Confissões metapolíticas II
Estamos dominados por um erro de teoria e o problema é que só certos esotéricos que privaram com determinados mestres é que conseguem articular a genealogia dessa ocupação mental. Com efeito, as sociedades ocidentais continuam marcadas por um gnosticismo positivista ou progressista, onde é obsidiante uma concepção ferroviária da história. Domina o analfabeto funcional e não consegue desenvolver-se uma adequada cultura geral.
Qualquer recuperação conservadora tem de ir ao fundo da questão e passa pela crítica das raízes iluministas do progressista, desse modelo de marquês de Pombal.
Neste sentido, entusiasma-se ensinar Althusius. A sua perspectiva do Estado como consociação mista ou pública, reunindo consociações privadas e públicas. O Estado como mera consociação pública maior, mera procura de uma república maior, esse encanto que ainda permanece nalgumas facetas da Confederação Helvética e na ideia de soberania divisível partilhada pelos federalistas norte-americanos. Ou seja, a defesa de uma perspectiva pré-absolutista que não foi marcada pela ideologia do soberanismo. Ou de como Althusius tem actualidade, especialmente no tocante à construção política dos grandes espaços, como a União Europeia, susceptível de enquadramento no conceito de consociação pública maior. Isto é, a república tem de misturar o público e o privado, não pode ser o exclusivo daquilo que é público.
Poucos entendem por dentro a perspectiva pluralista da poliarquia. Essa perspectiva do Estado como mero processo de ajustamento dos grupos. Onde um grupo não passa de mera massa de actividade, não sendo susceptível de ser retirado da sociedade onde vive com uma colherada. Porque cada indivíduo faz, ao mesmo tempo, parte de vários grupos e só em termos abstractos podemos destacar um grupo da dinâmica da sociedade.
Althusius justifica como podemos ter orgulho em sermos conservadores do que deve ser, cortando radicalmente com os preconceitos que nos vêm do iluminismo, da segunda revolução francesa e do progressismo que se lhe seguiu. Aliás, não é por acaso que a esquerda que resta, como a sinistra italiana, opta, hoje, pelo "petit nom", de progressista, esse novo nome da utopia esquerdista, depois do fim do comunismo e das ilusões de revolução com que se empanturraram.
Faço parte daquele grupo de pessoas que gostaria de subescrever o Projecto da Paz Perpétua de Immanuel Kant e de participar na elaboração de uma lei universal que colocasse a guerra for a do quotidiano dos homens. Mas se tenho os olhos postos nesse céu dos bons princípios de uma paz pelo direito, também tenho os pés presos no chão da realidade dos homens concretos. Embora acredite que talvez não seja utopia a constituição de uma organização universal que consiga institucionalizar uma comunidade internacional, isto é, um estádio semelhante àquele que, no interior das comunidades política, foi atingido com o Estado, ao superar-se a vingança privada e ao desenhar-se uma instância detentora do monopólio da força pública legítima, julgo que só dentro de uma longo prazo, que pode ser de séculos, poderemos banir a guerra.
Vivemos um tempo de teocrasia, de mistura de deuses, um tempo em que perdeu sentido aquela ideia de progresso que dava um sentido linear à história do homem, apontando-lhe uma via de sentido único, essa concepção ferroviária da história, como lhe chamou Bertrand de Jouvenel, apontando o caminho para uma espécie de fim da história que podia ser, por exemplo, a realização do chamado processo histórico da era das revoluções que talvez tenha findado em 1989.
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