a Sobre o tempo que passa: Confissões metapolíticas III

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

18.7.05

Confissões metapolíticas III

A metodologia europeísta de Monnet e Schuman não nasceu ex nihilo, mas a partir da forte temperatura espiritual do pós-guerra, traduzindo-se no sentido prático mobilizador numa espécie de movimento de massas de intelectuais. Sem essa ideia, eis que a geração ulterior inverteu os termos do processo e ios meios (politiciestas, economicistas e juridicistas) passaram a preponderar sobre os fins.



A Europa deve continuar a ser uma Europa sem limites. Deve ultrapassar o modelo da pequena-Europa.




Falta um verdadeiro movimento europeu, marcado pelos militantes daquilo que Milan Kundera qualificou como a nostalgia da Europa. Onde estão afinal os fundamentos espirituais do chamado sonho europeu?




O populista eurocéptico tende a acabar militante profissional, tipo cola-cartazes, segura paus de bandeira, comicioso. Uma espécie de padre que não lê o breviário, mas que bota-discurso apelando aos eternos valore escuteiros. É um excelente escuteiro que nunca ninguém convidaria para ministro e em quem nunca ninguém votará para ministro.




O Estado Laranja usurpou o regime e o regime corre agora o risco de confundir-se com o cavaquismo, como aliás, já havia acontecido nos Açores de Mota Amaral e na Madeira de Alberto João Jardim. A democracia absolutizou-se neste modelo político, onde não interessam as policies nem as pessoas, mas antes as formas de servir o centro do aparelho de poder.




O Portugal cavaquista, depois de ser oportunidade perdia, tende a ser um país dividido entre uma sociologia maioritária de apoio ao governo e uma elite de contrapoder que ora lê o Independente, ora vê a SIC. Os dois meios de comunicação são, aliás, os modelos mais representativos de uma oposição de direitas e de uma oposição de esquerda, estando cada um deles mais adequados ao sentir político dos activistas que o partido popular e o partido socialista.




No caso da direita, a assimetria é mais escandalosa, porque o populismo ou é muito juventude, tipo liceal porreiraço, ou muito dona de casa aposentada, que gosta da fortuna maquiaveliana, do viril garanhão lusitano e jovem que, em sonhos, vai violando a burguesa de sacristia.




No caso do PS, basta recordar que a moderação acabou por rapar-lhe o bigode da indignação esquerdista, com que disfarçava o menino bem comportado da sacristia.