a Sobre o tempo que passa: Confissões metapolíticas I

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

16.7.05

Confissões metapolíticas I

Ainda sem voltar ao combate diário do blogue, o que implica estar disponível para ver, ouvir e ler em mobilização quotidiana, decidi continuar a publicar pequenas notas que guardava na gaveta. Envio agora partes de um texto inédito de 22 de Novembro de 1993, emitido em conferência quase clandestina num grupo de estudo de gente do PS, o CENOS. Aí reflectia o seguinte:




Um conjunto de pessoas da área do socialismo democrático convidaram-se para comunicar algumas reflexões políticas. Bateram à porta de alguém que é tido como uma pessoa da direita, de alguém que faz parte da mitificada tribo da direita.




A minha genealogia é simples. Licenciei-me em direito entre 1969 e 1974, entre a crise de Coimbra de 1969, a nossa tradução em calão do Maio de 68, e o 25 de Abril de 1974 (nesse dia estava aliás a fazer o exame de Medicina Legal).



Durante todo o meu tempo juvenil nunca pertenci à barricada da esquerda antifascista. Andava pelas zonas de fronteira da direita coimbrã e, dentro desta, numa sensibilidade quem não era nem a dos jovens apoiantes do marcelismo, nem as dos que diziam ser da direita nacional-revolucionária. Sentia-me descendente do complexo monárquico e nas eleições de 1969 assumi-me como um dos apoiantes da chamada Comissão Eleitoral Monárquica que tinha na personalidade de Henrique Barrilaro Ruas, um dos principais ideólogos.



No crepúsculo do regime tinha um pé nos monárquicos oposicionistas e outro na militância lusotropical. Tinha a ilusão romântica de apoiar o spinolismo e vibrei intensamente com o programa contido em "Portugal e o Futuro". Vivi, com entusiasmo, os primeiros minutos do 25 de Abril, mas nem sequer saí para a rua no 1º de Maio.



Talvez seja um desses marginais de direita, tão marginal que até cheguei a votar na esquerda moderada do PS de Guterres, apesar de tudo, isto é, apesar das pessoas da chamada Plataforma de Esquerda.



Confesso que, depois do cavaquismo, fiquei sem saber onde estou.



Herdeiro da tradição monárquica, não posso contudo invocar essa fidelidade pelo nominalismo anti-republicano de alguns figurões do "jet-set", que esquecem a circunstância da monarquia anti-absolutista da profunda tradição portuguesa sempre se ter assumido como a melhor formas republicanas de governo.



Marcado intelectualmente
pela perspectiva democrata-cristã dos séculos XIX e XX, não posso deixar de seguir as linhas de pensamento de um Jacques Maritain ou de um Emmanuel Mounier e, sobretudo, a grande perspectiva do federalismo europeísta a que me associo.



N
ão me assumo, contudo, como membro da Igreja Católica, dado defender aquela perspectiva laica de fundo estóico, esse profundo humanismo ocidental…



Profundamente anti-moderno, não deixo contudo de me seduzir por algumas linhas do conservadorismo neoliberal.



Por todas estas razões eis que me aproximo do libertacionismo existencial de alguns autores do misticismo político do nosso tempo, de Agostinho da Silva a Soljenitsine.