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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

12.3.05

O último governo da III República



Eu, abaixo-assinado, declaro, por minha honra, cumprir a missão para que fui sufragado, isto é, ser o último governo deste regime pós-revolucionário, não me transformando no Marcello Caetano da III República. Eis o essencial da promessa de Sócrates, este máximo denominador comum daquele Bloco Central onde a direita e a esquerda permitidas pelos Pactos MFA/Partidos se têm assumido como a "esquerda moderna", esse lugar comum ideológico onde se conjugam o economista Cavaco Silva e o político profissional Pinto de Sousa, onde o segundo até conseguiria a máxima eficácia se o primeiro estivesse em Belém, tal como este conseguiu conformar o país com a tutela presidencial de Soares.

A partir de agora, a oposição não comunista e não bloqueira a este governo não terá hipótese se apenas mostrar novas caras para as ideias governamentalizadas, sejam as alternâncias Marques Mendes ou Telmo Correia. E de nada valerão as tentativas de superação do impasse pelo extremismo neo-liberal, pelo jacobinismo anticlerical ou pelo populismo patriotorreca. Nem sequer poderá haver esperança nas análises de obra feita dos habituais comentadores e analistas, entre os quais me incluo.



Sócrates é, sem dúvida, inteligente, determinado e teimoso. E nem deve ter telhados de vidro, porque, de outro modo, não correria o risco de enfrentar o mais agressivo dos "lobbies" económico-político-comunicacionais, o dos farmacêuticos.

As alternativas ao presente estado político da III República ainda não existem, nem sequer pela soma dos escombros partidários que foram herdados. A alternativa tem que ser genuinamente criada, não através de regressos, mas sim de caminhadas, que nunca poderão confundir-se com as habituais críticas de falta de autenticidade dos líderes oposicionistas que pretendam medir a distância que vai das promessas programáticas às realizações, ou das expectativas às frustrações.



O governo de Sócrates pode ser uma magnífica oficina de reparação do capitalismo a que chegámos, como se dizia da economia social de mercado da CDU alemã no pós-guerra, ou de reforma do "Welfare State", através de um liberalismo possível, como tem vindo a ser praticada pelas "terceiras vias" dos Blair.

Não será a criação de novos partidos ou de novos "rassemblements" que poderá regenerar a pretensa direita. Porque novos partidos liberais serão tão sectários como novos partidos monárquicos, novos partidos socialistas ou novos partidos republicanos. Porque nenhum novo partido consegue comunicar novas ou velhas ideias, dado que a comunicação social e política existente apenas consegue transmitir chavões, adjectivos diabolizantes ou "soundbytes" limitadores. Ainda por cima, há marcas partidárias falhadas, líderes políticos queimados e uma lista imensa de derrotados que não poderão, a curto prazo, renascer das cinzas que sujam as respectivas imagens.



A refundação da direita nunca passará pela soma das actuais fraquezas partidárias existentes, nem pelo apelo às revistas político-culturais pretensamente congregadoras. Até nem valerá a pena percorrermos as agendas onde se guardam os telemóveis das personalidades que se resguardaram durante as barrosadas, santanadas e portadas.

A alternativa a esta inevitável ditadura do "statu quo" passa naturalmente pela resistência cultural e pela lealdade básica. Que alguns se entretenham com os aparelhismos dos actuais partidos, com o culto a marechais condecorados, com a homenagem a generais que foram "poder ser", com a revisitação de professores excelsos, eméritos, aposentados, activos ou sonolentos, ou com a droga de certas candidaturas presidenciais. O povo derrotou a direita que se pavoneou e candidatou porque esta mereceu ser derrotada. Que aprenda as lições da vida.



Seria estúpido que os direitistas que restam batessem palmas à prosápia de prebendadas criaturas, desde as medalhadas às que abicham tachos dos sucessivos governos e a quem alguns elogiam em nome da eterna engenharia das cunhas. Com efeito, a história da partidocracia direitista passa por uma lista infindável de deserções, traições, facadas, macacadas, garotadas e traquinices, onde quase todos que os aparelhismos elevaram às efémeras lideranças e candidaturas, logo se consideraram bem mais do que as instituições que diziam servir e lhes deram asas mediáticas.

Com partidos sem espinha, sem continuidades liderantes e até sem moral, apenas podemos dizer que os mesmos continuarão a ser o veneno típico daqueles grupos de amigos que cordialmente se odeiam, podendo tornar-se em mero alvará dependente dos subsídios e financiamentos que os costumam transformar em meras operações de leilão, onde acabam por licitar as ambições de certos grupos económicos que os vão usando conforme a voracidade dos interesses que os pretendem ocupar, depois de subsidiarem os adversários.

PS: Face a vários mails, gostaria se clarificar o seguinte:
Não sou pela IV República nem pela IV Dinastia. Sou e sempre fui pelo V Império.