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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

1.12.04

Nós e os Códigos de Napoleão



Amanhã, duzentos anos depois da farsa coroativa do usurpador, irei, mais uma vez, ao serão na Bonjóia, no Porto, para «inventariar os vários códigos genéticos napoleónicos, desde a ideia de Estado e de burocracia ao próprio conceito de universidade, para nos permitir a adequada libertação dos complexos de esquerda e dos fantasmas de direita, conforme já foi proposto por Raúl Brandão em El Rei Junot"



Irei recordar que, nos primeiros anos do século XIX, de Napoleão, «não nos chegaram apenas as invasões militares de El-Rei Junot, mas novos signos de uma modernidade que tanto se traduziram no individualismo do "Código Civil" como no centralismo de uma pretensa nova ordem que se disseminou no imanente da ideia de construção de Estado, visto, muitas vezes, como um pronto-a-vestir mental que, apesar de ser uma bela ordem, nos desenraizou, não permitindo que nacionalizássemos as boas tendências estrangeiradas que devemos importar».



O melhor será o trio de sopros da ESMAE, com Ana Cavaleiro (flauta), Cândida Oliveira (clarinete) e Ricardo Ramos (fagote), interpretando duas obras de Beethoven. Mas, em dia comemorativo da Restauração de 1640, não posso deixar de sublinhar a memória da segunda Restauração de 1808 que nos reinventou com povo autodeterminado. Portugal só continuará independente se quisermos que ele continue independente. O Estado somos nós! Os descendentes daqueles homens livres que decidiram libertar-se da invasão dita libertadora que, como rolo compressor, nos quis diluir no Império Global que, usurpando a liberdade, a igualdade e a fraternidade nos provocou o drama de, em Portugal, o reaccionário ter começado por rimar com libertação, num processo complexo que só a partir da regeneração de 1820 se começou a equilibrar, quando, depois de nos libertarmos dos falsos libertadores, tratámos de nacionalizar essas tendências importadas pela pata dos cavalos invasores e pela baioneta dos violadores.

Lá conferenciei, graças à gentileza de Paulo Morais e sem deixar de agradecer as diligências amigas do Carlos Abreu Amorim, o apoio de Pedro Nunes e a sentida presença, entre outros, do Professor Albino Aroso. Ainda não concluí o texto final da comunicação, mas acrescentei algumas notas orais ao tema:

Que Napoleão talvez seja mais importante do que a Revolução Francesa. Ele o "usurpador" que reinterpretou o princípio romano do "principado", através de uma nova "contrafacção da liberdade". A partir de então, os ditadores já não precisam de assumir-se como "pais tiranos" ou como "ditadores filósofos".

Que ele se transformou na pós-revolução em figura humana, nesse misto de anarquia e de de servidão, como assinalava Constant. A partir de então, os situacionismos, sempre geridos pelos Talleyrand, podem configurar-se como o eclético cozinhado da ordem e do progresso, onde a ordem não precisa de restauração e o progresso já dispensa a revolução.

Que assentou num novo modelo de individualismo, do burguês predador, devorado pelas suas "possessions", na ambição do enriquecei que marca os posteriores situacionismos, assentes na civilização do ter contra a do ser. Napoleão, Cartismo e III Império, onde Guizot sucedeu a Talleyrand, nestes tempos de ilusão cavaquista.

E que nós tivemos a desdita de ser por ele invadidos. De recebermos a liberdade com baionetas, cavalos e violações. E de assim termos um paradoxal conceito de reaccionário libertador