem a tropa e os meios armados como pano de fundo para pronunciamentos partidários de propaganda.

Soares é fixe! Veio declarar que o aparente vencedor da presente encruzilhada continuará de vitória em vitória até à derrota final, onde serão punidos tantos os facciosos e clientes que o têm apoiado, como todos os que se enredaram nas regras do jogo do sistema, incluindo irmãos-inimigos e homens do apito que, de vez em quando, também tocam na bola e não reconhecem situações de fora de jogo...

9.2.10

Contra o beatério fracturante dos prós e dos contras!


Pode parecer paradoxal, mas, quanto mais sou mobilizado pelos meios radiofónicos, televisivos e escritos da comunicação social, para pensar, ao vivo, as circunstâncias, mais preciso de apoio da metapolítica. Por isso, por aqui não tenho escrito. Porque continuam intensas as minhas pesquisas de teologia política, para poder ser prático... Não é ironia!

Nos tempos do PREC, quando a instabilidade a nível do supremo poder quase chegou à transmissão de golpes em directo pela televisão, alguns observavam que o vencedor das jogadas nunca era o autor do golpe, mas o gestor do contragolpe.

Quando tudo aponta para o regresso àqueles acasos procurados, onde não é a história que faz o homem, mas o homem que faz a história, apetece aconselhar alguns mais histéricos de tácticas, isto é, de disposições de forças no terreno, que importa mais uma estratégia e muita paciência. Porque é o homem que faz a história, mas sem saber que história vai fazendo.

Por isso recordo o comentário que, em Setembro de 2009, fiz ao manifesto do João Gomes de Almeida: “Não posso dizer que concordo com tudo, porque a forma mais irracional de racionalidade é assinarmos manifestos. E este é tão indisciplinador que merece mesmo ser manifesto”.

Estou farto de tacticistas que julgam obter vitórias berrando e esgotando-se em acções tomadas contra um inimigo, apenas quando este entra no campo de visão. Prefiro ir além daquilo que é possível ver. Ir além da simples técnica do bota-abaixo. Prefiro uma outra maneira de pensar e não o mero irmão-inimigo do situacionismo.

Porque, como dizia Castex, a estratégia é como o espectro solar: há um infravermelho que pertence ao campo da política e um ultravioleta, o domínio da táctica. Prefiro a política.

Imaginemos que Sua Santidade o Papa dizia que não tinha visto, não tinha ouvido e não tinha lido isso de bispos pedófilos ou de bispos que ocultaram pedófilos, só porque um deles estava em caminho beatificante. Era hipocrisia. Eram sarcófagos pintados da cor de ex-adjuntos de gabinete socrático postos em empresas ou contratos de regime...

Suas ministerialidades e suas "girls", "boys" e "lgbts", mesmo que titulados em juridicidades e malhadeirismo, devem recordar que a justiça é a mãe do direito e que o primeiro preceito é o do "honeste vivere", porque nem tudo o que é lícito é honesto, para além do "alterum non laedere" e do "suum cuique tribuere"...

Há, neste PS, um beatério fracturante que não passa de um transplante fanático naquele tronco de um PS com o qual deveria ser incompatível se, por dentro das coisas, a natureza do partido realmente fosse. Isto é, se o poder pelo poder não tivesse unidimensionalizado o originário liberdadeirismo...

5.2.10

Uma hora de pedra voltada ao mar. De Teresa Vieira


UMA HORA DE PEDRA VOLTADA AO MAR

A completude só se atinge num estado um pouco além da consciência desperta. Contudo, muitos são os que insistem que a tristeza crónica e o desencanto permanente, constituem em si, a tal completude de maturidade que devem demonstrar com afinco e convicção.

Os tempos, para umas certas bandas de um país, só estão perfeitos quando não há possibilidade de transfigurar em pior a realidade dos dias de cada um. Não me refiro aos dias actuais de modo específico, refiro-me a um género de postura que devem tornar insuportáveis os seres divididos entre o mal e o pior que lhes acontece.

Durante esta doença sem cura aparente, a vida vai ficando aquém, não precisamente por ser efémera, mas por não aceitar a intensidade da desgraça que supera os limites do tempo que se vive e, à cautela, ainda se vai deixando esta desgraça como legado, não vá o diabo tecê-las e um dia o descendente acreditar na diferença de um sorriso fresco e prenhe da tal completude a que me referi.

Escrevi estas palavras a pensar na criança que nasceu debaixo dos escombros do terramoto no Haiti e na comoção que senti ao ver na fotografia os olhos da mãe repletos de uma imensidão inquantificável de tanta felicidade e que afinal de jeito tão terrivelmente anónimo, no escuro cerrado da tragédia foi mais uma heroína das heroínas.

Esta mãe tinha também nos olhos uma capa de lágrimas não resignadas. Ela sabe que a partir de agora só a força da não resignação sustém a vida da sua filha e, numa explosão de esperança, agarra-a profundamente junto ao peito como quem sabe que detém uma essência que rompe a realidade explodindo na tal completude a que me refiro no início desta nota.

Algo de profundamente novo aconteceu e esta mãe sabe-o.

A pulsão de vida por oposição à pulsão de morte revela-nos que o paraíso que não nos prometem pode ser aqui e que a consciência destes acontecimentos pode efectivamente mudar tudo, e de uma forma irreversível.

Agora mesmo, no momento em que escrevo, creio que muitos acontecimentos deste tipo estão a ter lugar no mundo e, sem pretensões totais, talvez sejam a única força exemplar do mais difícil sobre o quotidiano cansado de tantas tristezas compulsivas.

Há sempre um ser que me prova que dentro dele existe luz suficiente ao lugar onde se tocam os sonhos e a vida acorda.

Há sempre um ser com uma flor no sorriso, arte que conquistou para serenar os desesperos alheios.

Há sempre um elogio a fazer quando alguém segura a vida nas mãos e não a concebe como parente pobre na era da resignação.

E existem muitas outras coisas menos evidentes do que estas que refiro e prontas a dar sumo. Assim lhes recusem as realidades mutiladas. Assim não tenham de ir longe procurar o que aqui mesmo as reclama.

Sei que a arte está cheia de nostalgia. Às vezes é a própria arte que a transfigura e talvez a partir daí nasça a obra, aquela que deu coragem à dor do parto daquela mãe soterrada ao ponto de não desejar ser esquecida. Ao ponto de ter tido uma hora de pedra voltada ao mar.

Teresa Ribeiro B. Vieira

29.01.10

Quisemos a democracia para nos livrarmos daquele despotismo a que chamaram ditadura das finanças


Espreito as inconfidências de o Sol. Recordo a "comunicação à nação" de Teixeira dos Santos. Reparo que os heterónimos politiqueiros do actual primeiro-ministro minoritário podem ter planos para o controlo da informação e até chamarem, aos opositores, dissidentes e chatos não unidimensionalizáveis, os nomes de birra que ultrapassam o dicionário do bom senso. Não podem é condicionar o direito à indignação dos governados.

Um dos órgãos ou aparelhos de Estado pode reagir contra uma determinada situação política, usando o respectivo direito oficial à palavra, enquanto autoridade pública. Só se a quisessem derrubar a ordem estabelecida é que estaríamos diante de um golpe de Estado...mesmo que se vestisse de golpe de Estado constitucional.

Não se detectam esses sinais em Sócrates e na sua mão longa financeira. Ambos apenas manifestaram a compreensível birra de quem perdeu o privilégio da solidão absoluta. Daí terem que aceitar a não resignação da ocasional maioria parlamentar e o poder de clamor dos que preferem a liberdade de expressão e o dever de pensamento.

Não vejo sinais de pronunciamentos, levantamentos, insubordinações ou motins de um qualquer golpe de Estado constitucional, mas uma saudável resistência de outros órgãos do mesmo Estado, bem como o saudável activismo da comunidade política dos governados, pouco disponíveis para uma usurpação bonapartista da legitimidade estabelecida. Ainda bem!

Uma das características do Estado de Direito tem a ver com as sinuosidades impostas pelas regras do jogo quanto à feitura das leis. Incluindo as variadas manobras dilatórias de ministros, grupos parlamentares e presidente da república, coisa que o Sá Pinto não aguentava. Mas não parece que a "muita tranquilidade" de Paulo Bento leve a vitórias...

Já tivemos um governo que fez greve, mas não no período de constitucionalização pós-revolucionária. Agora, temos um ministro que anuncia, na véspera da aprovação de uma lei, que vai reagir contra ela, por todos os meios legais e políticos, numa pedagogia que pode levar a outras respostas de reacção dos cidadãos, dos seus grupos e de outras instituições, públicas, privadas ou mistas. Por outras palavras, está inaugurada uma nova fase política, a da resistência legal e política, comandada pelo governo contra o parlamento...

E, por cá, em mais um destes normais anormais, talvez importe recordar que quisemos a democracia para nos livrarmos daquele despotismo a que chamaram ditadura das finanças. Resta saber se há mais vida para além do endividamento...

Stéphanne Rials, desculpem-me o eruditismo, considera que o Estado é intrínsecamente crise, cabendo-lhe geri-las de modo dinâmico. Porque o dito é o lugar onde a sociedade se reflecte, se mediatiza, se pensa. Mesmo quando faz braço de ferro partidocrático, nesta forma de institucionalização dos conflitos que é a democracia...

4.2.10

A necessidade de um trinta e um qualquer, para que se instaure a Real República do Rapó-Tacho


Acordamos. Bolsas em queda. CDS em ascensão (os seguros da dívida e não os porteiros do sistema político). Almunia, amigo de Peniche. É negra, a quinta-feira. Mas pode ser menos branca a sexta. E pior ainda o próprio sábado. Antes do dia do Senhor. O madeiro não pode ser o bode expiatório... Por enquanto, todos devemos seguir o "espírito de diálogo paciente e frutuoso" que nos ajude a responder aos "desafios estruturais"... Quando era menino coimbrinha, todos os dias passava diante da melhor definição do presente regime político que, aliás, deveria ter adequado acolhimento constitucional: "Portugal é uma Real República do Rapó-Tacho...". Aqui deixo a fotografia da casa inspiradora... Neste tempo de homens lúcidos, há que ter a lucidez de ser ingénuo...

3.2.10

Câmara dos Pares, Senado ou junta médica?

O Senhor Presidente, órgão unipessoal resultante do sufrágio universal, convocou, e muito bem, o Conselho de Estado, constituído por muitos venerandos pares vitalícios, mas que, para este efeito, são uma entidade constitucionalmente discreta, sem hipóteses do escrutínio público de um parlamento. Muitos confundem a entidade com a Câmara dos Pares, o Senado ou a Câmara Corporativa, quando nem sequer corresponde à antiga comissão permanente das Cortes renascentistas, onde tinham assento os procuradores do povo das principais cidades do país (os do primeiro banco, como então se dizia). Outros vêem a reunião como uma espécie de junta médica, com direito à verdade da ecografia, dos TACs e das análises, desconfiando daqueles médicos que, ainda há meses, não reconheciam a doença. E tudo acontece no preciso dia em que é conhecida a receita aplicada à Grécia pela geofinança, através da União Europeia, nesse contrato à força, típico de uma balança da Europa, comandada pelo directório das potências. Por cá, confundimos a árvore com a floresta e pensamos que o Conselho vai tratar de pôr a conversar Sócrates com Jardim, esquecendo-nos que o parlamento até criou uma comissão negocial para o efeito, só porque sabemos que tudo depende de uma conversa de Guilherme Silva com Jorge Lacão. Talvez fosse mais interessante recordar os elogios de Jaime Gama e Almeida Santos ao jardinismo e não darmos, ao grupo consultivo de Cavaco Silva, o ritmo do "agenda setting", como se o mesmo fosse mais um dos reverendos conselhos de honra, onde muitos põem o governo paralelo de alguns serviços públicos. Valia mais rejeitarmos esta tendência suicida das governanças sem governo, em regime de quase pilotagem automática, reconhecendo que a nossa verdadeira independência tem que voltar a ser gestão de dependências e interdependências, sem esta mania das grandezas do comemorativismos...dos tais cem dias que mudaram o mundo... Democracia, segundo a ética republicano, não é governo dos notáveis!

2.2.10

Memória de outras calhandras, mas sem palavras...



Os ministros da presente república (o primeiro, o vice, o vice-vice e o ex-vice) vão tivolizando encrespadamente, retomando calhandras, que não são as primas das cotovias, mas as centrais de recolha dos "vases de nuit". Prefiro a caricatura de Napoleão que aqui anexo...

"Je ne suis pas d'accord avec ce que vous dites, mais je me battrai jusqu'au bout pour que vous puissiez le dire".... José Sócrates Pinto de Sousa nunca o disse. É republicano, socialista e fracturante e não recebe lições de democracia de ninguém, nem de Voltaire. Quem se mete com malhadores, leva!

Para que quem não perdeu as eleições as pudesse vencer, crise, qual crise! Dois terços da sociedade ficou com mais poder de compra e só uma minoria é que ficou socialmente excluída (dos desempregados e novos pobres, aos jovens sem futuro e procura de exílio). Tudo é uma questão de "choque assimétrico" (expressão de um perito do FMI)! Isto é, estamos coxos... e vamos perder a ilusão do "português suave" e remediadinho...

Portugal está como em 22 de Abril de 1834: um arrabalde da Europa que tem a independência permitida pelo directório que comanda a balança. Não somos Grécia, isolada nos Balcãs. Temos o destino que tiver a Espanha, não a podemos incomodar. A nova fórmula desse tratado torna inútil qualquer Patuleia, porque, mesmo que o povo se revoltasse, haveria sempre uma Convenção do Gramido (da geofinança) a ocupar-nos...