a Sobre o tempo que passa: abril 2009

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

30.4.09

O eu e as próprias circunstâncias, ou de como podemos recolher eternidade


Hoje, já há alguns sinais que me permitem voltar à "polis".  Não para falar da revolta de Manuel Alegre contra alguns inspectores ditos educativos, ou para entender como o "Magalhães" e os pais das crianças que os receberam confirmam a doença do partido que se confunde com o Estado, com toda a naturalidade, mesmo com desculpas do primeiro-ministro, depois de mais uma peça de antologia de Santos Silva. Quando Alegre souber mais actuações do género e todos conhecermos muitas outras gravações de tempos de antena, ficaremos a saber o que o sindicato dos magistrados do Ministério Público foi contar ao Presidente da República.

Só não compreendo o porquê da indignação de certos PSs e PSDs sobre o Manuela Ferreira Leite disse quanto à hipótese de acordos interpartidários de incidência governativa entre o PSD, o CDS e o PS. Julgo que ela apenas seguiu o conselho de Cavaco dado a todos os partidos parlamentares e que deveria também incluir partidos mais à esquerda, tendo nomeadamente em vista o PCP. Porque quem vai determinar o tipo de coligações pós-eleitorais de um futuro governo não vai ser a classe política, mas o próprio eleitorado, cujas indicações tanto poderão ir de uma coligação de esquerda a uma coligação do centro ou da direita. É a diferença que vai de uma maioria absoluta somando PSD e CDS, a uma maioria absoluta somando PS e PCP. E nisto tanto Manuela Ferreira Leite como José Sócrates não dependem dos respectivos militantes e, muito menos, das respectivas intenções. Dependem do povo e dos superiores interesses do país que não são captáveis até por comentadores, como eu próprio. Logo, apenas concluo que sem humildade de respeito pela vontade geral não pode haver democracia.

Apesar de receber estes sinais agressivos do ambiente, prefiro notar como, durante estes dias de dor e esperança, confirmei como a rede familiar e das amizades é bem superior a uma "polis" que vive fechada dentro de si mesma, em claustrofobia endogâmica, no poder pelo poder. Eu, por exemplo, sem deixar de peregrinar, nos intervalos hospitalares, pelo beneditino das minhas investigações profissionais, concluí como cada um de nós é especialmente conformado pelos livros de ideias que foram publicados no ano em que nasceu. Eu, por exemplo, tenho como livros de cabeceira, um "Homem Revoltado" de Camus, ou um "Sistema Totalitário" de Hannah Arendt, assumindo-me como avô de mim próprio. Por mim, confirmo como as ideias a que mais recorro, as que fazem do tempo, o meu tempo, têm uma longa duração tal que as colocam no extremo inicial da minha própria existência.

Assim, vivi metafísica, afagando os sinais de eternidade que me chegaram e me lançaram no próprio movimento de uma corrente de concepções do mundo e da vida, onde, prendendo-me a estas profundidades, perdi a voz própria e passei a falar através de tais causas. As que me fazem comungar em crenças, princípios e valores. Porque assim nos libertamos do narcisismo de quem, por vezes, tem a ilusão de poder atingir a originalidade. Sermos servidores de uma crença é podermos receber alento de um transcendente situado que nos pode levar a assumir a plenitude existencial e a consequente metafísica do tempo que passa.

Logo, sempre reconheço que é possível diluir-nos em todos os outros. Que cada um pode ser mais do que um qualquer solitário eu. Porque ninguém sabe o mistério das folhas por escrever que, apesar de  estarem presas ao caderno das próprias circunstâncias, são apenas espaços a preencher pelo imprevisível e pela mudança. Mesmo sabendo de onde viemos e no que acreditamos, não sabemos para onde vamos. Embora possamos reconhecer qual o nosso dever-ser-que-é, resta-nos apenas o mero reconhecimento da nossa imperfeição. Sobretudo se notarmos como temos o pior dos défice que é o de não sabermos amar o mais próximo e todos os próximos, quando não nos damos em comunhão a essa raiz do próprio mais além, cujo fundamento é o que melhor, do mundo, podemos recolher.

29.4.09

Só sei que nada sei

Eu que tive a ilusão de romper

certas algemas da vida,

pois lera, nos livros sagrados,

os sinais da salvação,

não consigo, agora, dobrar

os ferros da solidão.

Filho de Sócrates e Descartes,

analítico, ousei singrar

nessa ilusão bem humana

de chegar a Deus só a pensar.

E, rendilhando paradigmas,

no pensar do pensamento,

por tanto ousar duvidar,

já não sei rezar sem racionalizar.

Homem crescido,

e como tal reconhecido,

pelo papel selado

das certidões oficiais,

nem sequer posso voltar

às nostálgicas certezas

do colo de minha mãe.

Na escola onde, outrora, fui aluno,

eis-me, agora,  professor,

neste meu ter de ensinar,

entre as coisas que aprendi,

tantas coisas que não sei.

Nosce te ipsum!...

Cogito, ergo sum!...

Erudito e letrado, feito doutor,

na própria cátedra já assentado,

confesso ter lido, e relido,

montanhas de papel inanimado,

bibliotecas inteiras

de pensamento pensado.

E, de tanto recolectar

fragmentos, fichas e rodapés,

que, muito hierarquicamente,

fui classificando,

como engenheiro de conceitos,

nas teias sistémicas

de uma qualquer teoria,

foi do próprio espaço vivido

que acabei por me esquecer.

Essa máxima universal

de todos sermos iguais,

de todos podermos ter,

pela simplicidade dos sinais,

um conhecimento modesto

sobre as coisas mais supremas.

Por muito procurar,

fora de mim,

o que, por dentro,

guardava,

fiquei, assim,

encruzilhado.

Mas, de tantos planos inacabados,

aprendi, pelo menos, a duvidar

das próprias regras do método,

daquele pretenso rigor,

muito axiomaticamente dedutivo,

que, por lei, dizem que sei. 

28.4.09

O barulho das ondas, o fulgor do sol, o porquê da dor

Foi há trinta e um anos que te escrevi estas palavras:

Dia a dia, nove luas, dia a dia, meu amor ganhando corpo. Quantas vezes minhas mãos te deram vida: a rudeza dos troncos, o sabor da terra, a própria alegria da cidade em dia de primavera. No jardim à beira da nossa casa, as árvores já reverdeceram e, lá ao longe, por entre os prédios, as águas do Tejo ganharam a cor do céu. Já nos dão sentido de viagem, restos do mar imenso que te hei-de ensinar.

Sobretudo aquele dia de sol, entre o mar e a serra, quando o verde dos pinhais nos fez assobiar. Nesse dia me recordo que, no infinito, prometi que te havia de ensinar esta sede de mar que é Portugal dentro de mim. Que a pátria não será nasceres aqui por acaso, mas o segredo que à liberdade dá sentido.

Apenas tenho medo de não saber dizer-te que além do mundo pode ser Deus. Prefiro ensinar-te os sinais que o pressentem: o barulho das ondas, o fulgor do sol, o porquê da dor. Em minhas mãos hás-de sentir o mistério de existir que sempre te há-de marcar. E depois quando cresceres por ti próprio tudo vais reaprender. Que sejas sobretudo um navegante! E se fores navegante com sentido de distância haverá sempre ilhas por descobrir no oceano da existência.

27.4.09

Viva a vida e a raiz do mais além!

O meu 25 de Abril, desde sexta-feira, depois de um inesperado telefonema da Tunísia, foi, para mim, e para a minha tribo, este mobilizar tudo quem sou, e somos, para esta natural missão de pai e familiares. Porque todos estes dias, e os próximos, apenas têm o nome da minha querida filha Joana. Peço aos meus leitores, sobretudo aqueles que intimamente me compreendem, que aceitem o silêncio sobre a "polis" que vai inevitavelmente suceder, enquanto a hierarquia dos valores da vida de um homem comum me iluminar. Apenas uma palavra de grande reconhecimento para o médico Dr. Sérgio Ribeiro e também para a equipa que ele mobilizou, na CUF e no hospital Egas Moniz. Para os familiares e gente da minha tribo, bem como para os amigos e a cadeia de solidariedade e fraternidade, apenas digo que a esperança continua. Viva a vida e a raiz do mais além!

24.4.09

Todas as revoluções são pós-revolucionárias... e o 25 de Abril chama-se hoje Cavaco e Sócrates, com quatro candidatos a Provedor


Ontem, Guilherme da Fonseca, Jorge Miranda, Maria da Glória Garcia, Mário Brochado Coelho... Não há fome que não dê em fartura. Felizmente, não tenho de escolher. Aliás, perante este leque, seria bem melhor pedir ajuda a D. José Policarpo, porque um bom Provedor seria aquele que, apesar de indicado por um partido meu adversário, poderia receber a minha confiança, dado que talvez ninguém tivesse dúvidas em sufragar uma Odete Santos, uma Maria José Morgado ou um José Miguel Júdice. Bastam as sondagens de hoje, as tais que confirmam a existência de uma maioria absoluta de portugueses que não se revê nesta partidocracia. No entanto, continuam a dominar os especialistas em casca de árvore, sem que alguém seja capaz de compreender que a causa da crise tem a ver com coisas mais gerais, como o Estado, a Democracia e a Nação, dado que nos faltam adequados macropolíticos que sejam mais do que constitucionalistas, estasiologistas ou etnólogos.

Por outras palavras, quanto mais ao povo falta, mais as instituições se exaltam com palavras que perderam o sentido dos gestos. Como dizia Ortega y Gasset, todas as revoluções são pós-revolucionárias. Medem-se menos pelas intenções dos primitivos revolucionários e mais pelas acções concretas dos homens concretos que fazem a história, sem saberem que história vão fazendo. Ninguém percebe que o 25 de Abril, nos seus efeitos, não se chama Otelo nem Zeca Afonso, mas José Sócrates e Aníbal Cavaco Silva, tal como, antes de chamou Santana, Barroso, Guterres e Soares, mesmo que os chefes do governo continuem a fazer os discursos do Sabugo. Mas, de boas intenções, está o inferno do nosso quotidiano cheio...

Cada revolución se propone la vana quimera de realizar una utopía más o menos completa. El intento, inexorablemente, fracasa. El fracaso suscita el fenómeno gemelo y antitético de toda revolución: la contrarrevolución. Sería interesante mostrar cómo ésta no es menos utopista que su hermana antagónica, aun cuando es menos sugestiva, generosa e inteligente. El entusiasmo por la razón pura no se siente vencido y vuelve a la lid. Otra revolución estalla con otra utopía inscrita en sus pendones, modificación de la primera. Nuevo fracaso, nueva reacción; y así, sucesivamente, hasta que la conciencia social empieza a sospechar que el mal éxito no es debido a la intriga de los enemigos, sino a la contradicción misma del propósito. Las ideas políticas pierden brillo y fuerza atractiva. Se empieza a advertir todo lo que en ellas hay de fácil y pueril esquematismo. El programa utópico revela su interno formalismo, su pobreza, su sequedad, en comparación con el raudal jugoso y espléndido de la vida. La era revolucionaria concluye sencillamente, sin frases, sin gestos, reabsorbida por una sensibilidad nueva. A la política de ideas sucede una política de cosas y de hombres. Se acaba por descubrir que no es la vida para la idea, sino la idea, la institución, la norma para la vida... 


Confesso que também eu atingi o grau zero de confiança nestes frades que continuam a pensar que o são, apenas porque ostentam o hábito. Veja-se  a menos partidocrática das instituições, a senhora dona Administração da Justiça, transformada em mero cálculo de probabilidades sobre encontrarmos uma agulha no palheiro, isto é, um juiz ou um magistrado que saibam colocar a justiça acima do direito, o direito acima da lei e a lei dentro dos princípios gerais de direito, com superioridade face ao despacho e à ordem de qualquer chefezinho. Passemos para a universidade, feita campo laboratorial de reformismos e de conservacionismos de forças vivas, onde a cenoura do carreirismo e o chicote do cala-te e come, e confirmemos o processo de desinstitucionalização em curso, a que não escapam as próprias forças armadas.


Quase todos se esquecem que o 5 de Outubro de 1910 acabou com a operação de Alves dos Reis, porque, quando se atinge o vazio de mobilização comunitária, todos entram na lógica do sapateiro de Braga, segundo a qual, ou há moralidade ou comem todos. E aqui e agora, o tal bem comum de São Tomás de Aquino deixou de ser a síntese de uma ideia de Ordem com uma ideia de Justiça. Daí que sejam pouco estimulantes as discussões sobre a pensão de Otelo e de Jaime Neves, ou os meandros da tipificação do crime de enriquecimento ilícito, quando, perante a corrupção, todos os partidos deveriam ser chamados a Belém, para fazerem uma autocrítica e entrarem num começar de novo, pedindo desculpa ao povo...


23.4.09

Dos estúpidos afectivos que não têm sentimento trágico da vida, aos animais que já não sabem rir...Entre Unamuno e Bergson



Imaginemos que um qualquer pintor tratava, aqui e agora, no Portugal de Cavaco, Sócrates e Policarpo, de fazer uma colagem, dita pintura neo-clássica, onde um dos nossos políticos cimeiros aparecesse nestas poses, esvoaçando fantasiosamente brejeiro por cima dos dotes imaginados de uma das suas colaboradoras, legítimas ou namoradas. Aconteceria inevitavelmente um desses tsunamis que fariam cair o Carmo e a Trindade e poriam a Procuradoria em segredo de justiça. Tudo, para recordar que a nossa crise, antes de ser económica e financeira e antes de ser política e partidocrática, é comportamental, porque perdemos a razoabildade e o bom senso. Primeiro, porque perdemos o sentido do riso, isto é, os "portugais" já não são "gais". Segundo, porque nos destruíram o sentimento trágico da vida...

Comecemos por este último, pedindo ajuda a Miguel de Unamuno: Hay personas, en efecto, que parecen no pensar más que con el cerebro, o con cualquier otro órgano que sea el específico para pensar; mientras otros piensan con todo el cuerpo y toda el alma, con la sangre, con el tuétano de los huesos, con el corazón, con los pulmones, con el vientre, con la vida. Y las gentes que no piensan más que con el cerebro, dan en definidores; se hacen profesionales del pensamiento

Tenham calma, leitores, vale a pena continuar a ler Unamuno, comparando-o com o que se tem passado por estes dias com os nossos principais politiqueiros, quase transformados em um desses profissionais de boxe, o que ha aprendido a dar puñetazos con tal economía, que reconcentra sus fuerzas en el puñetazo, y apenas pone en juego sino los músculos precisos para obtener el fin inmediato y concretado de su acción: derribar al adversario

Y sabido es que los hércules de circo, que los atletas de feria, no suelen ser sanos. Derriban a los adversarios, levantan enormes pesas, pero se mueren de tisis o de dispepsia.

Por lo que a mí hace, jamás me entregaré de buen grado, y otorgándole mi confianza, a conductor alguno de pueblos que no esté penetrado de que, al conducir un pueblo, conduce hombres, hombres de carne y hueso, hombres que nacen, sufren y, aunque no quieran morir, mueren; hombres que son fines en sí mismos, no sólo medios; que han de ser los que son y no otros; hombres, en fin, que buscan eso que llamamos la felicidad

Es inhumano, por ejemplo, sacrificar una generación de hombres a la generación que la sigue cuando no se tiene sentimiento del destino de los sacrificados. No de su memoria, no de sus nombres, sino de ellos mismos.

Porque puede uno tener un gran talento, lo que llamamos un gran talento, y ser un estúpido del sentimiento y hasta un imbécil moral. Se han dado casos.

Estos estúpidos afectivos con talento suelen decir que no sirve querer zahondar en lo inconocible ni dar coces contra el aguijón. Es como si se le dijera a uno a quien le han tenido que amputar una pierna que de nada le sirve pensar en ello. Y a todos nos falta algo; sólo que unos lo sienten y otros no. O hacen como que no lo sienten, y entonces son unos hipócritas.

Hay algo que, a falta de otro nombre, llamaremos el sentimiento trágico de la vida, que lleva tras sí toda una concepción de la vida misma y del universo, toda una filosofía más o menos formulada, más o menos consciente. Y ese sentimiento pueden tenerlo, y lo tienen, no sólo hombres individuales, sino pueblos enteros. Y ese sentimiento, más que brotar de ideas, las determina, aun cuando luego, claro está, estas ideas reaccionen sobre él corroborándolo




Foi longa a citação. Mas necessária. Passemos agora para o riso. Porque falta-nos tanta imaginação que nenhum blogosférico ainda tentou coisa semelhante à da colagem que reproduzo, com o primeiro-ministro, o presidente da república, o grão-mestre do GOL ou o cardeal-patriarca. É melhor regressar a Bergson, à série de artigos que publicou em 1899, para não nos esquecermos que o homem, porque é um animal racional, isto é, um animal comunicacional que se articula perante o outro e todos os outros membros da "polis", através da palavra posta em discurso, é também, por exigência da natureza das coisas, "um animal que sabe rir". 

Porque il n’y a pas de comique en dehors de ce qui est proprement humain ... Plusieurs ont défini l’homme un animal qui sait rire... Le comique ... s’adresse à l’intelligence pure... Seulement, cette intelligence doit rester en contact avec d’autres intelligences... Notre rire est toujours le rire d’un groupe ... Telle sera, disons-le dès maintenant, l’idée directrice de toutes nos recherches. Le rire doit répondre à certaines exigences de la vie en commun. Le rire doit avoir une signification sociale.

Estamos em crise porque os debates parlamentares perderam a graça e o grande chefe é que assume o monopólio de qualificar o risível como brejeiro e a crítica da liberdade de expressão, como difamação , injúria ou falta de respeito pela instituição, desejando processualizar, de cima para baixo, o dependente, mesmo que o chefe tenha sido eleito pelos parceiros. Esquece-se, voltando a Bergson, que o cómico exige... qualquer coisa como a anestesia momentânea do coração. Dirige-se à inteligência pura.

E termino com Unamuno: El absoluto relativismo, que no es ni más ni menos que el escepticismo, en el sentido más moderno de esta denominación, es el triunfo supremo de la razón raciocinante. Ni el sentimiento logra hacer del consuelo verdad, ni la razón logra hacer de la verdad consuelo; pero esta segunda, la razón, procediendo sobre la verdad misma, sobre el concepto mismo de la realidad, logra hundirse en un profundo escepticismo. Y en este abismo encuéntrase el escepticismo racional con la desesperación sentimental, y de este encuentro es de donde sale una base —¡terrible base!— de consuelo.

P.S. Ontem, Manuela Ferreira Leite repetiu o tique do ministro Silva Pereira, qualificando uma questão impertinente de um jornalista como "um insulto". Parece que estes nossos cimeiros se esquecem que a democracia é necessariamente um lugar comum entre adversários. Tentar matar o desagradável com um "diktat" verbal é um erro de representação. Sócrates, mais hábil, actua da mesma maneira, mas vitimiza-se, fingindo que o povo é Judite... Olhem que não, olhem que não... Quem tem sentimento trágico deve aprender a rir, porque quem não tem sentimento trágico também não sabe rir...

22.4.09

O preto afinal é branco e entre o Eu e o Outro, os pilares da ponte do tédio que vai daqui para o além


Há noites em que, infelizmente, perdemos tempo demais a ter que aturar as intervenções das figuras humanas que se querem confundir com o estadão e que assim tratam de fazer equilibrismo no trapézio vocabular deste circo, para que, no fim do espectáculo, sintamos um amargo de boca, por termos perdido tempo com um não facto. 

Ontem foi esse mais do mesmo, aliás, bem doloroso, onde fomos obrigados a confirmar que o homem do leme desta nau do Estado parece já não saber pilotar o futuro, quando era seu dever a busca de um porto seguro, através do cumprimento de um ideal que nos desse rota. Afinal, Sua Excelência patenteou que já não sabe o que quer, de onde vem e para onde vai. Ora, um comandante perdido é um risco. Porque a todos nos pode fazer perder.

Confesso que, depois de o ouvir, com toda a humildade de Cidadão que está abaixo do Estado, compreendi que importa voltar a ser um qualquer Homem que esteja acima destas trapalhadas do Estado. Logo, por muito que lhe custe, não o considero meu inimigo e, muito menos, meu adversário. Gostava mais de o considerar como alguém capaz de ascender à categoria de exemplo, fosse amigo ou adversário político. E não estou a ver nenhum educador, nomeadamente pai ou mãe, a dizer aos filhos que sigam o modelo do Senhor Engenheiro, embora antes, muitos dissessem aos filhos que se comportassem segundo os paradigmas de um Francisco Sá Carneiro, de um Álvaro Cunhal ou de um Mário Soares. Porque, dos fracos, não reza a história.

Os meninos birrentos quando chefiam qualquer coisita, gostam de escarafunchar no boneco, para ver o que ele tem dentro e até podem desfazê-lo aos pedacinhos quando não se sentem compensados em afectos visíveis pelos assistentes da cena. Nuns dias, aliam-se a uns, noutros passam a considerar como inimigos os aliados da véspera e, retalhando a república, acabam por deixar tudo em trapos, sem qualquer nexo que permita refazer a harmonia. O Senhor Engenheiro já não é apenas um problema para o PS...

Sua Excelência deixou de ser um bom exemplo e, da sua conduta, já ninguém consegue extrair um exemplo que possa transformar-se em máxima universal. Ao elevar a adversários principais alguns brincalhões das golpadas politiqueiras, ele restringiu o campo da luta política a um nível que não mobiliza quem precisava de fins políticos mais altos. E fiquei triste. Explicar o Freeport porque houve uma carta anónima de um militante alcochetense do CDS que, aliás, já saiu do CDS, e insinuar que tudo se deve a manobras do actual CDS, aliado a outros dirigentes do PSD, que já não são dirigentes do PSD, é confundir dolosamente as circunstâncias. É perder o nível.

Mesmo que amanhã se prove a tese das cabalas e das campanhas negras, toda a república não deveria enrodilhar-se no irracional da falta de racionalidade finalística e do friorento deste vazio de racionalidade valorativa, onde nem há ética da convicção nem ética da responsabilidade. Porque falta uma ideia de obra. Porque as manifestações de comunhão entre os cidadãos já são uma impossibilidade. Porque as regras processuais mais simples estão dependentes do carimbo discursivo de um qualquer secretário de estadão.

Acredito que sua Excelência tanto não falou com o Procurador como outras excelências dependentes de de Sua Excelência confessaram que falaram com outros procuradores dezenas de vezes. Mas nenhum dos argumentos, tanto o de não ter falado como o do ter falado, serve para esclarecer esta causa que se transformou no mais ridículo dos casos que enevoa a república e que a história reduzirá a simples nota pé-de-página do mero anedótico. É a diferança que vai dos pequenos aos grandes homens de Estado.

Por outras palavras, ontem, as redes, mais uma vez, trouxeram pescada, mas congelada, porque tudo antes de o ser já o era, conforme os conselhos dos consultores de imagem e dos "agenda setters". Naturalmente, Sua Excelência não disse aquilo que disse sobre Cavaco, nem Cavaco, aquilo que disse sobre ele. Ambos falaram sobre a velha história da Patagónia e do reino do São Nunca. 

Aqui e agora, na política deste quintal à beira da Europa plantado, o branco é preto, e o preto é branco, dado que a culpa está sempre nos intérpretes, nos mensageiros e não na mensagem. A culpa está nesses coitadinhos que não sabem que a retórica é sempre dolosamente equívoca. Está, por exemplo, no António Vitorino, dado que desta o Vitalino ficou só no trabalho precário e não portou a voz. 

De qualquer maneira, porque o meio é que a mensagem e o hábito faz o monge, o grande inimigo é o telejornal de sexta-feira da TVI, esse da caça ao homem, ao homem a quem querem politicamente assassinar. Pronto: não há mais nada para dizer. E também já há mais nove que foram processados, porque o Estado sou eu e, mesmo com a justiça lenta, eu vou mesmo processá-los, mesmo que a Manuela também me venha a processar, porque se eu te processar e tu me processares, com o belo aumento das custas do Alberto, quem ganha é o Teixeira dos Santos. Viva o Estado-Charrua, que encurta o défice!

Aliás, os jornalistas são aqueles tipos que gostam sempre de fazer perguntas que não foram previamente combinadas com o entrevistado, esses chatos que nos descobrem a careca e que penetram na intimidade das pessoas, por exemplo quando pedem à Ordem dos Notários a lista de todas as escrituras de um cidadão, em vez de visitarem os quatrocentos cartórios onde se guardam escrituras privadas ditas públicas. Os notários também são os chatos que perseguem quem não cedeu às respectivas pressões e que fazem como os tipos da blogosfera que puseram os Xutos aos Pontapés, contra um senhor engenheiro que, afinal, não sou eu próprio, mas um outro, porque eu, em cruz, crucificado, feito vítima, não passo de um simples licenciado em engenharia, e, entre nós e os outros, apenas há estes pilares da ponte do tédio, onde o estudo dos custos e benefícios que o Mário Lino pôs na Internet, demonstra à saciedade que nos trarão o progresso e bons contratos para as empobrecidas empresas de obras públicas.

21.4.09

Vou lendo Thoreau (1849), cento e sessenta anos depois


Muitos homens servem o Estado, não como homens, mas fazendo dos seus corpos máquinas...

Outros... servem o Estado sobretudo com a cabeça; e como raramente fazem distinções morais, tanto se lhes dá servirem o Diabo como Deus. 

Há depois um pequeníssimo número ... o dos que servem o Estado com consciência, opondo-lhe necessariamente resistência, na maior parte dos casos, e sendo por ele considerados inimigos...

Europa, sim, europeias, não!



Assisti ontem ao primeiro debate que a televisão pública promoveu sobre as europeias. O critério da escolha foi o dos que já lá estão, neste clube de reservado direito de admissão. Porque os novos partidos, como o MEP e o MMS, ficarão para as segundas ou terceiras divisões, à semelhança do que acontece com os programas de futebolítica sobre o campeonato dos últimos, ou com a chamada política internacional do G20 e da hierarquia das potências na Europa, mesmo que o treinador possa ser um Mourinho ou um Barroso. Julgo que, mantendo-se esta hipocrisia, seria mais decente proibirmos a constituição de novas forças políticas com a categoria de partidos. Ao menos, não teriam que gastar argumentos justificativos da ditadura do estado a que chegámos, o tal que, muito hipocritamente, manda ex-presidentes e actuais presidentes fazerem apelo à "não resignação" e ao "sobressalto cívico". Prefiro manter o meu "direito à indignação".

De qualquer maneira, lá assisti ao debate. Que a moderadora permitiu transformar num jogo de quatro contra um, para dar a este um o controlo das interrupções e o domínio do fluxo, graças também ao engenho do Professor Vital Moreira. A principal vítima foi Paulo Rangel que não conseguiu desabrochar, nem colocar-se de igual para igual com o cabeça de lista do PS, até porque caiu na esparrela de ser bem educado. Nuno de Melo e Ilda Figueiredo foram iguais às expectativas e o grande triunfador foi Miguel Portas que, várias vezes, nos trouxe à memória que tanto ele como Vital e Ilda foram do mesmo partido das células, quando o cunhalismo o conformava. O grande derrotado foi o PS, que não conseguiu fazer ascender ao debate nenhum dos representantes da respectiva tradição liberdadeira e europeísta e pôs, na geral, duas senhoras desbocadas e um presidente do INA, despedido como ministro e a caminho da reforma dourada.

Como não tenho declarações de interesses a emitir, ao contrário de outros blogueiros meus companheiros de muitos combates, os anteriores elogios que aqui emiti face a Vital e a Rangel nada têm a ver com o meu sentido de voto nas europeias, porque os dois nem sequer me convenceram ainda da utilidade do voto neste processo de repartição de influências das duas multinacionais partidárias da Europa, o PPE e o PSE, as quais atiram para o pequeno palco da politiquice nacional as suas secções: PS, PSD e CDS. 

Aliás, quando confirmo que ninguém da minha família política, a liberal, vai a votos neste país pós-soarista e pós-cavaquista, apetece fazer-lhes o adequado gesto do Zé Povinho. Quando também reparo que não há europeístas que consigam o "oui" à Europa através do "non" a patetices como a Constituição Europeia ou o Tratado de Lisboa, negando-nos o direito ao referendo, mantenho íntegras as minhas reservas face às regras do jogo que espartilham os  cidadãos e os povos da Europa. Daí o paradoxo de um liberal se sentir mais identificado com algumas das bandeiras de combate ontem emitidas por Francisco Louçã, em entrevista a Mário Crespo, e por Miguel Portas, embora discorde totalmente da receita neomercantilista e estatista que os mesmos nos querem prescrever.

A minha declaração de interesses continua a ser a do discurso que emiti contra o Tratado do Mar da Palha e os candidatos a bons alunos que os comissários e as multinacionais partidárias para qui exportaram. Não é com estes agentes que a Europa pode ser uma nação de nações e uma democracia de muitas democracias. Entre o jacobinismo constitucionalista de Vital e o seu sucedâneo do PPE, não me engano com os malabarismos vocabulares de Melo e de Ilda, para que apenas reste a autenticidade de Miguel Portas.

A fábula dos falsos debates europeus é idêntica ao convite que recebi há pouco, para a tomada de posse de um velho reitor de uma universidade pública, que acaba de ser reeleito pelo novo modelo, o tal que a nova lei e o velho aparelho escolheram. Porque os ministros passam e as forças vivas ficam. Por outras palavras, o disco virou, mas a música é a mesma, apesar de tantos riscos a desafinarem. Se pensam que a Laurinda Alves ou o Carlos Gomes poderiam entrar na lista dos candidatos escolhidos pelos Conselhos Gerais, continuem a acreditar na tolice dos concursos públicos nacionais e internacionais com que as universidades públicas vão contribuindo para anúncios nos jornais. Nest quinta dos animais partidocráticos há sempre alguns que são mais iguais do que outros e quem, agora, parte e reparte tanto não é burro, como percebe da arte. O Zé já não faz falta...

20.4.09

Salazar era efectivamente socialista: "a essência do poder é procurar-manter-se"


O Partido de Sócrates rendeu-se ao conselho de Salazar sobre a vontade de poder: “ a essência da poder é procurar manter-se”. Sabendo, pelos estudos de opinião, que a maioria absoluta é uma quimera, o PS tanto quer abrir as portas ao Bloco de Esquerda, pensando no “Zé faz falta”, como alimenta as ilusões do CDS sobre uma eventual coligação pós-eleitoral, em nome da futura intervenção do FMI, enquanto alguns dos seus notáveis propõem, no terreno, uma aliança de esquerda com o PCP, mas sem faltarem as conversas com as forças vivas, sobre o regresso ao Bloco Central. Por outras palavras, vale tudo, no presente deserto de ideias. Isto é, o PS assume-se como o partido rigorosamente ao centro que tanto passa do “malhar” à esquerda e à direita, como convida os oposicionistas a serem comensais na “mesa do Orçamento”.

Salazar foi buscar republicanos viracasacas, maçons em quite, católicos, agnósticos, beatos e até o um fundador e secretário-geral do PCP (J. C. Rates) e todos nunca foram demais para o servir. Se é lícito dizer que ele foi maçon, também o poderemos qualificar como comunista, socialista, monárquico e republicano, bastava que malhasse à esquerda e à direita...
 
Como o crescimento do Bloco de Esquerda não foi feito à custa do PCP, mas daquilo que o PS reclama como seu eleitorado tradicional, a jogada de Sócrates é claríssima: pescar no eleitorado de esquerda e de direita, como o fez quando elevou Diogo Freitas do Amaral a ministro, ou agora convidou Vital Moreira para cabeça de lista ao Parlamento Europeu. Um pouco ao estilo da sublime jogada que, nos bastidores, prepara a coligação do partido com Manuel Alegre, talvez com este a reclamar uma quota significativa de deputados, bem como um lugar máximo na simbólica do Estado que o dispense de, mais uma vez, ser candidato a Belém...
 
 
Também o cavaquismo, na sua fase crepuscular, caiu na casca de banana de certo populismo, então de direita, sobre as declarações sobre os rendimentos dos titulares de casos políticos. Julgo que as figuaras que agora são arguidas ou suspeitas dessas imoralidades sociais deixou o mínimo de rasto na famosa declaração. Por outras palavras, o fraudulento é bem mais esperto do que todas as actividades dilatórias do processo legislativo. O mesmo podemos dizer sobre as actuais regras de financiamento dos partidos, dado que continua em vigor certa mentalidade herdada do absolutismo, para quem o detentor do poder está isento da própria norma que emite para os outros mortais e onde é norma tudo aquilo que ele diz...
  
Gostaria mais de saber como é que Louçã vai resistir na sua perspectiva de esquerda revolucionária. Julgo que quando ele, no mesmo dia em que viu o PS aprovar-lhe o simbólico projecto de começo da ultrapassagem do actual segredo bancário, já disse tudo, ao investir simbolicamente contra Ricardo Salgado. Não acredito que o Bloco de Esquerda passe de BE a BES... mesmo que Sócrates não se importunasse com a mudança de aliado. A máquina de “agenda setting” de São Bento é mais rápida do que a própria sombra parlamentar, quando lhe cheira a aproveitamento eleitoralista...

PS1: Saiu do prelo um esmagador livro de um doutorando sobre o esoterismo e o ti Botas. Recebi, há meses, do próprio autor, esse anúncio. Não o divulgo, obviamente. Apenas refiro o que imediatamente lhe comuniquei sobre as provas irrefutáveis. " Lerei com muito gosto e algum sentido crítico. Primeiro, porque bastam uns textos de Pessoa para resolver o dilema. Segundo, porque nada nos arquivos maçónicos é secreto, nesse período. Terceiro, porque o Vaticano não dormia. Quarto, porque só indo aos templários, ou às irmandades corporativas medievais, poderíamos ter raiz comum. Quinto, porque basta ler o parecer da Câmara Corporativa sobre a lei de 1935. E eu até sei das conversas de AOS com Albino dos Reis sobre os irmãozinhos. E do que Bissaia deixou sobre a matéria. E o que a ti Baleia, minha velha vizinha de aldeola, contou sobre o namorico de AOS com a filha do respectivo patrão (...)". Ainda não tive resposta à resposta.

PS2:  Deixo foto do ti Botas, não sei se antes, se depois, da fuga ao segredo de justiça do dossier "ballet rose", promovida por um jovem advogado que lhe havia de suceder no mesmo palácio e que, agora, se indigna com fugas ao mesmo tipo de segredo, só porque afectam os respectivos companheiros...

PS3: As intervenções de Fernanda Câncio nos debates da TVI são cada vez mais um revelador dos paradoxos de certo situacionismo. Ontem, e muito bem, ao debater o voto de congratulação parlamentar sobre a canonização de Frei Nuno de Santa Maria/D. Nuno Álvares Pereira, depois de dizer que santificações eram assunto interno da Igreja, logo acrescentou que votos destes feriam o laicismo constitucional, porque davam cobertura ao facto de uma cozinheira de Vila Franca ter ficado cega com óleo a ferver e, depois, ter-se curado por causa do beato... Como a qulificação de milagre é assunto interno da fé e da Igreja que o assume, não compreendemos como se feriu a lei da separação. Julgo que, se ainda estivesse vigente o regime da I República e se o presidente fosse o António José de Almeida, ele seria o primeiro a ir ao Vaticano associar-se ao acto, como o fez quando entregou o barrete ao núncio ou foi com os bispos à cerimónia do soldado desconhecido. E ninguém duvida que este ex-grão mestre do GOL tivesse pergaminhos de laicismo. Estes ateísmos elitistas são, de facto, os efectivos aliados do congreganismo catolaico. Espero que não venham a apresentar uma proposta, politicamente correcta, no sentido de eliminarmos as quinas e as chagas do símbolo nacional da república dos portugueses, porque elas são, inequivocamente, aexploração de um milagre tão falso, o de Ourique, que nem a Igreja Católica o reconheceu.

19.4.09

Imagem do sobressalto cívico provocado pelo discurso de Cavaco


Acrescento, ao credo na boca, mil e duzentas palavras que me foram pedidas pelo DN:

No princípio pode voltar a estar o verbo


Durante três sucessivos dias, o Presidente Cavaco, abandonando a gestão dos silêncios  e as meias palavras, decidiu, talvez, lançar o mote para a habitual intervenção na sessão do 25 de Abril. Com efeito, o nosso regime político não é apenas dotado de um poder executivo e outro legislativo, directamente resultantes da eleição parlamentar, dado que o presidente também emana do sufrágio universal  e mantém a plenitude do velho poder moderador, que Benjamin Constant delineou e D. Pedro IV consagrou. Isto é, o nosso presidente conserva a clássica função política que, na república romana, se designava por “auctoritas”, algo que é qualitativamente superior à mera “potestas”, que reservámos para o governo e o parlamento.


Logo, sendo ele a síntese da república, tem o mandato global de, perante circunstâncias extraordinárias, poder accionar em directo a confiança pública, através da palavra posta em discurso, naquilo a que os gregos chamavam “logos”, e que tem, em português, o nome de “razão”, especialmente quando entrou em derrapagem a racionalidade normativa e se poluiu a racionalidade valorativa. 


Porque, parecendo inevitável o impasse da mera aritmética de maiorias, resta recorrer à geometria da república, para que esta mantenha a harmonia. Tal como Guterres, Cavaco sabe que nem as maiorias absolutas livram os poderes, executivo e legislativo, do pântano e do tabu.  Portanto, já está condenado a falar direito e em directo. Porque, ter autoridade é ser autor, especialmente no dia da fundação do regime.

PS: A imagem inicial desapareceu da base em que a recolhi. Mostrava Sampaio, Sócrates e Vital na plateia, de mão na boca... Quem a tiver retida, pode enviar-ma?

18.4.09

Nacionalista, patriota e liberal, pelo capitalismo e pela super-nação futura


Não comento o video de ontem, com o Smith, já bem real, a dizer o que há muito sabíamos que ele disse sobre a chuva no molhado. Continuo a desconfiar destas evidências. Porque a cena é tão insignificante quanto os comentários que, também ontem, o cardinalício ministro da presidência foi fazer à SIC, apenas para proferir uma dezena de vezes o nome Rangel. E ambas quase me fizeram rir tanto quanto o desleixo apresentativo da conversa em que o marido da comentadora-mor da TVI respondia às provocações da esposa do patrão da mesma estação de Queluz de Baixo. O grande historiador, e digo-o sem ironia, tem, do país, como cambaleante comentador pós-prandial, a pequenina visão do respectivo grupo de amigos, isto é, só consegue ver o que conhece da respectiva paróquia capitaleira, pelo que acaba por me fazer rir, mas dramaticamente.

Prefiro assinalar que, na semana anterior à do discurso do 25 de Abril, o Presidente da República anda à fazer intervenções públicas demolidoras ao ritmo diário (já foram três seguidas). Porque, entre a musiqueta dos Xutos, que, segundo Valente, até já chegou ao indo eu, indo eu, a caminho de Viseu, e o DVD do Smith e da C... word, tudo isto entrou em ritmo de barafunda. Um ilustre deputado, doutor em economia, confirma, no parlamento, que o país está a saque e o senhor cardeal patriarca, que não segue as teses de Novak sobre a coincidência do catolicismo com o capitalismo democrático, que chegou a ser bem traduzido pelo jovem Portas, com apoio de uma associação católica de empresários, voltou aos modelos mentais de Frei João Sobrinho, proclamando que os lucros dos capitalistas só são legítimos quando se subordinam ao bem comum. Só falta D. Sebastião a criminalizar os juros, porque são venda do tempo e o tempo é monopólio de Deus...

A barafunda continua com declarações de Mário Soares contra Durão Barroso e, depois, contra Sócrates, só porque este apoiou a recandidatura do nosso primeiro primeiro-ministro que veio do MRPP. Lapidarmente, o nosso patriarca desta jovem democracia considerou que o apoio do senhor engenheiro, aliás, apenas licenciado em engenharia, ao mestre politológioco por Genebra caiu na categoria diabólica do nacionalismo e que o nacionalismo sempre foi salazarismo, porque ele, Mário, apenas era patriota. Naturalmente, Rousseau e toda a Revolução Francesa revolveram-se no túmulo, eles que identificaram o "vive la nation!" de Valmy com a democracia. 

Mas não vou entrar nessa, caros leitores. Gosto e sempre gostei do Mário Soares e, apesar de ainda estar no liceu quando Salazar morreu, posso garantir que preferi ser governado por Soares a ter que aturar o António de Oliveira. Por outras palavras, votarei até morrer no partido soarista, se este tiver que enfrentar sozinho o partido salazarista. Como alinharei sempre no abrileirismo contra qualquer espécie de autoritarismo estrutural, à maneira do dia 24 de Abril de 1974. Contudo, julgo saber reconhecer que o Mário, em quem até votei para presidente nas últimas presidenciais, por carinho e fidelidade, deveria compreender que, a partir de certa altura, a longa e justa idade do bisavô, apesar de manter o sentido de inteligência e da honra, pode fazer-nos escorregar em termos de voluntarismo.

Preferia que Mário não entrasse no mesmo ritmo de Policarpo. Porque pouca diferença começam a fazer em termos de maniqueísmo bipolarizador. Para uns, todos os que criticam o báculo são a cidade do diabo dos ateístas, isto é, dos que no fim de um encontro de empresários da área não se sacramentam em hóstias. Para outros, todos os que são nacionalistas são salazaristas do ceptro e do cacete. Cá por mim,  continuo a defender o capitalismo, especialmente o da ética protestante, calvinista e tudo, farto que estou das criminalizações da usura, que permitiram aos fidalgotes lusos o apoio à inquisição, para que se expulsassem os cristãos-novos. Do mesmo modo, continuo a defender que o nacionalismo pode e deve coincidir com a democracia, embora como português não precise do libertacionismo nacionalista no sentido técnico do termo. Porque, strictu sensu, só é nacionalista aquele que tem uma nação ainda sem Estado e luta pela respectiva autodeterminação, como um nacionalista basco, ainda frustrado, ou os adeptos dos movimentos de libertação nacional anticolonialistas.

Só daria razão a Soares se este entendesse o patriotismo como o fizeram os nossos republicanos, adeptos da alma nacional, como António José de Almeida, na linha do nacionalismo místico que importaram da III República Francesa. A tal que tanto para cá exportou a Lei da Separação e o neojacobinismo naturalista de má memória, como o sentido romântico de um patriotismo que o maçon Teixeira de Pascoaes pôs a voar como "A Águia". Porque, desses voos, nos veio um grevista de 1907, um tal Fernando Pessoa, com quem continuo a peregrinar, na procura da nação como caminho para a super-nação futura, pelas vias do nacionalismo liberal e do abraço armilar, templário e tudo... Para esotérico milenarista, meias palavras devem bastar. Ti Mário, recorde o seu velho professor, cuja imagem encima este postal.

17.4.09

Do BE ao BES, o sigilo, "the fable of beas", Rangel e o resto...


Com o PS a aprovar a proposta do Bloco de Esquerda sobre alguns aspectos do sigilo bancário, eis que o Conselho de Ministros decidiu repetir o esquema do cavaquismo crepuscular, sobre o rendimento dos políticos, ensaiando uma precipitada fuga para a frente. Não faltou sequer o presidente Cavaco a quebrar o silêncio, dizendo que sempre foi, de há muitos anos,  contra o segredo bancário, embora ninguém se lembre de ele o ter dito quando era Primeiro-Ministro, porque, como dizia Camões, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Gostei particularmente das intervenções televisivas de Diogo Leite Campos e de Paulo Rangel, especialmente deste último, com uma agilidade e um sentido de resistência que o marcam como uma saudável novidade, por entre tanta ferrugem de politicamente correcto.

Subscrevo quase tudo o que este último disse: o Governo quer que a administração fiscal possa «de imediato pedir e solicitar de forma fundamentada o acesso às contas bancárias sem prévia autorização judicial e do contribuinte», segundo explicou o ministro de Estado e das Finanças, Teixeira dos Santos. Trata-se de um dos mais graves ataques contra o Estado de Direito e a separação de poderes que este Governo alguma vez cometeu». «É totalmente inconstitucional, pela violação do princípio do Estado de Direito e do princípio da separação de poderes. Aplica uma pena sem que haja um processo criminal adequado, contra as garantias dos cidadãos». «O próprio Governo reconhece que se trata de uma pena fiscal, fala em penalização fiscal, numa taxa de 60 por cento», porque «uma pena fiscal é uma coisa completamente nova, que não tem sentido nenhum».

«Uma pena é o natural correspondente de um crime, só que este é um crime sem processo. Criminaliza-se uma conduta clandestinamente, é um crime sem que se lhe chame crime. A administração fiscal é que vai investigar, julgar, acusar e aplicar a pena». Trata-se de «da criação de um crime fora do direito criminal, sem garantias de defesa, uma espécie de confisco, sem intervenção do Ministério Público, sem juiz de instrução, sem tribunal».

Recordo-me de, certo dia, ter sido desafiado por um jovem líder do PSD, então meu colega na universidade, para o acompanhar a um almoço com altos dirigentes da banca, porque ele era favorável ao levantamento do sigilo bancário, tal como eu. Recordo-me muito bem dessa peripécia, que foi uma das parcas colaborações políticas com o actual presidente da comissão de Bruxelas, antes de o mesmo se enredar entre o ministro Isaltino, o ex-ministro Dias Loureiro e o aliado Paulo Portas. Porque, então, as boas intenções radicais de Barroso foram imediatamente removidas pelas invocações bem realistas de um ilustre dirigente da nossa finança que, com números, o alertou para a fuga de capitais para vizinhos europeus. Disse hoje o mesmo, no "Diário Económico", mas de forma adocicada.

Reparo que, agora, tanto Cavaco como parte do PSD mudaram, e bem, de programa, enquanto vão assistindo ao duelo que Ricardo do BES tenta travar com Louçã do BE, com inequívoca vantagem retórica para este último, que não desceu à baixeza de qualificar o adversário argumentativo como um caso patológico. Apenas estranho que este seja o mesmo PS que impediu as tentativas de superação do impasse, propostas pelo deputado Cravinho. E desconfio que estamos perante uma alteração de cosmética, de marca eleitoralista, onde se finge mudar para que tudo fique na mesma quanto aos fenómenos da corrupção e da evasão fiscal, embora tudo se venha a agravar quanto ao estadualismo farisaico dos novos cobradores e pesquisadores das vidas individuais, num país onde a luta de invejas, os moscas e os bufos, sempre foram bem superiores à luta de classes, mas com consciência de classe. Apenas digo que estou triste. Nem o Professor Doutor Fausto de Quadros ontem me fez rir, como de costume. Por isso vos deixo a metáfora da imagem, como sempre "inqualificável"...

Timor: a última nação imaginada do século XX


Ontem, na Universidade Nova de Lisboa, a convite do CEPESE, tive a honra de me assumir como professor da Universidade Nacional de Timor Leste, neste ano lectivo, porque tive o gosto de falar da última escola onde senti que havia ideia de obra, capaz de gerar manifestações de comunhão entre colegas e de cumprir minimamente as regras do processo, longe deste cinzentismo de pensamento único, provocado pelo presente situacionismo que, misturando invocações do professor saneador do antigo regime com as do professor saneado, convida para os encerramentos um qualquer ministerialismo, distribuidor de subsídios.  Por outras palavras, continuo a tentar seguir, neste meu campo, o conselho de Gilberto Freyre, o da procura de uma imaginação politicamente científica.

Porque estou farto de longos discursos e comunicações donde não vem uma única ideia, exprimindo de forma profunda o vazio de criatividade que vai marcando esta "res nullius" de reformas e contra-reformas, promoções e saneamentos, onde enquanto o pau vai e vem folgam as costas. 

É claro que li um texto durante 34 minutos e que fiz um desses resumos higiénicos do tema que abordei, repetindo o que tenho aqui delineado sobre a questão.  Hei-de um dia publicar a coisa. Por enquanto foi só para os ouvintes, onde muito gostei de sentir o diálogo silencioso com os timorenses presentes, especialmente quando não proferi palavras como 1975, Xanana, Horta, Alkatiri, Fretilin ou AMP. 

Porque os que estudam matérias de ciência política e relações internacionais não podem viver num mundo higienicamente assexuado, sem valores. Quem estuda coisas como Estado, Nação e Comunidade Internacional, não pode ter a atitude daqueles físicos que analisam o átomo sem tomarem posição sobre o uso da energia nuclear. Quem estuda a "polis", a "civitas", o "regum" ou o "Estado", nomes diversos para a mesma coisa nomeada. tem de assumir que ela é sinónimo de democracia desde o discurso de Péricles e, portanto, toma desde logo uma posição normativa, em torno desse transcendente situado, desse dever-ser que é.

Quem estuda a Comunidade Internacional também não pode enredar-se em neopositivismos dos modelos de "Wertfreiheit", porque tem como norma a Cosmopolis, o Estado de Direito Universal a que Kant chamou paz pelo direito, ou república universal. Do mesmo modo, quando enfrentamos a "vexata quaestio" das relações entre o Estado e a Nação, temos de pré-compreender que um é a racionalidade finalística das abstracções e a segunda, a racionalidade axiológica, ou valorativa, das emoções, dos sonhos e das adesões individuais à comunidade das  coisas que se amam e pelas quais se pode dar a vida, sem ser pelo cálculo das contabilidades, mas antes pelo invisível laço que nos faz elevar ao sonho.

Logo, ai de quem enfrente este mar sem captar a terceira dimensão da alma que é a imaginação, a que vem depois da razão e da vontade. Ai de quem não perceber que a poesia é mais verdadeira, ou mais filosófica do que a própria história, porque a maior parte das histórias ficou sem registos. Assim, porque tratamos de amor, temos de reconhecer que a  maneira como cada nação se olha a si mesma cabe na definição de Fernando Pessoa sobre as cartas de amor. Todas elas são ridículas, mas mais ridículo ainda é não ter nação. Por isso, comecei a minha viagem íntima a Timor, ontem com estas palavras em Mamba: Nam bae pe lao ahe ta/ Tenki galae(a vossa  procura do que visa o progresso tem de continuar).

Daí que vos deixe o resumo neutral da conferência que proferi:

A primeira Nação-Estado deste século vive um intenso conflito entre os processo de "state building" e de "nation-building", onde a ausência de um efectivo monopólio da violência legítima, assente no aparelho de poder estadual, levou a que se gerasse um exagerado intervencionismo da comunidade internacional na ordem interna. Abundam desenraizados peritos e consultores, tanto de organismos internacionais e ONGs como de potências interessadas na segurança e economia da região. Aquilo que foi uma colónia atípica do império português, dado que os modelos de conformação e ocupação soberanistas não foram efectivos, levou a que, depois do abandono de 1975, o vazio de poder convidasse tanto à ocupação pelo exército indonésio, como ao recrudescimento do catolicismo, pelo que uma religião institucional quase passou a coincidir com a resistência e a identidade nacionais.


Depois dos grandes movimentos de solidariedade global, provocados pelas violências das milícias, em guerra por procuração, essa parte da ilha do crocodilo quase se transformou numa nova ilha da utopia e da ucronia. Agora, chegou a hora das realidades, isto é, das circunstâncias de lugar e de tempo, com pessoas concretas. E, na prática, a teoria passou a ser outra, porque o construtivismo da comunidade internacional actua como uma espécie de corpo estranho sobre populações plurais que ainda não tiveram direito ao urgente olhar antropológico pós-colonial. Porque as formas e os carimbos de nação, democracia e religião correspondem a efectivos sincretismos, onde as convergências e divergências implicam que a emergência não correspondem às intenções dos homens, mas antes às respectivas acções.



O exagero do capitaleirismo centrado em Dili ou do teocrático eclesiástico do discurso, ambos assentes em formas de neocolonialismo de variadas globalizações, parece menosprezar uma base sociológica, cultural e simbólica. Uma nação exageradamente imaginária e contraposta ao vizinho indonésio pode levar a que os aparelhos de construção do político, de um momento para o outro, assistam a uma erupção reactiva que pode pôr em causa o esforço de uma democracia partidocrática, que nem sequer admitiu o aconselhável bicameralismo.


Do mesmo modo, o projecto de Estado de Direito e de administração pública racional-normativa, desconhecendo o costume, pode dar a imagem de um Estado falhado que nem sequer tem aparelho militar e policial que sirva de sucedâneo para o "state building". Daí, o recurso tanto a sucessivas personalizações do poder, como às mitificações de uma língua e de uma história pátrias, à semelhança da que é considerada a "nation par excelence", a França pós-revolucionária do século XIX, e foi repetida pela Indonésia do pós-guerra, da era de Sukarno. E estes modelos podem não respeitar um processo de libertação assente nos valores da dignidade e da honra. Porque, como dizia Renan, uma nação é, afinal, “um plebiscito de todos os dias”.