Hino à glória de ter medo
e do preço que não tem a vida humana;
sei máquinas automáticas que registam
todos os passos do suspeito.
Sei microfilmes, computadores,
e sofisticadas torturas que o não são.
sempre de acordo com os regulamentos
Sei das regras todas, das leis,
das circulares, das convenções.
Sei prisões, direitos e garantias
códigos penais, processuais
e as teorias todas do poder.
Sei de cor os meandros do medo,
notificações, contestações, concentrações.
Sei sobretudo prisões sem culpa formada
e legalíssimas justificações de tudo.
Sei de Abril o medo e a repressão,
sei tudo isto e não estou calado.
Sei e valia mais não saber
valia mais esquecer-me de quem sou
e, renegando os princípios
por que me querem prender
entregar-me às doces polícias do pensamento.
que sem proibir nos querem silenciar.
Valia mais censurar-me, arrepender-me
rasgar meus versos, não acreditar.
Isto é, ter o prudente medo
desse bom chefe de família
que tem de ganhar a vida.
Ter em suma a cobardia de não ser,
e parecer sempre do lado que convém.
Para quê defrontar o vento novo?
e arriscar causas perdidas
quando posso aplaudir o vencedor?
Ser definitivamente da casta dos moderados
desses que tendo dito sim ao não,
aparentando não dizer nada
podem depois muito convenientemente
demonstrar que não disseram o que calaram.
Enfim: sobreviver
deixar a política para os políticos
e a pátria para os homens de sucesso
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